Viver,
vivi.
E sobrevivi até hoje.
Mas eis a encruzilhada,
e já passei por tantas!
E cada uma é como a única
e a mais cruel, a mais sangrenta,
a maior de todas elas – a fatal.
Agora é pra valer!
As outras foram experimentos
do jogo da vida.
Acabou o jogo, acabou o sonho
e todas as fantasias pueris.
O fruto está maduro
(se houver fruto)
e a colheita não negará o seu sabor real:
o que se planta, colhe-se. É a lei.
Enquanto isso, mergulho na dor e
na aventura de continuar sendo
apesar de tudo. Porque
além de mim e dos caminhos cruzados
existe luz
que inflama os desejos
e conduz para a saída X. p. 9
IMAGENS DO RIO
Sou um barco
parado num porto qualquer.
E as águas que passam sob mim
não me levam
também não me tragam
apenas vão me machucando levemente
cada dia um pouco mais
apenas vão me lavando docemente
cada dia um pouco mais
até que eu fique liso, limpo
não de pureza,
mas de vazio, de solidão.
Inútil
como um barco parado.
Sou um rio
que passa sob um barco parado.
E minha força é pouca
tão pouca que não consegue
pelo menos
balançar esse barco
nem ao menos
manchar o seu casco de barro.
Sou um rio limpo
puro e sereno
como água de rio
que passa sob um barco
sem deixar marcas.
Sou a ponte
sobre o rio de barco parado.
E só me aproximo das águas
Quando elas se alvoroçam amedrontadas
e chegam até mim
depois de já terem engolido o barco.
Só assim tomo consciência
de sua existência
– quando me atacam!
E só assim também
tomo consciência
de sua existência
– quando sou atacada
diretamente!
Sou a ponte parada
sobre o rio de barco morto.
Mesmo que eu quisesse
não seria possível me aquietar.
Aqui onde estou,
nessa prancha sobre as águas,
as ondas me levam.
E quanto mais eu quero me segurar
ficar duro, rijo
mais elas me arrastam
para onde não quero ir.
Melhor mesmo é encontrar um remo
remar remar remar
Assim pelo menos
Posso tentar encontrar um caminho
Ou então me afogar de vez. p. 18-19
BUBUIA
Se a vida não me exigisse tanto
eu queria viver só de rede e bubuia.
Amar, olhar o céu, as estrelas
vadiar...
sururucar muito...
Sentir o cheiro da mata e correr pelos campos
no meio do roçado: milho, macaxeira, bananeiras.
Descer o subir o rio
pelo simples prazer de viajar
sentindo o vento leve nos cabelos.
Ou então
andar pelas pedras e sentir o peso
das cachoeiras dos saltos de Corumbá
e de Itiquira. p. 70
DINIZ, Keilah. Viver, vivi. Brasília: Ed. Especial, 1996.
Gostei de ler!!!
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