sexta-feira, 8 de outubro de 2021

BAHIRA E SEU FILHO PREGUIÇOSO

Bahira tinha um filho muito preguiçoso. Já era casado e não queria trabalhar. Não fazia sequer flechas. Por isso, um dia foi pedir algumas do pai. Bahira negou-lhe as flechas, dizendo-lhe que fosse fazê-las. O filho disse que não ia. E exigiu que o pai lhe desse flechas. Bahira não deu. O filho, zangado, deu-lhe uma surra com um maço de flechas, partindo-as, depois. Bahira apanhou e não disse nada. Sem o filho ver emendou as flechas e o arco. Foi ao porto, atirou uma flecha n’água e a transformou em canoa. Chamou a mulher e foi embora com ela para muito longe. Várias luas de viagens. Quando o filho preguiçoso procurou o pai não o encontrou. Vendo as crianças chorando de fome, chamou a mulher e disse-lhe que esperasse ali, pois ia à procura dos pais. Remou várias luas e, por fim, uma manhã, ouviu um barulho de água. Era uma cachoeira e lá encontrou a casa dos pais. A mãe o recebeu bem. Fez que se sentasse e foi buscar pupunhas, cará, mamão, beiju. O filho comeu, comeu. Os pais perguntaram-lhe pela família. Respondeu que a deixara mas iria buscá-la. Voltaria no dia seguinte. E saiu. Chegando em casa contou à mulher e aos filhos o que vira [...] remou, remou várias luas. Chegaram e foram logo saltando, mas, em vez de casa, encontraram uma tapera. O preguiçoso ficou zangado, deixou sua gente ali e foi atrás dos pais. Remou, remou. Ouviu o barulho de água de uma cachoeira e viu uma roça grande na beira de um barranco. A mãe o recebeu bem, deu-lhe cará, batata, milho, mel, banana e beijus. E perguntou pela família. O filho disse-lhe que a deixara numa tapera. Perguntou ao pai porque se mudara. O pai disse-lhe que a terra não prestava mais. Tinha muita formiga. O filho disse-lhe que iria buscar a mulher e os filhos. Chegando em casa contou tudo à mulher. Pôs sua gente na canoa e remou muitas luas, até o barulho das águas numa cachoeira. Mas, nem viu uma roça grande, nem viu uma casa nova. O que encontrou foi uma tapera. Deixou a família e foi à procura de seus pais. Remou, remou muitas luas. Ouviu o barulho de água de cachoeira, viu uma roça grande. Ali moravam seus pais. A velha o recebeu com batatas, pupunhas, cará, bananas e milho. A mãe perguntou-lhe pela família. Ele a deixara numa casa velha. O filho preguiçoso perguntou porque os pais haviam mudado novamente. Bahira mentiu: passarinhos, papagaio, periquito, veado, formiga tinham dado na roça. Agora – disse o filho – vou buscar minha gente. Contou tudo a mulher e, pondo-a, com as crianças, na canoa, embarcou. Remou, remou muitas luas. E, por fim, só encontrou uma tapera e uma cachoeira igual às outras. Pôs a família em terra e ficou pensando: porque eu dei no meu pai ele está zangado. Deixou a família ali, e como era pagé, mergulhou no rio à procura dos pais. Mas só encontrou peixes, cobras, areia e pedra e gente que se afogara. Subiu ao céu. E ali só encontrou, no meio das nuvens, o Sol, a Lua, as estrelas. Não encontrou nem pai nem mãe. Voltou para casa muito triste. E chorou e a família dele também chorou, mas nunca mais viram Bahira e a mulher.


PEREIRA, Nunes. Bahira e suas Experiências. In: PINHEIRO, Harald Sá Peixoto. Mitopoética dos Muyraquitãs, Porandubas e Moronguetás: ensaios de antropologia estética e etnologia Amazônica. São Paulo: Alexa Cultural; Manaus: Edua, 2021. p. 163-164

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