José Augusto de Castro e Costa*
A história do Acre é, na verdade, uma das mais belas, sobretudo por revestir-se de questões surpreendentemente belicosas, provenientes de enredos e solucionadas pela participação ativa de irmãos brasileiros, inspirados por suas aguerridas presenças de espírito, ressaltando-se, não apenas, o Barão de Rio Branco, Embaixador Assis Brasil e José Plácido de Castro, mas inúmeros outros. De salientar, sobremaneira, o empenho contundente, inteligente e (aqui cabe dizer) “salvador da pátria”, exercido pelo brasileiro Alexandre de Gusmão, conhecedor profundo da geografia do Brasil e seus problemas, que, com sagaz perspicácia, inseriu o “uti possedetis” no Tratado de Madri, e no Tratado de Limites, de 1750. Secretário do Conselho Ultramarinho, Alexandre de Gusmão exercia, ainda, atividades de conselheiro íntimo do rei D. João V, o que o credenciava a negociar pactos relativos a bases de limites territoriais e elementos soberanos de Suas Majestades da Espanha e de Portugal, na metade do século XVIII.
Entretanto, cento e cinquenta anos após, essas questões de estruturação histórico-política do Tratado de Madri, adormeciam ignotas, na mente sul-americana de brasileiros e bolivianos, como se estivessem ocultadas pela espessura da floresta amazônica.
Mapa dos limites do Brasil pelo Tratado de Ayacucho. Fonte: Revista Brasileira de Geografia, 1990, pág. 15. Acervo Digital do Memorial dos Autonomistas. Blog da Flaviana Coimbra |
Enquanto isso, os bolivianos iniciando a jornada de ocupação do Acre, atingem a bacia do rio Madeira, sob o comando do General Pando, que viria a ser Presidente da Bolívia, anos depois.
As autoridades bolivianas, então, autorizam a demarcação de limites, na parte compreendida entre o Madeira e o Javarí, salientando que “esta nascente está, para todos os efeitos, na demarcação entre Brasil e Bolivia”. Acontece, porém, que em outra demarcação realizada pela Comissão de Limites do Ministério do Exterior, a latitude está completamente diferenciada.
Desenvolve-se daí uma confusão generalizada, agravada com o protesto do Peru que julgava-se lesado pela Bolívia, contra a perda de território seu.
A essa altura os Estados Unidos e a Inglaterra estavam interessadíssimos em abrir o rio Amazonas à navegação internacional, sob a influência de uma propaganda que sugeria a abertura do Rei dos Rios, com diziam em seus jornais: Kings of Rivers.
Enquanto grupos de bolivianos encarregavam-se de ocupar os rios Juruá, Iaco e Acre, outros, influenciados e sugestionados pelo imperialismo econômico, dedicavam-se à instituição do organismo internacional que, indubitavelmente não só iria gerir toda a economia regional, como colonizaria parte da soberania do Brasil, apossando-se, “in totum”, de seu principal produto de exportação. Trata-se do “Bolivian Syndicate”, o qual projetava controlar todas as atividades relacionadas ao produto, bem como sua exportação, com o poder econômico e forças terrestres e navais. Constava do contrato com o “Bolivian Syndicate” o equipamento e manutenção de força naval armada, para a defesa dos rios, conservação da ordem interna, com o poder de polícia.
Havia sido nomeado pelo governo boliviano, para exercer o cargo de Delegado Nacional do Governo da Bolívia, Don Juan Francisco Velarde, o mesmo que há poucos anos proferira conferência na Sociedade Geográfica, na presença de D. Pedro II, insinuando a imediata ocupação na região amazônica. Como autoridade boliviana, D. Velarde desloca-se para a região do Alto Acre, a fim de, sobretudo, instalar um posto aduaneiro, para evitar os contrabandos por ali passados. Chegara, então, a Manaus, com o intuito de apresentar seus planos ao governador do Amazonas, na ocasião, o senhor Ramalho Junior, a quem pedira apoio para o plano exposto. Felizmente o governador Ramalho Junior negara assentimento à fundação do posto alfandegário no Acre, pelo fato de não haver recebido, do Governo do Brasil, nenhuma instrução nesse sentido. Em ação concomitante chegara à vila de Xapurí, por via terrestre, uma expedição militar de 30 praças, destinada a dar cobertura ao que propusera-se D. Juan Velarde, informando que a Bolívia havia deliberado fundar uma Delegação Nacional naquele rio.
