segunda-feira, 15 de fevereiro de 2021

JORGE TUFIC: Guardanapos pintados com vinho


32

 

Foi bom te ler, poeta

já que temos em comum a salada de alface,

a lua do bosque particular,

e o que mais?

Posto que, depois da infância,

da juventude e dos barrancos,

só restaram borrões,

esse filme que às vezes nos faz rir

quase nunca chorar.

 

As lágrimas drenam.

São rios parados,

fragas polindo o mar.

 

33

 

Perdoem se

nada traduzo

nem deixo gravado.

Pois tudo me agarra

e me puxa

evitando esse abismo.

 

Então me distraio

diante de algumas sobras

que inflamam a quietude dos zéfiros,

detonam

meus sapatos de areia.

 

34

 

Até que venha outro dia

lavado como se

lava

uma peça de açougue,

nada mudará

por quem o testemunha.

 

55

 

Algumas coisas

chegam

tarde demais.

O tempo é a

Nossa ausência.

 

63

 

Se meu coração

é fenício,

minha letra

é o sol

no talhe das

palmeiras.

 

84

 

Faz poesia o

chinelo deixado nas

ruínas do

alpendre.

 

Faz poesia o

tanque da

casa entregue aos

ermos.

 

Faz poesia o

balanço que

embala a

saudade.

 

Faz poesia o

graveto

no meio da

coivara.

 

Faz poesia o

anjo de

costas para a

galáxia.

 

Faz poesia o

menino que

inventa os sons

da palavra.

 

Faz poesia o

copo no

sono das

moscas.

 

Eu não faço

poesia.

 

88

 

Cantei amor

contei os dias,

busquei entre

absurdos o

algarismos das

cisternas.

Cercado por

tantos algozes

alinha-se

-avulso- o

hexagrama do

nojo.

 

91

 

Nestes remansos

urbanos

fotografo os

telhados.

Vésperos gatos

demarcam soli/

tudes.

 

 

TUFIC, Jorge. Guardanapos pintados com vinho. Fortaleza: Realce Editora e Indústria Gráfica, 2008.

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"Quando se sonha só, é apenas um sonho, mas quando se sonha com muitos, já é realidade. A utopia partilhada é a mola da história."
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