quarta-feira, 5 de maio de 2021

GETÚLIO VARGAS: Discurso do Rio Amazonas

(Discurso pronunciado no “Ideal Club” de Manáos, agradecendo o banquete oferecido pelo interventor [Álvaro Maia] e pelas classes conservadoras do estado, a 9 de outubro de 1940)


SUMÁRIO

O Vale do Amazonas nas visões do espírito jovem — A conquista da terra, o domínio da água, a sujeição da floresta — O rio-mar, para os brasileiros, medida da grandeza do país; os problemas amazônicos, em síntese, os de todo o Brasil — O que, até agora, se tem feito empíricamente deve transformar-se em exploração racional — O grande inimigo do povo amazonense, o espaço imenso despovoado, requer nova cruzada desbravadora — Concentração técnica e disciplinada para tornar útil, socialmente, o esforço humano — Terra do futuro, vale da promissão, na vida do Brasil de amanhã — Plácido de Castro e Rio Branco — Far-se-á o ingresso definitivo do Amazonas no corpo econômico da Nação — A reunião das nações irmãs vizinhas para assentar as bases de convênio em que se ajustem os interesses comuns — Contemplação e realidade — Ao homem moderno está interdito o esforço sem finalidade — Responsabilidade a que não é possível fugir.

 

Senhores:

Ver a Amazônia é um desejo de coração na mocidade de todos os brasileiros.

Com os primeiros conhecimentos da Pátria maior, êste vale maravilhoso aparece ao espírito jovem, simbolizando a grandeza territorial, a feracidade inegualável, os fenômenos peculiares à vida primitiva e à luta pela existência em tôda a sua pitoresca e perigosa extensão. É natural que uma imagem tão forte e dramática da natureza brasileira seduza e povoe as imaginações moças, prolongando-se em duradouras ressonâncias pela existência em fora, através dos estudos dos sábios, das impressões dos viajantes e dos artistas, igualmente presos aos seus múltiplos e indizíveis encantamentos.

As lendas da Amazônia mergulham raízes profundas na alma da raça, e a sua história, feita de heroismo e viril audácia, reflete a majestade trágica dos prélios travados contra o destino. Conquistar a terra, dominar a água, sujeitar a floresta, foram as nossas tarefas. E, nessa luta, que já se estende por séculos, vamos obtendo vitória sobre vitória. A cidade de Manaus não é a menor delas. Outras muitas nos reserva a constância do esforço e a persistente coragem de realizar.

Do mesmo modo que a imagem do rio-mar é para os brasileiros a medida da grandeza do Brasil, os vossos problemas são, em síntese, os de todo o país. Necessitais adensar o povoamento, acrescer o rendimento das culturas, aparelhar os transportes.

Até agora o clima caluniado impediu que de outras regiões com excesso demográfico viessem os contingentes humanos de que carece a Amazônia. Vulgarizou-se a noção, hoje desautorizada, de que as terras equatoriais são impróprias à civilização. Os fatos e as conquistas da técnica provam o contrário e mostram, com o nosso próprio exemplo, como é possível, às margens do grande rio, implantar uma civilização única e peculiar, rica de elementos vitais e apta a crescer e prosperar.

Apenas – é necessário dizê-lo corajosamente – tudo quanto se tem feito, seja agricultura ou indústria extrativa, constitue realização empírica e precisa transformar-se em exploração racional. O que a Natureza oferece é uma dádiva magnífica a exigir o trato e o cultivo da mão do homem.

Da colonização esparsa, ao sabor de interêsses eventuais, consumidora de energias com escasso aproveitamento, devemos passar à concentração e fixação do potencial humano. A coragem empreendedora e a resistência do homem brasileiro já se revelaram admiravelmente, nas “entradas e bandeiras do ouro negro e da castanha”, que consumiram tantas vidas preciosas. Com elementos de tamanha valia, não mais perdidos na floresta, mas concentrados e metodicamente localizados, será possível, por certo, retomar a cruzada desbravadora e vencer, pouco a pouco, o grande inimigo do progresso amazonense, que é o espaço imenso e despovoado.

É tempo de cuidarmos, com sentido permanente, do povoamento amazônico. Nos aspectos atuais o seu quadro ainda é o da dispersão. O nordestino, com o seu instinto de pioneiro, embrenhou-se pela floresta, abrindo trilhas de penetração e talhando a seringueira silvestre para deslocar-se logo, segundo as exigências da própria atividade nômade. E ao seu lado, em contacto apenas superficial com êsse gênero de vida, permaneceram os naturais à margem dos rios, com a sua atividade limitada à caça, à pesca e à lavoura de vazante para consumo doméstico. Já não podem constituir por si sós êsses homens de resistência indobrável e de indomável coragem, como nos tempos heróicos da nossa integração territorial, sob o comando de PLÁCIDO DE CASTRO e a proteção diplomática de RIO BRANCO; os elementos capitais do progresso da terra, numa hora em que o esfôrço humano, para ser socialmente útil, precisa concentrar-se técnica e disciplinadamente. O nomadismo do seringueiro e a instabilidade econômica dos povoadores ribeirinhos devem dar lugar a núcleos de cultura agrária, onde o colono nacional, recebendo gratuitamente a terra, desbravada, saneada e loteada, se fixe e estabeleça a família com saúde e confôrto.

