quinta-feira, 2 de janeiro de 2020

CAFURINGA: História verídica de Aldenor, Aurélio e Adalto e a prisão de Zé Pereira

História verídica de Aldenor, Aurélio e Adalto e a prisão de Zé Pereira.
Caso ocorrido no Estado do Acre, na cidade de Tarauacá.
Escrita em versos pelo poeta e compositor José Gomes Fontinele, vulgo Cafuringa.


I

Amigo preste atenção
A todos quero contar
Uma história mui horrível
No Estado do Acre
Que fica neste lugar

II

No ano de cinquenta e sete
Cheguei neste lugar
Era soldado da Guarda
Fui transferido pra lá
Cheguei até muito alegre
Sem nada adivinhar

III

Este caso acontecido
Botou todo horrorizado
Morreram três filhos da terra
Ficou um encarcerado
Era o guarda Zé Pereira
Era filho de outro estado

IV

O caso que aconteceu
Foi d Aurélio e Aldenor
Aurélio tinha um irmão
Menor e namorador
Se achava em uma festa
Quando entrou Aldenor

V

Este irmão de Aurélio
Era ainda Menor
Mas era muito valente
Tinha o sangue no gogó
Entrava em todos os perigos
Mas de ninguém tinha dó

VI

A história eu vou contar
Muitos anos já faz
Tinha um rapazinho novo
Veio tomar benção a s/ pais
E não sabia se vinha
E não voltava nunca mais

VII

Adauto chamava-se ele
Com vinte anos de idade
Vivia sempre estudando
Não tinha a menor maldade
Não sabia se caia
Na tamanha crueldade

VIII

Adauto chegou no Acre
No meio de seus parentes
Acompanhado de sua irmã
Uma menina decente
Não sabia da sorte
Se morria instantaneamente

IX

Esta história eu vou contar
Não sou homem falador
O culpado foi o Aurélio
E também o Aldenor
Quando chegou no Salão
O menor ele empurrou

X

Audenor entrou no salão
Não soube se expressar
Todo soldado tem ordem
Para saber trabalhar
Com calma se vence tudo
Não precisa se afobar

XI

Audenor entrou no salão
Vinha um pouco zuó
Chegou e empurrou o menino
Sai pra fora que é melhor
O menino se alterou
E quis lhe pegar no gogó

XII

Chegou e empurrou o menino
Jogou fora do salão
Aurélio que estava de parte
Vendo aquela confusão
Foi ajudar o menino
Porque era seu irmão

XIII

Aurélio não resolveu nada
No meio da escuridão
Foi esperar o Audenor
Distante da multidão
Não podendo ir a peito
Fez a mesmo a traição

XIV

Audenor ia passando
Aurélio se apresentou
No mei da escuridão
Com uma faca lhe furou
Viram logo um alarme
O Aurélio se matou

XV

Furou e depois correu
Só se via a confusão
Audenor teve coragem
Puxou a faca com a mão
Foram atrás de Aurélio
Para por na prisão

XVI

Aurélio saiu correndo
Procurando a se livrar
Na casa de uma família
Ele logo pode entrar
Escondeu-se dentro do quarto
Pra polícia não pegar

XVII

Aurélio estava escondido
Não queria aparecer
A polícia toda embalada
Pela rua percorrendo
Estava escondido na casa
Querendo se arrepender

XVIII

Aurélio resolveu logo
Disse aqui não fico mais
Vou sair diretamente
Lá pra casa de meus pais
E lá ninguém vai atrás

XIX

Chegando a casa do pai
Ficou logo escondido
Matar por preversidade
Um dia vai ser punido
Até mesmo no pensamento
Por Deus será ouvido

XX

O delegado teve notícia
Que ele estava na casa do pai
A pobre da mãe de Aurélio
Já tinha dado um desmaio
O pai sempre dizendo
Meu filho daqui não sai

XXI

O pai do dito criminoso
Era muito educado
Mesmo naquela cidade
Tinha sido delegado
Continuava ainda
No posto de advogado

XXII

Ubaldo se chamava ele
Tomou outra decisão
Resolveu deixar o filho
Seguir para a detenção
Ainda não viu mundo
A rua dos valentão

XXIII

Foi Aurélio pra cadeia
A polícia corrigiu
Vigiando a noite toda
Com medo dele fugir
A sorte era esta
Tinha mesmo que cumprir

