Isaac Melo
O romancista não é um historiador nem profeta, assevera Milan Kundera, ele é um explorador da existência. É assim que se apresenta José Inácio Filho, um explarador da existência do homem seringueiro em seu Capiongo. Publicado em 1968, no Rio de Janeiro, Capiongo – Romance da Amazônia Acreana é o único romance de José Inácio Filho. Integra a lista dos poucos romances editados fora do estado, num momento de escassas publicações romanescas na literatura acreana.
Na ordem cronológica das obras do autor, Capiongo é seu segundo livro. A estreia foi com Fatos, Cultos e Lendas do Acre, que veio a termo em 1964, composto por 27 narrativas, que vão desde a descrição de algumas lendas regionais a relatos de alguns animais e aves que povoam o imaginário popular pelo seu caráter supersticioso. Termos e Tradições Populares do Acre, de 1969, uma espécie de dicionário que congrega palavras e expressões típicas do Acre, encerrou a trilogia de livros com temáticas acreanas do autor.
José Inácio Filho reside atualmente no Ceará, onde é membro da Associação Cearense de Escritores. Lançou em Junho de 2009, no Centro Dragão do Mar de Arte e Cultura de Fortaleza, o livro de poesia "Canta Musa meus Versus e Rimas", obra que se abre num universo mágico de muitos personagens lendários e de diversas culturas, como Iracema, Uirapuru e o Boto Encantado, etc. Além desses livros, José Inácio escreveu: O bb e eu (RJ, 1975) e Vocabulário de termos populares do Ceará (CE, 2001).
O enredo de Capiongo se desenrola assim: Timbaúba, ou seu Timba como é chamado, é um experiente seringueiro respeitado por todos, muito estimado pelas crianças e que, apesar da idade, ainda desperta a admiração das mulheres. É casado com dona Guarabira, que morre de parto ao conceber seu único filho, Capiongo, cujo nome empresta a esse livro.
Sozinho o velho Timba se casa novamente, agora com dona Bebé das Brecas, esta desde a morte de Guarabira passou a morar com ele, e tomou para si os cuidados para com Capiongo, a quem estima e zela como filho. Capiongo, o filho tristonho das selvas, é como que uma repetição do pai num mundo sem grandes perspectivas e fadado a uma existência afogado na selva. Um dia Capiongo recebe a notícia da morte de seus pais afogados no rio. Agora é o seu drama a desenrolar-se. Tem a vida e os ensinamentos do velho Timba para garantir-lhe a sobrevivência na selva selvaggia.
Capiongo é um romance com características bem diferentes daqueles que comumente tenho me deparado. A maior parte dos diálogos é, paradoxalmente, intimista, isto é, de si para si. E porque não dizer uma obra filosófica, já que discorre a maior parte, não conceitualmente, sobre o sentido da existência humana, onde a luta física travada pelas personagens contra o próprio corpo pode ser entendido como a luta da vida frente às constantes situações de morte. Há certa dose de melancolia na narrativa, mas tão somente devido à melancolia da selva, fruto da monotonia de paisagens, sons e cores.
Há, no romance, um linguajar bem característico do acreano interiorano, com palavras como: mucumbu (anca, traseiro); tibungadas (pular n’água); casco (pequena embarcação feita do tronco de árvores); cangapé (estrepolia, pular); caicos (peixe pequeno); espinhel (instrumento utilizado para pesca atado de vários anzóis); coivara (galhos que não foram de todo queimados em um roçado). E expressões como “espinho que pinica de pequeno já trás a ponta”. São essas peculiaridades que faz com que Capiongo, embora razoavelmente pequeno, mereça figurar entre as obras de relevância literária para nossa história.
É mais uma obra que enriquece nossas letras, de um devotado acreano de Brasiléia, gerado desse chão, dessas águas e dessas matas e que encontrou na própria vida o enredo para muitos das alegrias e dramas de seus personagens. Com seu pequeno romance José Inácio Filho nos colocou frente a frente com um dos maiores e mais intrigantes dramas do ser humano, a morte. Todavia, só está passível de morte aquele a quem foi dado a vida. Esta, longa ou breve, útil ou medíocre, uma vez realidade, não há como negar ou anular seu existir. Escreveu a sua linha no compêndio inacabável do universo.
Sempre com excelentes dicas de leitura :)
ResponderExcluirTem um selo pra você no meu blog.. Pediram pra indicar 3 blogs de qualidade, e o seu foi um dos meus escolhidos :D
[]s
Concordo com Denise.Isaac parabens.Tenho lido esporadicamente este espaço magico de um acreanismo digno.universal.
ResponderExcluirQuase nada escrevi alem de coisas existenciais universais paradigmatizadas no Acre. José Inácio Filho prova que nossas escolhas folcloricas estão ligadas às regiões da memória do autor. Em termos vemos as raizes do culto da Ayahuasca, Daime, surgida nas fronteiras Brasil/Bolivia/Peru.Esta obra de José Inácio comprovou a veracidade de que as origens, do Culto fundado por Mestre Irineu Serra,estão na Brasileia de 1920 a 1930. O Circulo Regeneração e Fé, liderados pelos Irmãos Antonio Costa e André Costa, Ecletino Lins e outros.Muita semelhança com os primordios do Centro Espirita Beneficente União do Vegetal, fundado pelo Mestre José Gabriel da Costa, em 22 de Junho de 1961.Cultura da Ayahuasca:
Raizes constitutivas do Povo Acreano.
Clodomir Monteiro.