sexta-feira, 9 de outubro de 2020

DOIS POEMAS DE ERNESTO PENAFORT

DO POETA E SEUS ELEMENTOS

 

O poeta é um território

em permanente degredo.

o poeta, por incrível,

sente frio e sente medo.

o poeta é um promontório,

além da mão como um dedo.

(sendo a mão somente a palma

o dedo é um prolongamento

como o é do corpo sua alma.)

o poeta é um território

limitado por si mesmo.

se às vezes, por ilusório,

parece que anda a esmo,

é exatamente ao inverso:

o poeta é um promontório

procurando mais um verso

para urdir o seu poema,

(que absurda tessitura!)

instaurando no universo

a nação que anda à procura. p. 45


DA DOR MAIOR

 

líquida é esta noite

em que te encontras distante.

líquida, também,

é esta vontade minha

de te ter nos  braços

e amar com toda a força

   da minha existência de homem.

 

belo seria

o momento em que pudesse

de um só golpe sorver-te

mesmo através dos poros

deste corpo que pulsa por ti.

 

o cântico dos cânticos

não é mais belo que tu.

e cantar-te, nesta hora,

é para mim o privilégio

que dilata meu coração,

que pulsa por tua vontade,

 

líquida é esta noite

em que também me umedeço,

orvalhecendo-me por ti,

como se fosse o produto

de um céu sem deuses,

como se fosse o único astro

de um firmamento fechado.  p. 109-110

 

PENAFORT, Ernesto. A medida do azul. Manaus: Edições do Governo do Estado do Amazonas, 1982.

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