segunda-feira, 9 de julho de 2012

HISTORIOGRAFIA DAS RELAÇÕES CULTURAIS EURO-ACREANAS

(tradução de texto de aula)
Antonio Alexandre Bispo
(partes, sem notas e bibliografia)

O Acre adquire uma posição especial na história do Brasil, uma vez que o território pertence ao país apenas desde um século (abril de 1904). Ele é a última das regiões incorporadas à nação no decorrer do processo secular de expansão territorial da América de língua portuguesa. Segundo os tratados do tempo colonial (Tratado de Madri, 1750; Tratado de Santo Ildefonso, 1777), a região encontrava-se na parte da América Latina dominada pela Espanha e pertenceu, mais tarde, em parte aos territórios da Bolívia e do Peru (Tratado de Ayacucho, 1867).

No decorrer do século XIX, essa região foi penetrada por homens vindos de outras partes do Brasil através dos rios Madeira, Purús, Juruá, Tarauacá, Iaco, Acre e seus afluentes. Primeiramente, as florestas e os rios dessa região de delimitações inexatas foram exploradas por coletadores, pescadores e caçadores isolados. Entre eles, salientaram-se, entre outros, Francisco Manoel da Cruz e Flores Nicolau José de Oliveira, que alcançaram o Tarauacá já antes de 1847. Em meados do século XIX, as partes inferiores e depois as regiões superiores dos rios foram devassadas por pessoas encarregadas em trazer índios que viviam isolados para as aldeias. Entre 1847 e 1850, o Juruá foi explorado pelos irmãos Christovam e Antonio (ou José) Coelho, assim como pelo peruano Pedro José Sevalho, à procura de ovos de tartaruga e de óleo de copaíba. As atividades econômicas foram desenvolvidas sobretudo por comerciantes de Belém. A primeira exploração do Purús parece ter sido a de João Rodrigues Cametá, que viajou por esse rio em 1852 com objetivo de "pacificar" índios. No mesmo ano, também o Juruá foi corrido por Romão José de Oliveira, outro "pacificador" de índios dessa região. A segunda exploração do Purús foi realizada em nome do Govêrno do Amazonas pelo pernambucano Serafim Salgado, que subiu o rio até a desembocadura do Iaco. Manuel Urbano da Encarnação, de ascendência africana, foi o líder da terceira expedição, realizada em 1861, com o objetivo de encontrar um caminho à Bolívia para a importação de gado. Esse explorador teve a fama de ser aquele que melhor conhecia a região e é visto por alguns estudiosos como o verdadeiro explorador do Purús e descobridor da primeira árvore de caucho dessa região. João da Cunha Corrêa é considerado como sendo o "desbravador do Juruá", um rio pelo qual viajou entre 1857 e 1858. Em 1860, uma grande expedição de 12 barcos, com 100 pessoas, explorou o Juruá e seus afluentes durante nove meses à procura de salsaparilha (Smilax officinalis, Kunth), uma vez que a ocorrência dessa planta já se esgotara na parte inferior dos rios.

Para a ciência, o Acre foi descoberto em 1864/65 por William Chandless, que viajou pelo Purus e pelo Acre sob a égide da Sociedade Geográfica de Londres. Em 1867, explorou o Juruá. Em meados dos anos sessenta já estava encerrada essa primeira fase da investigação geográfica do Purús, do Acre e do Juruá. A partir de 1870, estabeleceu-se uma ligação fluvial regular com Manaus. Após 1872, Antonio Rodrigues Pereira Labre, do Maranhão, ganhou fama de "desbravador" da região dos rios Ituxi ou Iguiri, assim como de seus afluentes. Em fins da década de setenta, iniciou-se a exploração econômica regular das regiões das partes altas dos rios. João Gabriel de Carvalho e Mello, proveniente do Ceará, e que após uma estadia longa no Acre mandou vir a sua família e achegados do Nordeste, é considerado como sendo o pioneiro da "Marcha ao Oeste", que, com a sua "Caravana dos Imigrantes" (1878) iniciou a fase da vinda em massa de nordestinos para a região. Ele é visto como o organizador do primeiro seringal para a exploração econômica do látex, em Anajás, situado na região superior à Boca do Acre. Essa fase pioneira da colonização do Acre foi financiada em parte por um comerciante português acreditado em Belém, Elias José Nunes da Silva, Visconde de Santo Elias. Comerciantes portugueses desempenharam importante papel na história do Acre e tornaram-se muitas vezes proprietários de terrenos com árvores economicamente aproveitáveis.

A corrente imigratória intensificou-se na época da grande sêca no Nordeste, em 1877/78. Os nordestinos vinham para a Amazônia na expectativa de lucros rápidos e de trabalho, em grande parte independente, na coleta de castanhas naturais, sobretudo porém na exploração da borracha, então muito valorizada pela procura nos Estados Unidos e na Europa, esta incrementada no decorrer do desenvolvimento técnico e industrial do século XIX (desenvolvimento do processo de vulcanização em 1839, do automóvel em 1879 e dos pneumáticos em 1890). As ocorrências naturais de árvores de látex concentravam-se sobretudo nas partes altas dos rios da Amazônia, de modo que as regiões do Acre, ainda praticamente sem população, ofereciam as melhores perspectivas de ganho. De acordo com a distribuição natural das árvores, os imigrantes se localizavam em localidades dispersas, as "colocações", ou formavam povoados incipientes nas proximidades das barracas (taperis, mais tarde barracões) às margens dos rios. As condições de trabalho - as árvores encontravam-se espalhadas na floresta - favorecia a disperção dos imigrados e dificultava a formação de centros urbanos. Além do mais, os imigrantes procuravam, na sua maioria, enriquecimento rápido para um retorno tão rápido quanto possível ao Nordeste; não eram, na verdade, colonizadores no sentido próprio do termo.