XXIV

Ficou a mãe de Aurélio
Não tinha consolação
Ficou banhada em prantos
Que rolava pelo chão
Vendo seu filho seguir
Pra casa de detenção

XXV

Agora deixo o Aurélio
Vou falar de Audenor
Sua chegada em Rio Branco
No dia que viajou
Depois de dois ou três dias
Sua vida terminou

XXVI

Audenor era um praça
Cumpridor de seu dever
Andava sempre direito
Pra ninguém aborrecer
Ficou sua mulher viúva
E os filhos a sofrer

XXVII

No mesmo jeito se passa
Com a mulher de Aurélio
Este também morreu
A casa é o cemitério
Ela recebe a mesada
Se for mulher de critério

XXVIII

Audenor além de tudo
Era de disposição
Morreu mas deixou saudade
A toda corporação
Ainda deixou saudade
Para mãe e os irmãos

XXIX

Da mulher dele eu não falo
Ela quer ter sua razão
Mas dizem que foi a culpada
Do começo da questão
Para o meio desta história
Daria explicação

XXX

O povo conta uma história
Que às vezes sai mal contada
Dizem até que Aurélio
Fingia-se de camarada
Saia junto com Audenor
Com as suas namoradas

XXXI

Audenor ficou atrás
Mas não prestou atenção
Se o Aurélio lhe esperava
Para fazer a traição
Tinham se criado juntos
Na mais completa união

XXXII

Não tinha havido questão
Entre Aurélio e Audenor
E Audenor seguiu na frente
E o Aurélio voltou
Debaixo de um beija-min
Aurélio se acautelou

XXXIII

Audenor estava no centro
Não sabia da traição
Não sabia se Aurélio
Se achava de prontidão
Quando Aurélio lhe furou
O sangue pulou no chão

XXXIV

Debaixo do beija-min
Foi grande a revolução
Audenor puxou a faca
Nesta mesma ocasião
Viajou o Rio Branco
Na triste situação

XXXV

Aurélio matou Audenor
Não havia precisão
Eram filhos do mesmo lugar
Não estavam de questão
Não sei se foi por família
Ou se foi pelo irmão

XXXVI

Chorava todos os parentes
Com a morte de Audenor
Dizem que sua mulher
Até luto não botou
Dizem que ficou alegre
Quando Aurélio matou

XXXVII

Audenor além de tudo
Era muito resolvido
Tinha bom comportamento
Com seus colegas era unido
O caminho da miséria
Ensina quem está perdido

XXXVIII

Foi o caminho de Aurélio
Enfrentou o desespero
Foi tentado pelo laço
Do inimigo traiçoeiro
Matar um guarda em praça pública
Sendo leal companheiro

XXXIX

Não falo mal de Aurélio
E de Audenor também
Eram filhos da mesma terra
Não seio o mal de onde vem
Conto a história todos
Mas não maltrato ninguém

XL

Aurélio era empregado
No banco desta cidade
Morreu ainda tão novo
No meio de sua idade
Não devia ter praticado
Esta tamanha crueldade

XLI

Matou o moço colega
Sem ter dó nem paixão
Podia ter ido a peito
Não fingisse traição
Assim ficou mostrando
O papel de um ladrão

XLII

Ladrão porque roubou
A vida de um soldado
Um mantedor das ordens públicas
Vivia sempre mandado
Matou inocentemente
Sem mal ter praticado

XLIII

Aurélio era casado
Com dona Iza Barbosa
Era muita delicada
Também era caprichosa
A família de Aurélio
Sendo quase toda bondosa

XLIV

Somente o pai de Aurélio
Que tinha delicadeza
Todo mundo da cidade
Diviam grande fineza
Castigava os errados
Socorria a pobreza

XLV

Não sei qual o motivo
Começou esta questão
Não sei se foi por família
Não sei quem tem razão
Sei que morreram três
Ficou um na detenção

XLVI

O que vive na detenção
É o guarda José Pereira
É filho da Paraíba
Aquela terra brejeira
Queria matar o Aurélio
Resolveu fazer asneira

XLVII

Asneira posso explicar
A ninguém eu não maltrato
Matasse só o Aurélio
Mas não mataste o Adauto
Morreu tão inocente
Por causa de um peralta

XLVIII

Chamo ele de peralta
Também vou esclarecer
Dizem que o Aurélio
Só vivia de beber
Para ver um rapazinho novo
Tão inocente morrer