No Amazonas, a delegação de D. Velarde quedara-se, encantada com a região que, julgavam semelhante a sua, não muito distante dali. Durante a viagem de Belém para Manaus, notavam os bolivianos que, em certas zonas, a perspectiva mudava frequentemente para quem acompanhava com a vista as margens e o desenvolvimento das árvores. De vez em quando distinguiam árvores com manchas brancas no tronco, de um colorido verde claro na folhagem, e que logo eram apontadas como exemplares da famosa seringueira.
Junto das seringueiras era notado um jirau composto de três ou quatro forquilhas e de outras travessas, de cima das quais o seringueiro poderia fazer mais alto as incisões e lá espetar a sua tigelinha para colher a preciosa seiva. A expedição navegava, ainda, pelo Amazonas.
Em Manaus, o desenvolvimento era notório e seus visitantes já lhe previam um futuro grandioso por sua situação privilegiada. Era de saltar à vista o cosmopolitismo da cidade, por seu progresso vertiginoso, por sua arquitetura, por suas obras municipais, por possuir um monopólio comercial e pelo futuro que lhe era reservado.
Toda essa estrutura de benfeitorias, atrativos arquitetônicos, artísticos, culturais, entretenimentos e movimentações sociais, estaria ameaçada a escassear, caso o “Bolivian Syndicate” conseguisse fechar as atividades das Alfândegas de Manaus e de Belém, levando a efeito apenas o desempenho do posto aduaneiro no rio Acre, como aspirava.
Nem por isso deixou-se de ver o declínio do vertiginoso e aprazível auge da exportação da borracha, gerador impulsionante da economia brasileira, no final do século XIX.
Mas, de início, tanto a missão de D. Juan Velarde, em Manaus, quanto a da expedição militar boliviana, em Xapurí, tornaram-se infrutíferas, em decorrência da posição do governador do Amazonas, Ramalho Júnior e respectivamente, da autoridade brasileira sediada no alto rio Acre.
Ressalte-se que, por absoluta ausência de rápidas comunicações, estabelecera-se um embuste de suposições e completo desconhecimento dos fatos. Nem o ministério boliviano no Rio de Janeiro sabia do ocorrido com a Expedição sob o comando de D. Juan Velarde chegada a Manaus, nem esta, por sua vez, nada sabia do que passava-se em Xapurí.
Estava investido no cargo de Ministro Plenipotenciário da Bolívia, Don José Paravicini, conhecido como Diplomata frio, calculista e ambicioso.
Quando soube do fracasso da Expedição em Manaus, respondeu que D. Juan Velarde errara, evidentemente, por excesso de cortesia, pois não deveria aquela autoridade dirigir-se ao governador do Amazonas, por encontrar-se, como achava, em território boliviano, e precisaria exercer sua jurisdição como emanada da soberania da Bolívia. Continuando, diz D. Paravicini em seu expediente que “se houvesse qualquer dificuldade era com o Governo Federal com quem devia entender-se”.
O Itamarati, posteriormente, persuadido pelo plenipotenciário boliviano, resolve aquiescer e telegrafa ao governador do Amazonas, propondo a concordar na instalação do posto aduaneiro à margem do rio Acre e que o Ministério da Fazenda estaria autorizando ordens para que as Alfândegas de Manaus e de Belém recebessem os documentos expedidos por aquele posto, a título de justificativa de mercadorias em trânsito, como pleiteavam os interessados.
De posse do importante trunfo, o Ministro Don Paravicini, exultante, habilita-se para ele mesmo preparar e comandar nova expedição boliviana para ocupar o Acre.
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* José Augusto de Castro e Costa é cronista e poeta acreano. Mora em Brasília e escreve o Blog FELICIDACRE.
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