O empolgante movimento de reconstrução nacional consubstanciado no advento do regime de 10 de Novembro não podia esquecer-vos, porque sois a terra do futuro, o vale da promissão na vida do Brasil de amanhã. O vosso ingresso definitivo no corpo econômico da Nação, como fator de prosperidade e de energia criadora, vai ser feito sem demora.

Vim para ver e observar, de perto, as condições de realização do plano de reerguimento da Amazônia. Todo o Brasil tem os olhos voltados para o Norte, com o desejo patriótico de auxiliar o surto do seu desenvolvimento. E não somente os brasileiros; também estrangeiros, técnicos e homens de negócio, virão colaborar nessa obra, aplicando-lhe a sua experiência e os seus capitais, com o objetivo de aumentar o comércio e as indústrias e não, como acontecia antes, visando formar latifúndios e absorver a posse da terra, que legitimamente pertence ao caboclo brrasileiro.

O vosso govêrno, tendo à frente o interventor ALVARO MAIA, homem de lúcida inteligência e devotado amor à terra natal, há de aproveitar a oportunidade para reerguer o Estado e preparar os alicerces da sua prosperidade.

O período conturbado que o mundo atravessa exige de todos os brasileiros grandes sacrifícios. Sei que estais prontos a concorrer com o vosso quinhão de esfôrço, com a vossa admirável audácia de desbravadores, para a obra de reconstrução iniciada. Não vos faltará o apoio do Govêrno Central para qualquer empreendimento que beneficie a coletividade.

Nada nos deterá nesta arrancada que é, no século XX, a mais alta tarefa do homem civilizado: conquistar e dominar os vales das grandes torrentes equatoriais, transformando a sua fôrça cega e a sua fertilidade extraordinária em energia disciplinada. O Amazonas, sob o impulso fecundo da nossa vontade e do nosso trabalho, deixará de ser, afinal, um simples capítulo da história da terra e, equiparado aos outros grandes rios, tornar-se-á um capítulo da história da civilização.

As águas do Amazonas são continentais. Antes de chegarem ao oceano, arrastam no seu leito degelos dos Andes, águas quentes da planície central e correntes encachoeiradas das serranias do Norte. É, portanto, um rio tipicamente americano, pela extensão da sua bacia hidrográfica e pela origem das suas nascentes e caudatários, provindos de várias nações vizinhas. E, assim, obedecendo ao seu próprio signo de confraternização, aqui poderemos reunir essas nações irmãs para deliberar e assentar as bases de um convênio em que se ajustem os interêsses comuns e se mostre, mais uma vez como dignificante exemplo, o espírito de solidariedade que preside as relações dos povos americanos, sempre prontos à cooperação e ao entendimento pacífico.

Senhores:

O acolhimento afetuoso que tenho encontrado entre vós não só me toca o  coração, porque já vos sabia leais e  hospitaleiros, como fortalece, ainda mais, o meu sentimento de brasilidade.

Passou a época em que substituíamos pelo fácil deslumbramento, repleto de imagens ricas e metáforas preciosas, o estudo objetivo da realidade. Ao homem moderno, está interdita a contemplação, o esfôrço sem finalidade. E a nós, povo jovem, impõe-se a enorme responsabilidade de civilizar e povoar milhões de quilômetros quadrados. Aqui, na extremidade setentrional do território pátrio, sentindo essa riqueza potencial imensa, que atrai cobiças e desperta apetites de absorvição, cresce a impressão dessa responsabilidade a que não é possível fugir nem iludir.

Sois brasileiros e aos brasileiros cumpre ter conciência dos seus deveres nesta hora que vai definir os nossos destinos de Nação. E, por isso, concito-vos a ter fé e a trabalhar confiantes e resolutos pelo engrandecimento da Pátria.

 

VARGAS, Getúlio. Discurso do rio Amazonas. Revista Brasileira de Geografia. Abril-Junho de 1942. Vol. 4, Nº 2. p. 259-262

*Foto: Getúlio Vargas nas escadas do Palácio Rio Negro em Manaus no dia 09 de outubro de 1940 (Foto: Acervo CPDOC/FGV) in https://amazoniareal.com.br/amazonia-80-anos-antes/

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