XLIX

Amigo eu ainda digo
Cada qual sabe o que sente
Deus não despreza ninguém
É um pai Onipotente
Só sinto à morte de Adauto
Por que morreu tão inocente

L

Com a morte de Audenor
Todos queria vingança
Aurélio se achava preso
Da sair nem esperança
Aurélio também morreu
Os mortos são quem descansa

LI

Audenor tinha morrido
Todo mundo se vingava
Quando encontrava o Aurélio
A coragem lhe faltava
Quem matou foi o Zé Pereira
Ninguém nunca esperava

LII

O guarda Francisco Batalha
Comprou logo um armamento
Para matar o Aurélio
Mais só tinha fingimento
A pessoa que matou
Não se tinha o pensamento

LIII

Com a morte de Audenor
Mudou tudo de repente
O pai do mesmo era
Um velho impertinente
A gente pensa uma cousa
Mas depois dá diferente

LIV

O velho pai de Audenor
Era filho de Ceará
Deixou a barba crescer
E não queria raspar
Só faço o cabelo e a barba
Se um dia me eu me vingar

LV

O tempo sempre passando
Todo mundo à se pabular
Que a morte de Audenor
Precisa se vingar
Todos diziam isto
Nada da coragem chegar

LVI

Aurélio se achava preso
Mesmo no Quartel da Guarda
A pessoa sem razão
De tudo de acovarda
Quem tirou sua vida
Foi mesmo gente de farda

LVII

Quem assassinou Aurélio
Foi o guarda Zé Pereira
Se dava com Audenor
E é ordem justiceira
Defender seu colega
E à farda Brasileira

LVIII

À lei de nossa terra
Em toda corporação
O povo todo é unido
Não há decepção
O Soldado ser unido
Faz a sua obrigação

LIX

A lei de nosso Brasil
É a lei da democracia
Em nossa terra se vive
Com prazer e alegria
Se tivesse cadeira elétrica
Quem matasse também morria

LX

Quem morre vai sossegar
Quem mata vai pra cadeia
Eu também andando errado
Pode me bater de peia
Acho que seja um erro
Se falar da vida alheia

LXI

Eu não maltrato a ninguém
Com minha rimação
Entre Aurélio e Audenor
Eu não sei quem tem razão
Alguns que moravam perto
Sabe da situação

LXII

Peço que não se aborreça
Com minha rimação
Vou contar outra parte
Do começo da questão
Vou contar o jeito de Aurélio
Quando estava na prisão

LXIII

Foi primeiro para o Quartel
Todo direito eu vou contar
A sua mulher chegava
Não queria mais voltar
Os que sofriam
Sempre sempre a reparar

LXIV

Ele vivia no quartel
Já pensando em morrer
Pedindo a todos os Guardas
Que viviam à guarnecer
Que tivesse pena d’ele
Não deixassem ele sofrer

LXV

Ele se achava preso
Mais já estava arrependido
Não podia esquecer
Do que tinha cometido
Vivia banhado em pranto
Mas tudo sendo perdido

LXVI

O Aurélio que eu falo
Não tinha bom coração
Talvez não fosse seu pai
Que desse esta criação
Morreu por ser valente
Mora debaixo do chão

LXVII

Praticou esta maldade
Não havia prisão
O povo diz que o Aurélio
Só vivia de questão
Dizem que insultava todo mundo
Só pra ver a confusão

LXVIII

Amigo o Audenor
Dizem que era decente
Trabalhou em diligências
E nunca foi insolente
Não quero ser falador
Cada qual sabe o que sente

LXIX

Audenor morreu novinho
E o Aurélio também
Hoje vivem lá no céu
Sem dar trabalhos a ninguém
Cada qual faça por si
Faça jeito de viver bem

LXX

Aurélio se achava preso
Parece que tinha azar
Vinha a mulher e os filhos
Todo dia visitar
Ficavam dia inteiro
Não queriam mais voltar

LXXI

Falaram com o Juiz
Todo mundo censurando
Falando contra o Aurélio
O que estava se pensando
Depois todas pessoas
Da rua tavam matando

LXXII

Aurélio lá no quartel
Queria ter regalia
Dizendo pra todo mundo
Que pra cadeia não ia
Mais sim que a sua sentença
Tinha que chegar o dia

LXXIII

O tempo estava passando
Ele não queria ir
A sua sorte era esta
Tinha mesmo que cumprir
Tava ficando mal visto
Por todo povo d’ali

