ANICCA
A qualquer momento
a vida pode se perder
as
certezas podem se desfazer
o
amor pode acabar
A qualquer momento
o
pai pode partir
o
filho silenciar
o
amigo seguir
A qualquer momento
o
que era certo
o
que era fixo
o
que era belo
– Tudo pode acabar
A qualquer momento do dia
A qualquer momento da noite
um
sonho morre
um
coração se quebra
uma
promessa se desfaz
A qualquer momento
num
instante
um
homem salta no vazio
uma
mulher descobre-se sozinha
uma
jovem sonha-se cinderela
A qualquer momento
um
botão
uma
flor
:
pétalas ao vento
A qualquer momento
uma
borboleta
um
gafanhoto
um
pequeno inseto
:
caem no ardil da aranha
A qualquer momento
uma
ilha desaparece sob as águas
um
barco naufraga
um
trem não chega à estação
A qualquer momento
uma
estrela explode
um
cometa salta da escuridão
um
terremoto
– Tudo: um hiato --- lapso de tempo
A qualquer momento
o
tempo chega
o
corpo fenece
a
esperança falta
a
cortina cai
A qualquer momento
A qualquer momento
do
dia
da
noite
da
vida
Tudo pode acabar
Tudo pode ruir
Tudo pode perder-se
o
amor
os
sonhos
a
ambição
as
certezas
Tudo
Tudo
A qualquer momento
Pode não ser
A qualquer momento
tudo
tudo
tudo pode recomeçar
TELLES, Tenório. Prelúdio Coral. Manaus:
Editora valer, 2020. p. 108-115
SOLO DISSONANTE
vou ao mundo
laborar
os dias
apascentar
os ventos
respigar
os frutos
vou ao texto
aprender
as senhas
as
veredas do sertão
a
fulguração das estrelas
a travessia do mundo------enigma impressentido
desse barco entrevisto
nas entrelinhas dos teus versos
sou
marujo
sou
tripulante de ulisses
sou
capitão de longo curso
navegante dessas águas
conheço os arquipélagos
os
cabos as enseadas
do
teu verbo liquefeito
nesse mar------------------céu presentificado
conheci
o promontório
onde cantavam as sereias
conheci a ilha
onde crusoé
fundou seu reino
conheci os portos
fenícios
seus piratas e aventureiros
voltei ao porto em que
menino
te vi ao partir
e
me acenaste
com lencinho azul
fui ao mundo: nesse grande mar
me
perdi me encontrei
nessas
águas
contigo
naveguei
nossas
falas
nossos
cantos
espumas
o
d s
n a
inscrevi
teu nome nessa
página
líquida
pressenti talvez
a cura
nessa
morte
impressentida
nessa
dor
nessa
transparência
que
prefigura
o
ser
o
sendo
TELLES, Tenório. Prelúdio Coral. Manaus:
Editora valer, 2020. p. 35-37
BUSCA
Navegante de mim mesmo:
– mar inconsútil de lembranças
do
que fui
do
que poderia ter sido
:
desse sendo que sou
Tudo o que perdi:
os
sonhos da infância
o
pai que não chegou ao porto
as
primeiras dores
a
descoberta da vida
a
descoberta da morte
os seres lendários das matas
os encantados do rio
os amores que não se cumpriram
as flores que não se abriram
os poemas, os livros que sonhei
a esperança que não floresceu
os amigos que partiram
[– Tantas promessas perdidas:]
O que não fui e perdi
renasceu no que sou
– matéria do meu canto
– flores do meu jardim
Sou essas pedras
essas
flores caídas
esses
sonhos inconclusos
esses
amores partidos
esses
poemas sem voz
esses
livros sem história
Sou esse mar e seus náufragos
esse
céu sem estrelas
esse
deserto florido.
TELLES, Tenório. Canção da esperança &
outros poemas. 3ª ed. Manaus: Editora valer, 2020. p. 53-61
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"Quando se sonha só, é apenas um sonho, mas quando se sonha com muitos, já é realidade. A utopia partilhada é a mola da história."
DOM HÉLDER CÂMARA
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