Mady Benzecry (1933-2003)
E ASSIM,
NO SÉTIMO DIA,
DEUS CRIOU
O CÉU,
A TERRA
E A BAHIA.
CLAMOU O SENHOR:
Que caia no mar
o reino de Iemanjá.
E na terra,
um pedaço de céu bem brasileiro
aonde habitarão
em suas mansões de ouro e cantaria
meus enviados
2 – E que haja um santo protetor
para cada habitante da Bahia.
BAHIA DE TODOS OS SANTOS
CIDADE DE SALVADOR!
E MAIS CLAMOU O SENHOR:
3 – Agitada por lutas e conquistas,
que seja heroica a sua história
e glorioso o povo de Salvador;
pois sobre a Terra de Santa Cruz
ávidos repousarão os olhos da ambição:
4 – Cobiçada será
por sua riqueza,
invejada há de ser
por sua beleza
e escravizado será seu povo
pelos grandes senhores que a dominarão.
MALDIÇÃO!
Para os estranhos pés que a calcarem!
E para as mãos infiéis que a profanarem
MALDIÇÃO!
E MAIS CLAMOU O SENHOR:
6 – Que mar igual não haja
inigualáveis
sejam suas praias e dunas e coqueiros.
Que não se faça mais cor em outras plagas
nem melhor peixe para os pescadores,
nem melhor brisa para os jangadeiros.
7 – E que desça Caymi do meu reino,
levando um entardecer, um banco e um violão
e para ele se faça Abaeté,
Amaralina, Rio Vermelho, Itapoã,
e que Caymi me faça adormecer
ouvindo aqui do céu sua canção.
E PROSSEGUIU O SENHOR:
8 – Que a noite seja do samba
e o dia da capoeira.
Que as mais faceiras mulatas
ao estremecer de pandeiros,
de berimbaus e violas,
usando sandálias douradas
colares e batas rendadas,
imitem peixes do mar
bamboleando as cadeiras.
9 – E que vá Ary Barroso
à rampa do Pelourinho
e ao som de mil cavaquinhos
abafe no mundo inteiro
com “A baixa do sapateiro”
bem informando ao Além
“O que que a bahiana tem...”
E MAIS CLAMOU O SENHOR:
10 – Preciso de um escrivão.
Que seja homem de letras
além de ser gente “bem”.
Alguém que esteja por dentro
do “modus vivendi” do povo,
que siga “Os pastores da noite”,
que faça farra com Oxum,
que pegue santo em batuques,
que tome pinga com Ogum.
11 – Alguém que abrande Iemanjá
em noites de tempestades,
que vibre com atabaques,
que farte a mesa de Exu,
que seja Ogã de terreiro
no reino dos candomblés.
Um escrivão? Ah! Já sei...
SARAVÁ JORGE AMADO!
SARAVÁ MEU IRMÃO!
E PROSSEGUIU O SENHOR:
12 – Para cevar este povo
não pode ser com o “maná”,
envio minha preta Eva
(não Eva mulher de Adão,
mas Eva mãe de um negão
mais forte que Oxumaré)
Chamei-a Eva porque
seu leite materno é de coco,
seu sangue, azeite de dendê.
13 – Que chame-se “Estrela do Mar”
à sua casa de pasto
e seja Maria São Pedro,
(que deve ser qualquer coisa
pra Pedro meu bom porteiro)
aquela que deve ocupar
da minha Eva o lugar.
14 – E mandem-me a preta de volta,
meus anjos irmão buscar
pois já no céu ninguém passa
sem seu efun-oguedê,
quibebe, acarajé,
efó, caruru, abará.
Perdoa, minha preta velha,
tão boa! Mas teu lugar,
não é na terra é no céu,
pra minha mesa fartar.
E CONCLUIU O SENHOR:
Daremos cor à Bahia.
15 – Que acham do azul do céu,
das nuances do entardecer,
das pálidas madrugadas,
do branco-prata da lua,
do límpido alvorecer?
Toda essa policromia,
é fria para a Bahia?
16 – Vejamos a cor da flor,
dos mornos raios de sol
num cálido meio-dia.
(Mais quente, somente o sangue
do negro ou da Gabriela...)
“Gabriela cravo e canela”,
já li o livro, ela é fogo!
(afiançou-me o escrivão)
Gabriela! Até que enfim,
achei a cor que queria!
Vá lá, mestre Carybé,
capaz só você seria;
arranque do fogo as tintas,
do diabo empreste os pinceis,
esboce o “que” desta gente,
pincele o dengo bahiano
e dê a cor À Bahia.
E fé, mestre Carybé!
(Perdoa-lhe Santa Maria)
Somente com muita fé!
E assim,
NO SÉTIMO DIA,
DEUS CRIOU
O CÉU,
A TERRA
E A BAHIA...
E viu Deus tudo o que fez e eis
que era muito bom. E foi tarde
e foi manhã do sétimo dia.
(GÊNESIS)
BENZECRY, Madi B.,. Sarandalhas (poemas). Rio
de Janeiro: Editora Pongetti, 1967. p. 9-19
* Mady Benoliel Benzecry, artista plástica e poeta amazonense. Nascida em 1933, em Manaus, Mady radicou-se, aos 30 anos, no Rio de Janeiro, onde faleceu, em 2003. Era casada com o entalhador pernambucano Eugênio Carlos de Almeida Barbosa. Seu primeiro livro foi "De todos os crepúsculos", publicado em 1964.
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