LXXIV

Ele não queria ir
Maginando em morrer
O medo de última hora
À ninguém pode valer
Ele tinha que ser preso
Para cumprir o dever

LXXV

A gente pensa uma cousa
Mas tudo dá o contrário
Uma parte eu estava vendo
E a outra me contaram
No dia deste desastre
Eu estava de aniversário

LXXVI

Vou contando a história toda
Sem faltar nem um pedaço
Eu nasci em vinte-cinco
No dia quinze de março
Faço meu aniversário
Ano nem um fracasso

LXXVII

No dia deste desastre
Eu me achava folgando
Acabei de almoçar
Fiquei logo pensando
Parece que no quartel
Tinha gente me esperando

LXXVIII

Eu me levantei da mesa
Fui logo me fardar
Soldado nunca tem folga
Faz tudo que se mandar
Vou agora lá no quartel
Ver o que aconteceu por lá

LXXIX

Quando cheguei já pertinho
Vi uma mulher gritar
Acudam o meu marido
Este homem vai matar
Nesta hora me vexei
Fui ligeiro até lá

LXXX

Quando cheguei no quartel
Não tive quase demora
Vi gritar lá na cadeia
Valha-me Nossa Senhora
Mataram meu marido
Que será de mim agora

LXXXI

Esta passagem eu não vi
Não estava na ocasião
Vi quando chegou Zé Pereira
Com grande satisfação
Dois guardas trazendo ele
E uma faca na mão

LXXXII

Chegou foi logo dizendo
E não mudou o sembrante
Quero garantia de vida
Para falar com o comandante
Respondi logo a ele
Demore aí um instante

LXXXIII

Fui falar com o comandante
Este mandou me preparar
Ficasse de prontidão
Não deixasse nada encostar
A vida do Zé Pereira
Era preciso guardar

LXXXIV

Eu peguei logo o fuzil
Fiquei de prontidão
Fiquei até amarelo
Com pouca disposição
Maginando toda hora
Receber uma traição

LXXXV

Ainda conto a vocês
Da forma que eu fiquei
Passei mais de quinze dias
Eu não vi como passei
Durante estes quinze dias
Cinco noites não me deitei

LXXXVI

Depois do crime passado
Mudou tudo de sentido
Era grande a multidão
E os dois caídos
Zé Pereira muito alegre
Não ficou arrependido

LXXXVII

Amigo eu fiz este verso
Todos sem pontuação
Foi feito por uma pessoa
Que ninguém dava atenção
Mas conta a história toda
Até o fim da questão

LXXXVIII

Era um dia de quinta-feira
Dia de todos visitar
E os planos de Zé Pereira
Ninguém ia adivinhar
Se ele entrava na cadeia
Com instinto de matar

LXXXIX

José Pereira era guarda
Ninguém podia empatar
O que ele ia fazer
Ninguém ia adivinhar
Com instinto de matar

XC

José Pereira foi ao cubículo
Pegou Aurélio na mão
Tirou o filho dos braços
Com ódio jogou no chão
Fez o que tinha vontade
Nesta mesma ocasião

XCI

Zé Pereira escondeu a faca
Oculto sem ninguém ver
Era soldado tamém
Ninguém ia corregir
Não tinha quem adivinhasse
O que ele ia fazer

XCII

Ele pegou o Aurélio
Deu uma grande punhalada
Nesta hora estava louco
Não estava enxergando nada
Estava feito uma serpente
Que esperava na emboscada

XCIII

Zé Pereira lhe disse
Tu parece um doutor
Tu já estás arrependido
Do crime que praticou
Foi logo empurrando a faca
E nada mais lhe falou

XCIV

Tu mataste meu colega
Sem ter dó nem compaixão
Vás passar na mesma pena
Não tem quem te livre não
Você também morrendo
Vinguei minha paixão

XCV

Adauto era um rapazinho novo
Com vinte anos de idade
Disse seu Zé Pereira
Lhe peço por caridade
Foi pedir morreu também
Tá na Santa eternidade

XCVI

Quando o Aurélio foi furado
O Adauto foi falar
Saíram de Porta a fora
Não puderam mais andar
Depois chegou Zé Pereira
E acabou de matar

XCVII

Os dois guardas de serviços
Ficaram sem se mexer
Ficaram fazendo cálculo
Como podiam prender
Zé Pereira disse à eles
Mandou cumprir o dever

