segunda-feira, 6 de junho de 2011

"ACRI" - José Alves dos Santos


As mariposas enlaçam seus pares,
Nas luzes enevoadas do ambiente,
As musas perfilam-se montadas por garrafas, copos
e mulheres,
A cerveja soa e ri dos copos secos.

O canto do poeta confunde-se com o palavreado
das ninfas,
E as risadas barulhentas dos seguidores de baco,
Lá fora os natívagos rolam e enlambuzam-se na
lama fétida
do Altiplano papouquiano,
é madrugada.

A república está inquieta,
Os tempos de glória: tomada de Xapuri e Puerto Alonso
Afloram no cérebro dos revolucionários de 24 de
janeiro,
Na pessoa dos netos e bisnetos...
Num brinde uníssono entre: brabos, arigós, índios,
caboclos,
paulistas, paranaenses, bolivianos, peruanos,
ingleses, americanos e
peões dantinianos.

A orquestra na batuta do mestre Pedrinho da Estação.
Zezinho no saco, compadrinho no banjo, Lona no
controle do som,
Empina Jó na bateria e Roberto Roberto cantanto,
Segura o ritmo do velho Biriba – O Saloon do
Inferno Verde,
Do pulmão do mundo, da hiléia dos coronéis de
barranco.

De repente – A orquestra pára – silêncio...
Uma voz anuncia: Tenemos uma buena notícia:
“Anália, nesse instante, acaba de aportar na
beira do Rio Acre –
Local denominado: Praia Copabase e trouxe de Belém e
Manaus,
No Benjamin, uma encomenda do Coronel Raimundo
Sargento de 100 putas”.
Tumulto geral: Homem largando homem, a velha Deodora,
A única feminista do baile – fica desconsolada,
Há um corre-corre em busca das mulheres:
Uns vão de burro, uns de canoa, uns de chata, outros
de ônibus,
Outros de regatão e nosotros de Boeing.

A notícia chega aos ouvidos de Galvez,
Que nessa hora estava reunido com o Chico Doido,
Prefeito respectivamente de Penápolis e Rio Branco,
Hablando sobre a ponte de cima e ponte de baixo,
Que ligaria o Alto Purus ao Alto Juruá,
E outros projetos como a transamazônica, a
perimetral norte,
O projeto Jari, o Projeto Carajás, a Mono-Grande-
Pecuária
E a construção do Teatro Amazonas. – A reunião é
Suspensa –
Galvez ordena ao comandante que reuna todos os homens,
O policiamento vai butar orde no local, os políticos,
as autoridades municipais, civis, militares e
eclesiásticas são convidadas –
Todos foram acolher a comitiva da Anália.

A grande festa foi marcada para o Dia Nacional de
Devastação e Desertificação da Amazônia,
Todo dia naves espaciais multicoloridas descem no
aeroporto,
Internacional com convidados da F.M.I., BIRD, BM
BANCO DA AMAZÔNIA,
E representantes do Banco dos Seringueiros,
castanheiros,
Madeireiros e outros eiros da Amazônia legal,

A festa está prestes a começar,
O Biriba vai renascer imponente e sagrado,
Uma salva de tiros de espingarda – quebra o silêncio,

“Let’s Go Everybody to play, to dancy, to drink
and to love with peace and without war”.
Depois discursos de putas, putos e prostitutos,
A festança começou.

O inesperado acontece: os bolivianos cercam o
Papouco.
E representantes
Imediatamente as oligarquias, os coronéis de
barranco,
E representantes do Bolivan Syndicate – Reagem:
“lutar até morrer”.
O fogo está cerrado – o Biriba vira trincheira,
A aflição aumenta, todos temem morrer – quem dos
leitores não teme?
O padre Pedro reza, pede aos Deuses que
ressuscitem os revolucionários de 24 e se
esconde no quarto da Anália,
A seringueirada, os índios e os peões entram na
linha de frente da batalha,
Galvez e Plácido reunem-se com as oligarquias e
coronéis de barranco no Palácio Central,
O clarão das bombas atômicas e das bombas de
neutrons,
Alumiam toda a cidade – substituindo a eletrovela,
Há muito choro,
Mães aflitas,
Corpos ensanguentados rolam barranco abaixo,
Manchando as águas barrentas da praia do Papouco.

Mas, no meio do conflito – o Chiquinho do tambor,
A Maria do saco plástico e a mulata da praça – cantam
em coro
As músicas do Da Costa: OH! Rapaz... Essa mulher do

Papo-uco...
Um garoto passa no fogo cerrado, gritando: Gooolll
do Flamengo
Gooolll do Zico, Goooooooooooollllllllllllllllll.

Nem tudo está perdido:
Eis que surge na canoa – Barão do Rio Branco –
Itamaraty & Cia,
O cumpadre Zezinho que num gesto heróico, puxa do
saco plástico um baita crucifixo e grita: Viva a
república independente do Papouco,
Viva o Papouco.

O Vate tava tomando umas e outras
Junto com Castro Alves, Homero, Byron, Dante
Virgílio, Shakespeare, Goethe, Whitman, Ênio Vinicio,
Danielle e Hélio Melo – assistiu tudo boquiaberto –
Pagou o débito,
Dormiu,
Pela manhã foi trabalhar de peão para os donos do
Aquiry,
Lá no seringal Desengano, colocação Vai-Quem-Quer.

A festa já terminava,
Quando os repórteres chegavam: Fotos, Fatos,
Manchetes.
The End.

Só isso.


---

Nota: Poema retirado do livro “Algumas Poesias Acreanas” (Recife: Editora Massangana, 1982), publicado pelo Serviço Social do Comércio do Acre, em parceria com a Fundação Joaquim Nabuco e Fundação Cultural do Acre. O poema é belíssimo e mostra a versatilidade do poeta, o jogo de imagens e metáforas, entrelaçados por um senso crítico e domínio da história acreana. Assim, se utiliza, com maestria, dos elementos históricos do passado para construir-denunciar a história do presente. Enfim, uma pequena obra-prima, que não pode passar despercebida ante nossos olhos. José Alves dos Santos, segundo nos foi informado, é atualmente delegado da Polícia Civil em Rio Branco, sendo um dos mais respeitados pelo seu trabalho, prestado com seriedade e ética, além de ser conhecido pela sua preocupação com o social.

Imagem: História Multimídia de Xapuri.

Nenhum comentário:

Postar um comentário

"Quando se sonha só, é apenas um sonho, mas quando se sonha com muitos, já é realidade. A utopia partilhada é a mola da história."
DOM HÉLDER CÂMARA


Outros contatos poderão ser feitos por:
almaacreana@gmail.com