quinta-feira, 2 de junho de 2011

AS PALAVRAS FAZEM HISTÓRIAS DE VIDA

Profª. Luísa Galvão Lessa


O texto fala de palavras que contam histórias, pois a vida se constrói por meio das palavras, não há outra forma. Por isso mesmo alguém já disse que há palavras que nos atrapalham e outras que nos ajudam a viver. A escritora Clarice Lispector certa vez disse: "Mas você sabe que a pessoa pode encalhar numa palavra e perder anos de vida?"

E como seria isso possível, alguém encalhar numa palavra? Seria mais ou menos assim: a pessoa segue a vida como se estivesse dentro de um barquinho e, repentinamente, encalha numa palavra. Pode ser qualquer palavra: espírito, pai, trabalho, medo, paixão, aposentadoria, inconformismo, esperança, grandeza, alma, ferida, dor, ladrão, fome... Algumas palavras são paralisantes. O Brasil, por exemplo, já encalhou na febre amarela, na ditadura, na censura, na inflação. Agora está encalhado no desemprego, na corrupção, no subdesenvolvimento, na má política educacional, má saúde, falta de trabalho, muita fome.

Percebe-se, então, dos exemplos aqui postos, que com essa forma de se plantarem na nossa vida, as palavras alimentam-nos e nos matam, são remédio e veneno, iguais aos produtos de uma farmácia, são drogas que matam ou curam. De sorte que é uma questão de alquimia verbal saber administrá-las. E Aurélio Buarque, o farmacêutico de plantão, aconselha: “temos que dar oportunidade às palavras”. Quer dizer: elas não podem ficar por aí desprezadas no amorfo dicionário, têm de ser desfrutadas, expor-se à luz do nosso prazer, no uso de nossas vidas.

Como saber quais palavras paralisam ou constroem nossas vidas? É um exercício simples:: com um lápis e um papel a gente anota as palavras que paralisaram ou fizeram nossa vida avançar — palavras-coisas, palavras-pessoas. Depois, a gente analise como superá-las, vencê-las. Ao fazer isso a pessoa estará saindo das dificuldades, é um caminho, uma sugestão nessa luta da vida com as palavras.

Vê-se, então, que as palavras são espelhos d’alma. Elas traduzem os momentos de felicidade ou infelicidade de nossas vidas. Elas participam do nosso viver: encalham, reencalham, desencalham, são paralisantes, plantam-se na nossa alma, alimentam-nos, fuzilam-nos, são remédio e veneno, drogas para matar e para curar, não podem ser desprezadas, têm que ser desfrutadas, enfim, são palavras-coisas, palavras-pessoas.

Assim, esse dinamismo das palavras está relacionado à multiplicidade de sentidos que elas podem adquirir em função dos diferentes contextos e situações de uso. A essa multiplicidade de sentidos, chamamos de polissemia. Certas palavras têm uma história tão interessante que vale a pena contá-las; elas são parte da própria história e nos ajudam a entender melhor o mundo em que vivemos e o mundo do qual viemos. Deleitemos-nos, pois, com essas palavras que contam histórias.

A palavra escravo serve para que tenhamos uma visão mais ampla do problema da escravidão, muitas vezes situada apenas em termos da escravidão negra. Faz-se necessário entender que a escravidão era uma prática plenamente aceita, assim como a guerra e o saque, em tempos bem mais cruéis que os atuais. A escravidão primordial, que se estendeu por toda a Antigüidade, era basicamente uma escravidão de homens brancos, o que é cabalmente demonstrado pelo fato de a palavra escravo ser oriunda de sclavu(m) que, por sua vez, provém de slavu(m), que significava eslavo, um povo que vivia nas fronteiras do Império Romano e era freqüentemente capturado para servir de escravo. Daí a evolução do significado da palavra para o significado que permanece até hoje.

A palavra amor tinha originalmente um sentido passivo, indicando a qualidade de ser amado; será a influência germânica, com sua sociedade que valorizava bem mais as mulheres do que a sociedade romana, que transformará o sentido da palavra amor em ativo, indicando o sentimento de amar.

Finalizando o artigo, diz-se que o verdadeiro valor das palavras não se encontra no fato de elas serem ditas por lábios belos, com suavidade, gentileza e eloqüência, mas quando elas são proferidas com sabedoria, sobre uma verdade, e ditadas pelo coração daquele que fala.

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* LUÍSA GALVÃO LESSA é Pós-Doutora em Lexicologia e Lexicografia pela Université de Montreal, Canadá; Doutora em Língua Portuguesa pela Universidade Federal do Rio de Janeiro; Mestra em Letras pela Universidade Federal Fluminense. Ocupa a cadeira de número 34 da Academia Acreana de Letras. É colunista do Jornal A Gazeta (Acre) e do Site Gosto de Ler.

Um comentário:

"Quando se sonha só, é apenas um sonho, mas quando se sonha com muitos, já é realidade. A utopia partilhada é a mola da história."
DOM HÉLDER CÂMARA


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