XCVIII

Agora estou satisfeito
Fiz minha obrigação
Vinguei a morte do colega
Matei minha paixão
Posso até me acabar
Na casa de detenção

XCIX

Zé Pereira foi ao quartel
Depois veio pra detenção
Não tinha arrependido
Vivia com satisfação
Sempre foi disposto
Na nossa corporação

C

Adauto estava inocente
Não pensava em morrer
Lutando fortemente
Para o primo defender
Zé Pereira com raiva
Nada quis atender

CI

Nesta hora estava louco
Não via o que se passava
Tava passando de ódio
Nada também enxergava
Se tivesse um que pedia
Mais a faca ele enfiava

CII

Ficaram todos com medo
Não queriam dizer nada
Os corpos no meio da rua
A rua em sangue banhada
Todo mundo entristeceu
Com esta cena desastrada

CIII

Foi três para o cemitério
Ficou um sem liberdade
Sujeito a mulher e os filhos
Ir sofrer necessidades
O povo todo dizendo
Que tamanha barbaridade

CIV

Esta cena se passou
Foi um dia de tormento
Ficando filhos sem pai
No mundo do esquecimento
Talvez atrás de outro
Para lhe dar o sustento

CV

Ficou as duas viúvas
No mundo a perambular
Não podem ficar sozinhas
Precisa de se casar
É difícil achar um bom
Que viva sem maltratar

CVI

Se encontrar um marido bom
Que tenha educação
E se encontrar um malvado
Que não tenha coração
Quer trazer os entiados
Debaixo de mexicão

CVII

Muitas vezes as viúvas se casam
Não tem jeito de se unir
Muitas tem filhas moças
O marido quer perseguir
Começa a desavença
De casa tem que sair

CVIII

Ficou a mulher de Aurélio
E também a de Audenor
Ficou filhos sem pai
Duas luz se apagou
Ficaram sem seu abrigo
Alegria se acabou

CIX

Aurélio com Audenor
Como já viram eu falar
Nasceram e se criaram juntos
Naquele mesmo lugar
Não havia precisão
De eles se esburduar

CX

Morreram por causa de festa
De cachaça também
Todos dois funcionários
Viviam até muito bem
Todos dois estavam vivendo
Sem ser a custa de ninguém

CXI

Muitas pessoas dizem
Que a cachaça é insolente
Deus dá o nosso juízo
Ela tira de repente
Foi por isto que os dois
Morreram instantaneamente

CXII

Talvez se os dois não bebessem
Não tinha se acabado
Morreu um inocente
Ficou outro encarcerado
As duas mulheres viúvas
Com os filhos abandonados

CXIII

A cachaça desequilibra
A vida das criaturas
Bebem o rico bebem o pobre
Pensando que é ventura
Mas que a cachaça
Também leva à sepultura

CXIV

Foi o que se deu com os dois
Viviam de beber cachaça
O dinheiro que ganhavam
Lá todo na fumaça
Por causa da cachaçada
Aconteceu esta desgraça

CXV

O povo era que falava
Que ele gostava de beber
A pessoa sendo errado
Faz todo mundo sofrer
Dizem que suas mulheres
Queriam aborrecer

CXVI

Eu não falo de Aurélio
Não falo também de Audenor
Estou contando a história toda
De forma que se passou
Este caso todo eu vi
Não foi ninguém que contou

CXVII

É certeza que aconteceu
Causou admiração
Só se via o povo correr
O sangue molhando o chão
O povo da rua dizendo
O homem sem coração

CXIII

José Pereira indignado
Valente igual um leão
Não teve um que pedisse
E tivesse compaixão
A mulher de Aurélio chorando
Também caída no chão

CXIX

O velho pai de Aurélio
Ficou um pouco sentido
Meu filho praticou um crime
Hoje veio a ser punido
Quem com ferro fere
Com o mesmo ferro é ferido

CXX

Foi que o pai de Aurélio disse
E depois se retirou
O mal que tu praticaste
Passaste a mesma dor
Ninguém pode desmanchar
Que Deus na terra deixou

CXXI

Deus deixou todos caminhos
Deixou todos por igual
Uns não compreende
Só querem fazer o mal
Depois não ganha lugar
Na corte celestial

