Isaac Melo
A leitura de Coronel de Barranco é como abrir um álbum para o qual se é transportado a cada imagem que surge tamanha a precisão na descrição das cenas e personagens, sem cair no rigorismo da técnica e sem negligenciar o olhar poético. O romance, nas palavras acertadas de Mário da Silva Brito, é um documento que reconstitui e disseca por meio de trama densa e estruturada, meio século do passado amazônico.
Cláudio de Araújo Lima publicou Coronel de Barranco em 1970. Nascido em 1908, em Manaus, Araújo Lima era além de exímio romancista, tradutor e ensaísta, médico psiquiatra. Seu pai, J. F. Araújo Lima, havia sido também um importante homem de letras no Amazonas, sendo ainda médico, sociólogo e prefeito de Manaus. Em 1924, ao envolver-se na revolta contra Bernardes, Cláudio de Araújo Lima foi preso e deportado para o Acre, onde permaneceu homiziado num seringal do Alto-Purus. Com as experiências em que conheceu, objetivamente, o problema da forma da exploração da borracha, juntamente com suas reminiscências no Amazonas e das histórias contadas por seu pai é que Araújo Lima fará de Coronel de Barranco uma obra singular.
O livro se compõe de três partes: I As sementes, II As árvores e III As cinzas. A primeira relata como as sementes foram surrupiadas da Amazônia pelo inglês Wickham e levadas para Londres, onde em estufas brotaram e foram transplantadas para os seringais do Oriente. A segunda faz uma descrição do auge do ciclo da borracha, acentuando a figura do coronel Cipriano, Matias Albuquerque e a vida nos seringais. Na última, o autor se detém na descrição da crise da borracha, na decadência dos seringais e no efeito sobre os principais centros urbanos, além do desfecho final das personagens.
O romance abarca um período que vai de 1876 a 1926. Descreve, nas palavras de Mário Brito, a evasão da hevea brasiliensis, surrupiada pelos ingleses com a nossa complacência, o apogeu do que se chamou civilização da borracha, e, em seguida, o seu declínio, provocado pelo cultivo racional da maravilhosa planta em terras orientais.
A personagem central é Matias Albuquerque que faz uma narrativa de reminiscências a começar em 1876 quando o inglês Henry A. Wickham chega à Amazônia com o pseudo-objetivo de realizar pesquisas. No momento, Matias consta 18 anos, recém saído da capital, onde estudou, em colégio interno, por sete anos, para morar com o tio (Amâncio) num seringal, no Alto-Amazonas. Por ser o único que entende um pouco de inglês Matias é designado por seu tio a acompanhar o inglês Wickham, a quem acolhera em seu seringal. O inglês começa a reunir amostras de plantas, insetos, animais e sementes, dentre estas, as sementes de seringueiras, sem que ninguém entenda o porquê de sua fascinação por tudo aquilo.
Quando chega o Vapor Amazon, da empresa Inman Line Steamship-Liverpool To Alto-Amazonas, Wickham apressadamente reúne tudo o que retirou da floresta e armazena no vapor. Ali, escondidas e surrupiadas por Wickham, estão mais de 70 mil sementes de seringueiras, das quais mais de 7 mil irão brotar no Jardim Botânico de Kew Garden de Londres e depois serão enviadas para o plantio ordenado em Singapura e Malásia. Os anos de prosperidade e esbanjamento na Amazônia estariam contados. Matias parte juntamente com Wickham para Londres depois de uma tragédia ocorrido no seringal de seu tio.
Com a produção dos primeiros pneumáticos, em 1888, pelo engenheiro escocês John Boyd Dunlop, a Amazônia, sobretudo Manaus e Belém, os dois centros principais da civilização da borrracha, se deslumbravam ante o crescimento assombroso dos preços da borracha e gozavam progressos nunca imaginados numa época que entrou para a história como belle époque.
