terça-feira, 4 de fevereiro de 2020

ANEDOTÁRIO DE EMÍLIO DE MENEZES

Foi no verão de 1914. Na casa do Comendador X, realizava-se grande baile comemorativo ao aniversário de sua filha.
Numa roda de intelectuais, prendia a atenção, com seus chistes e trocadilhos, Emílio de Menezes.
Eis que se aproxima uma senhora, toda donairosa, e, entre mil perguntas pueris, dirige-se ao grande boêmio: Sr. Emílio! Sabe quais são os encantos da mulher?
– “Sei-os”, minha senhora. p.117


Certa vez, encontraram-se Emílio de Menezes e Teixeira Mendes, que era o chefe da religião positivista. Depois de muito conversarem, Teixeira, ao despedir-se, falou:
– Até à vista, Emílio. Eu agora vou para o apostolado.
– E eu vou para o “lado oposto” – retorquiu Emílio. p. 117


F. alcançara, muito moço, uma cadeira de deputado; com fama de grande talento, muito dele se esperava. Passam-se, porém, os anos e F., já maduro, vegeta na mais rasa das mediocridades.
Referindo à carreira do “raté”, Emílio diz:
– Este sujeito tem um brilhante futuro atrás de si... p. 114


Certa vez, S., um poeta sem estro, apareceu a Emílio, na confeitaria, sentou-se, e disse:
– Escrevi ontem dois sonetos. Hoje burilei um deles. Aqui está. Vou ler e você me dirá a sua impressão. Amanhã trarei o outro.
Leu com ênfase, martelando as tônicas, sob silêncio. Ao cabo inquiriu, triunfante:
– Que tal?
Muito calmo, cofiando os longos bigodes, Emílio redarguiu:
– Gosto mais do outro... p. 115-116


Tornara-se indesejável a permanência de certo figurão no cargo de ministro, e, entretanto, não pedia exoneração...
Era assim comentado na roda de amigos de Emílio de Menezes:
– É uma injustiça combate-lo pois é um estadista insigne!...
Emílio aproveitou a deixa para trocadilhar:
– É um “insigne... ficante!” p. 116-117


A passo tardo, andava o poeta pela Avenida, matutando talvez sobre algum “capítulo” orçamentário, quando dele se abeirou um dos mordedores da espécie “gentil” que por ali faziam ponto.
– Amigo Emílio, como vai a bizarria? Você me dá a palavrinha?
– Pois não; mas anda depressa, que tenho necessidade de chegar cedo em casa.
O mordedor gentil, honrando a espécie, entrou a “dedilhar” o fraque negro do poeta, sacudindo com arte as partículas de poeira que lhe descobri no fato.
Avistando um fiapo, com os dedos em tenaz, lançou-o ao solo enquanto dava o bote:
– Estou, meu caro Emílio, numa prontidão única! Arranja-me aí uns dez mil réis..
O poeta, após o natural sobressalto, protestou:
– Dez mil réis?!...
E, apontando a gola do casado:
– Põe já o fiapo no lugar. p. 112


O sr. Elói Pontes em “A vida exuberante de Olavo Bilac”, narra-nos estas:
Fala-se, na roda, de críticos. Alguém alude a José Veríssimo, para dizer:
– O Zé Veríssimo trata os novos com tamanha má vontade!
Emílio comenta, de pronto, com mordacidade:
– É. O Zé Veríssimo é um crítico que furta no peso... p. 110


Falava-se do diplomatas, da vida que levam na Europa certos “gros bonets” da diplomacia, sem fazer nada em bem do país que representam.
– Alguns fazem literatura... diz um do grupo; e citou nomes.
– E ainda assim, observa Emílio, quando se metem a fazer literatura é como o Graça Aranha, fazem “mal às artes”.
Graça Aranha acabava de representar em Paris a sua tão discutida peça “Malazarte”. p. 111


Fomos buscar no sr. Leôncio Correia em seu livro “A boêmia do meu tempo”, várias pilhérias de Emílio, que reproduzimos a seguir:
Sherlock Holmes morreu, anuncia o boêmio, desolado. Ao bater à porta do céu, são Pedro recusou-se a recebê-lo. Insistências. Negativas. Enfim o astuto detetive venceu a resistência do santo chaveiro.
– Você entra, dizia este; mas só ficará aqui, sob uma condição.
– Qual?
– Descobrir o pai Adão, que, em vão, há séculos, procuro.
– Está feito.
E diante de ambos, espíritos materializados começaram a desfilar durante horas, dias, semanas, meses... Sherlock já desesperava de fixar-se na morada dos bem-aventurados.
– Eis o homem que procurais! Exclamou, num transporte de júbilo, apontando um barbaças de andar trôpego.
– És o pai Adão?
– Em carne e osso, meu bom santo.
– E por que você o conheceu? Indaga, meio aturdido, São Pedro, ao inigualável polícia:
– Porque é o único que não tem umbigo! p. 1108


Entre as figuras de relevo que serviam de alvo habitual à sátira impiedosa de Emílio de Menezes, estava Capistrano de Abreu, historiador ilustre, sábio respeitadíssimo, em torno do qual se criara uma glosadíssima lenda de desleixo, de abandono próprio, e, mesmo, falta de higiene. Utilizando essa versão popular, contava o poeta:
– Uma vez, o Capistrano mandou à tinturaria, para ser lavado, um terno com que andava há doze anos. Uma semana depois, apareceu-lhe à porta um empregado da tinturaria, e entrega-lhe um embrulho pequenino, que lhe cabia na mão.
E como lhe perguntavam o que seria, Emílio concluía, invariável:
– Eram os botões, menino! A roupa, de puída e velha, havia se dissolvido n’água. p.106


Uma tarde, estava Emílio de Menezes à porta da confeitaria Pascoal, em companhia de um amigo, quando passou pela calçada, arrogante, charuto ao queixo, um cavalheiro de alta representação, conhecido na cidade pela sua aversão ao pagamento das dívidas. Ferido pela soberba do tipo, Emílio voltou-se para o companheiro, perguntando-lhe, à queima-roupa:
– Em que se parece aquele sujeito com um botão?
O outro não atinou com a chave do enigma, e ele completou, perverso:
– É que ele também não paga a casa em que mora... p. 106


MENEZES, Raimundo de. Emílio de Menezes, o último boêmio. Rio de Janeiro: Saraiva, 1949.

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