CXXII

Ubaldo enterrou o filho
Começou a se arrumar
Liquidou tudo que tinha
Saiu de Tarauacá
Baixou de águas abaixo
Não fala mais em voltar

CXXIII

O que Deus faz é bem feito
Ninguém pode desmanchar
Ainda mais uma vez
De Zé Pereira vou falar
O que ele imaginava
Ninguém ia adivinhar

CXXIV

Todo mundo reclama
José Pereira calado
Não dizia a ninguém
O que tinha planejado
Até que chegou o dia
Todos viram o resultado

CXXV

José Pereira como guarda
Sempre prestou bons serviços
Enfrentava o que viesse
Não tinha nada difícil
Qualquer um para lhe vencer
Encontrava sacrifício

CXXVI

José Pereira em alvo
Filho de boa família
Andava sempre direito
Com ninguém aborrecia
O povo é que fala certo
Tudo tem seu dia

CXXVII

Quando o rapaz senta praça
Tem que jurar à bandeira
Defender o seu colega
E a farda Brasileira
Brigar em defesa da Pátria
Até a hora derradeira

CXXVIII

Com a morte de Audenor
Ele ficou contrariado
Todo mundo comentava
Mas ele sempre calado
Que tinha de fazer
Com cego estava guardado

CXXIX

Todo mundo lamentava
Aquela situação
José Pereira calado
Nunca dava opinião
Até que chegou o dia
De vingar sua paixão

CXXX

Disseram que estava louco
Eu não posso afirmar
Não existia doutor
Que pudesse examinar
Sei que está preso
E não pode se soltar

CXXXI

No dia deste desastre
Não ficou ninguém calado
O povo todo dizendo
Zé Pereira foi fechado
Se ele tivesse esperado
O pai dele tinha vingado

CXXXII

Dizem que o pai de Audenor
Tinha vindo de Vitória
Para matar Aurélio
E chegou fora de hora
Tava fazendo a barba
Quando soube da história

CXXXIII

O velho nesta hora disse
Morreste cabra da peste
Morreu porque matou
Pagaste o que tu fizeste
José Pereira só matou
Porque nada lhe disseste

CXXXIV

Isto era para mim
Já estou no fim da idade
Zé Pereira se fechou
Não havia necessidade
Ele sendo um rapaz novo
Privar sua liberdade

CXXXV

O velho na mesma hora
Com lágrima seu rosto banhou
Eu queria era vingar
Só a morte de Audenor
Magino naquele inocente
Quem sem motivo se acabou

CXXXVI

O que Deus faz é em feito
Ninguém pode desmanchar
O que faz aqui na terra
Aqui mesmo vai pagar
No Céu não existe briga
Para ninguém vingar

CXXXVII

Disse o velho contrariado
Só sinto da morte de Adauto
Matasse ao menos o Aurélio
O outro foi um assalto
Queria só o Aurélio
Não tinha raiva do Adauto

CXXXVIII

Aquele era bom morrer
Aquele tal de Aurélio
Aquele era bom ser plantado
No meio do cemitério
Ele indo para o inferno
É somente o que eu quero

CXXXIX

Malvado matou meu filho
Não havia precisão
Um ente daquela forma
Não merece a salvação
Mercê no outro mundo
Ainda faz confusão

CXL

Zé Pereira errou
Ter matado um inocente
Ter feito tamanho crime
No meio de tanta gente
Adauto nora no céu
Junto com Deus Onipotente

CXLI

Adauto era um rapaz bom
Não devia ter morrido
Zé Pereira indignado
Já se achava sem sentido
Foi só este o motivo
De todo o acontecido

CXLII

José Pereira foi preso
Depois foi excluído
Matou um tão inocente
Por não tá no seu sentido
Só a morte de Aurélio
Não ficou arrependido

CXLII

José Pereira está preso
Dizem que vive bem
Sabe que Aurélio morreu
E não mata mais ninguém
José Pereira trabalha
Não pede nada a ninguém


Referência
FONTINELE, José Gomes (Cafuringa). História verídica de Aldenor, Aurélio e Adalto e a prisão de Zé Pereira (cordel). Sem data.
Nota: quanto à grafia, o autor usa as duas formas Aldenor/Audenor e Adalto/Adauto. Seguimos o autor.

Um comentário:

"Quando se sonha só, é apenas um sonho, mas quando se sonha com muitos, já é realidade. A utopia partilhada é a mola da história."
DOM HÉLDER CÂMARA


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