No verde, verde
medo, entre ciladas
e nos cipós ardentes das queimadas
enforca-se o uirapuru
na clave de seu canto.
Longe,
no arco da preamar
a proa
seta
investe contra o eterno...
Na canoa bubuiando acorda o anjo.
Erguem-se asas no ar...
O além aninha-se nas velas.
Pálpebras de penas
gaivotas
olhar do canoeiro.
Pelas margens sentenciadas
o ronco de tratores esmagando
gerações atônitas, safras, sóis do meio-dia...
Amazônia! Amazônia!
A destroçada árvore de lendas.
A desmatada agenda de cereais.
O desmentido estandarte de minérios.
Outrora era Tupã lento ensinando
Jesus Menino a nadar entre as iaras.
agora o capital acumulando
a latifúndia razão
a primitiva
a concentrada estação da mais-valia.
E a desvalia do homem, atroz, desadorado
em relatórios, cifrões, mercadorias,
– adeuses presos em cárceres de calos –
Expulso de suas terras,
no ingênuo rio gêmeo de estrelas com essas noites.
Rio que já não corre puro em meus poemas
coroado de espumas, mururés.
Rio, pão líquido, trigal de escamas,
que alimentou de lendas o poemário
– piracema de ânsias, sílabas, espumas.
Rio agora de águas humilhadas,
com incessante rumor de morte às cabeceiras.
Rio ex-metafísico a correr entre os humanos
barrancos comprimidos da descrença.
Rio que naveguei no útero de tábuas,
da vigilenga, em busca do mistério.
Rio, paisagem ágil, andor, horizontal bandeira,
de meu reino de infância destronada.
Como é difícil falar do eu-profundo
quando canoeiros se perdem das águas
que se querem de todos, preamar;
como é difícil falar da forma pura,
quando o futuro mineral da terra
com sementes de chumbo se semeia,
entre horizontes de moedas delinquentes;
como é difícil falar do belo-belo
se há camponeses sangrando, mortes cruzes,
cemitérios, hortos na estatística,
cova e propriedade...
É hora em que o relógio das marés se desgoverna
e punhaladas buscam látex, minério
no coração de colonos.
A terra já não sabe quem nela trabalha,
pois, muito menos que flores, verdes, pão e safra,
é documento, é salário,
é subordinação do trabalho ao capital.
E morre o homem
no olhar agônico mundiante da boiúna,
enquanto, nos ouvidos do silêncio,
a solidão é uma notícia muda...
LOUREIRO, João de Jesus Paes. Obras reunidas (vol. 1). Rio de Janeiro: Escrituras, 2000. p. 101-103
Foto: jornal A Crítica
Excelente! Infelizmente, um texto ainda terrivelmente atual.
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