Enquanto os seringalistas, milionários a esbanjar fortunas em pensões de Manaus e Belém, a beber champanha e finos licores franceses, ou a comer caviar e latarias europeias em plena selva, os ingleses, pelas mãos do Dr. Trimem, diretor do Jardim Botânico de Parandenyva, em Malaca, no ano de 1885 realizava o primeiro corte das serigueiras.
Depois de quase 30 anos na Europa Matias retorna ao Brasil e deseja fazer uma nova experiência em algum seringal amazônico. Um amigo o apresenta a um seringalista do Acre, Coronel Cipriano Maria da Conceição, dono do seringal “Fé em Deus”, que havia ascendido de seringueiro a patrão. Araújo Lima se utiliza do Coronel Cipriano como uma síntese de todos os coronéis de barranco daquela época. Homens, na sua maioria, rudes, gananciosos, esbanjadores, autoritários, mas, no fundo, capazes ainda de atos de bondade. E assim, permite também uma descrição dos “desvalidos e tantas vezes beribéricos seringueiros, mansos ou brabos, impedidos de organizar famílias, proibidos de caçar, plantar e pescar, forçados a efetuar todos os seus suprimentos no armazém do patrão”, a preços exorbitantes, realizando aquilo que Euclides da Cunha um dia disse: “na Amazônia o homem trabalha para escravizar-se”.
Matias foi “cúmplice” sem saber de Wickham no roubo das sementes da seringueira. Ele conhecia os seringais do Oriente, e do iminente perigo que corria a borracha brasileira. E vivia comentando essa possibilidade para com o coronel Cipriano, que incrédulo, pilheriava dizendo que era besteira de gringo, pois a nossa borracha era a melhor e insuperável.
Quando chega o ano de 1914 a borracha produzida no Oriente supera a brasileira, espalhando desespero aos quatro cantos da Amazônia. É o início da decadência da borracha que coincidiu também com a deflagração da Primeira Grande Guerra. A borracha brasileira perde valor e, drasticamente, a produção diminui, sendo que em 1916 a nossa produção não passava de 36 mil toneladas contra 150 mil da Oriental. O declínio do coronel Cipriano, preso e condenado por matar a ex-amante que havia fugido com o homem de confiança de seu seringal, serve como uma metáfora para resumir a própria crise da borracha.
Coronel de Barranco persiste como uma das páginas mais instigantes da literatura amazônica e que se preza como denúncia e advertência. Uma fotografia borrada pelas mãos esfaimadas do tempo, de um período de contrastes e confrontos, de coronéis e bordéis, um tempo em que dinheiro também se prestava a boas baforadas...
É meu amigo. Inglês só é lord em filme.
ResponderExcluirDa mesma forma temos hoje "coronéis Ciprianos em relação a Raposa serra do sol.
abraço
fiquei facinado nas tão poucas e sabias palavras que li ,confesso que já li livros tão facinante mais igual aos romance e poemas do seu blog ja mais.
ResponderExcluircomo faço para adquire este livro seria possivel envia-lo....
fiquei facinado nas tão poucas e sabias palavras que li ,confesso que já li livros tão facinante mais igual aos romance e poemas do seu blog ja mais.
ResponderExcluircomo faço para adquire este livro seria possivel envia-lo....
Oi Isaac, o Brasil é tão largo, tão rico, que mesmo quando espoliados, nos recuperamos.
ResponderExcluirAbraço
Inês
O livro Coronel de Barranco, retrata muito bem a fase aúrea da Borracha. Mostrando o Estado do Acre, que foi um dos principais produtores de latex. A história do Acre fica aqui granvada e arquivada. Pena que nem todos se interessam pela história da nossa querida Amazônia, de norte a sul. Ainda hoje, vemos estrangeiros querendo roubar o que é nosso. Nossa terra, cultura, riqueza, que é a nossa floresta imensuravel.
ResponderExcluirExcelente abordagem sôbre essa obra fantástica dos coroneis-de-barranco e o ciclo da borracha. Parabens meu caro Isaac!
ResponderExcluirSamuel Castiel Jr.