O REGATÃO (BUFARINHEIRO)
(a
Paschoal Carlos Magno)
ALEIVANTA A POITA
E ARRIA AS AMARRA!
Manhãzinha chega.
Café com farinha d’água,
banana, café, mandioca,
cachaça pra arrematar,
na ceia, piramutaba,
o mandii, o surubim,
e a rede na proa armada
pru caboclo cochilar.
O toqueiro na viola
Sob a tolda cantarola:
O periantã me disse,
que as enchente vai chegá,
se eles num mente, espera
que eu vô enchê a igarité
de capoeira de criação,
de frasqueira de cachaça,
vô pô bilha, cobertô,
pinico, rede e jabá
prus padre da roça grande
nus benze e ajuntá.
E como um cavalo brabo,
botando fogo nas ventas,
o bufarinheiro, bufa,
empina-se, arfa e guina
trotando as águas barrentas.
E o toqueiro na viola,
sob a tolda cantarola:
Eu vô arrancá um oio
de boto pra tu botá
pru cima do teu pescoço
prus ôio grande afastá...
Muié casada num deve
a meia noite saí,
o boto vermeio anda
cantando pra elas ouví.
Arrepara os pé desse macho
que canta pra te encantá,
é rabo de peixe, é o boto
que veio te enfeitiçá.
Menina pruque tu foi
nos igarapé te lavá?
Cumpade cun candirú
tua fia tem de casá
E o bufarinheiro bufa
em meio da cerração,
relincha como um cavalo
sem rédea e sem bridão.
Em dia de calmaria,
é como um cavalo manso
pastando aos raios de sol;
e quando a noite aparece,
por onde quer que ele siga,
o Rio é a sua rua,
a lua é o seu farol. p. 71-73
O FUNERAL DE FRANCISCO SANTOS VALADÃO DE MOURA
REIS
(Xácara única e derradeira)
A Jorge Amado
Trebentino Falcão Neto,
filho de Trebentino Falcão
Filho e neto de Trebentino
Falcão,
herdou (por herança do avô)
5 cabeças de boi,
7 porcos, 11 patas,
3 gordass vacas leiteiras,
1 casa e um terreno
com 200 seringueiras.
Desde então,
Trebentino Falcão Neto,
Tornou-se na região
às margens do Rio Purús
“São Luiz de Mamuriá”,
coronel, seringalista,
doutor, juiz, conselheiro
e até bom capelão.
Em todos os seringais
vizinhos, corria a fama
do cabra Francisco Santos
Valadão de Moura Reis,
vulgo “Chico Peixeira”
que viera do sertão
nordestino e se dizia
contra-parente direto
do temível Lampião.
Há muitos meses não havia
gingado ou arrastapé,
que não findasse “cun as briga
desse cabra por muié,
e o Coroner Trebentino
arresorveu acaba
cun a arruaça de Chico
aperparando uma festa
no seu próprio seringar.
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DOMINGO
(à boca da noite)
Arrastapé na sala
principar do seringar
Do coroner
TREBENTINO FALCÃO NETO
É puribida as entrada
sem camisa.
As muié pode vim cumu
quizé.
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No dia da dita cuja,
da Boca do Acre, Tefé,
Rio Branco e Manocoré,
chegavam igarités,
gaiolas, barcos, ubás,
e em uma delas Rosinha
Limadura de Alenquer,
que era a favorita
da casa do “Coroner”.
Aluá e cachacinha
correu e se iniciou
a festança com viola,
carimbó, flauta e corneta
e até, “magine” um pandeiro!
mas a música estancou
quando na sala apontou
“o tar do Chico Peixeiro”
Marido pegô nos braço
das muié, as mães das fías,
mas Francisco Valadão
foi direto na Rosinha
(logo do seu Coronér
Trebentino Falcão Neto!)
“Minha Nossa Senhora dos Seringar!
Foi horrive, pois um home
magrinho que nem cipó,
disse assim pru Coroner:
Deixa qui eu cuido dele,
minha muié tem 10 filho,
dos 10, um ele fez,
ardepois, seu Coroner,
já matei 10, e mais um
num faz diferença não
nas ponta do meu facão.”
E avançando pru cabra,
numa facada certeira,
enfiou até o cabo
no bucho do Chico Peixeira.
“E o cadavre, teu Trebentino?
bota lá no tendar
com 4 velas em vorta.
No tendar de secá pirarucu, Coroner?
Então home? Te avia,
que a festa vai continua
e só finda lá pras 6,
agora é pra festeja
a festa dos funerar
do cabra Francisco Santos
Valadão de Moura Reis. p. 74-78
BENZECRY, Madi B.,. Sarandalhas (poemas). Rio de
Janeiro: Editora Pongetti, 1967.
*Mady Benoliel Benzecry, Artista plástica e poeta amazonense. Nascida em 1933, em Manaus, Mady radicou-se, aos 30 anos, no Rio de Janeiro, onde faleceu, em 2003. Era casada com o artista pernambucano Eugênio Carlos de Almeida Barbosa.