Em 1887, viviam na região do rio Acre cerca de 10.000 pessoas sem procedência indígena ao lado de cerca de 20.000 índios. Uma nova corrente imigratória foi causada pela seca de 1888 no Nordeste do Brasil. No fim do século, a região do rio Aquiry contava com cerca de 80 seringais, no Purús havia 37 e no Yaco 28. Em 1902, a região do Juruá já teria ao redor de 300 ou 400 seringais. Essa situação gerou conflitos com índios, com bolivianos e peruanos, levando a tentativas de emancipação. Sobretudo a exploração da região da bacia do Juruá foi acompanhada por conflitos violentos entre índios e recém-chegados.

O General Thaumaturgo de Azevedo, que participou como representante do Brasil na comissão mista de demarcação de fronteiras de 1895, à vista da presença brasileira dominante nessa região, empenhou-se pela revisão dos tratados internacionais. A Bolívia criou postos alfandegários, proibiu, em 1899, atividades de contratados brasileiros na região e fundou a cidade de Puerto Alonso no rio Aquiry, onde praticamente apenas viviam brasileiros. Motivo de grande preocupação do lado brasileiro foi um plano boliviano de arrendamento da região do Acre aos Estados Unidos, plano este comunicado às autoridades do Amazonas por um colaborador da delegação diplomática da Bolívia em Belém e que também estava a serviço da Espanha, de nome Luiz Galvez Rodriguez de Arias. Como o Governo central do Brasil reconhecia os direitos da Bolívia, foi organizada uma expedição não-oficial, com a ajuda de empresas amazônicas, na sequência da qual proclamou-se a independência do Estado do Acre, em 14 de julho de 1899, sendo Galvez Rodriguez de Arias proclamado presidente. A situação escalou-se com o arrendamento do território a uma sociedade estrangeira com capitais norte-americanos e ingleses (Bolivian Syndicate).

Um gaúcho de formação militar, José Plácido de Castro, que chegara em 1899 no Acre, tornou-se, em 1902/03 líder de um movimento revolucionário armado dos brasileiros insatisfeitos da região. Para impedir um conflito militar entre o Brasil e a Bolívia, proclamou-se a independência do Estado. Em tratos diplomáticos entre o Brasil - representado pelo Barão do Rio Branco - e a Bolívia, chegou-se ao Tratado de Petrópolis, assinado no dia 17 de novembro de 1903, pelo qual o Acre passou a pertencer ao Brasil. Em 1904, constituiu-se o Território do Acre (lei 1181, de 25 de fevereiro); logo após (decreto 5188, de 7 de abril), o território foi dividido em três Departamentos, governados por prefeitos nomeados pelo Presidente do Brasil: o Alto-Acre (capital Rio Branco), o Alto-Juruá (capital Cruzeiro do Sul) e o Alto-Purús (capital Senna Madureira). Em 1912, o Departamento do Alto-Juruá foi subdividido, surgindo o Departamento do Alto-Tarauacá. Em 1920, criou-se o cargo de Governador de todo o território, também a ser nomeado pelo Presidente.

Os conflitos do Peru foram de diferente natureza daqueles do Acre com a Bolívia, cujas pretensões de posse eram reconhecidas pelo Governo brasileiro. A presença peruana na região do Juruá e do Purus intensificou-se em fins do século XIX, quando peruanos penetraram nas florestas à procura de árvores de caucho. Como essas árvores eram cortadas para que se coletasse o produto, esses peruanos não se fixaram na região. Para a proteção de seus interesses, o Peru enviou tropas militares ao Juruá, em 1902, e ao Purús, em 1903/1904. Houve conflitos com indígenas e com cidadãos brasileiros. Em 1909, assinou-se um pacto de neutralidade para a região do Juruá e do Purús, instalando-se uma comissão mista de demarcação. Euclides da Cunha e o Coronel Belarmino Mendonça representaram o Brasil nas comissões de demarcação; as fronteiras foram estabelecidas pelo tratado de 8 de setembro de 1909.

No início do século XX, o Acre adquiriu um significado extraordinário na economia do Brasil devido à procura internacional de borracha, o que durou até 1911. Era a região onde melhor se multiplicava a Hevea Braziliensis. Esse território chegou a estar em terceiro lugar no volume de exportação, logo após os importantes estados de São Paulo e Minas Gerais. Após 1912, com a repentina queda da procura e da produção da borracha, essa região entrou em decadência crítica por décadas, de forma ainda mais grave do que as demais regiões da Amazônia, o que marcou profundamente a história sócio-econômica e cultural do Acre de grande parte do século XX.

Do ponto de vista eclesiástico, a Prelatura livre do Acre e Purus, pertinente à província eclesiástica de Belém do Pará, foi criada em 1919, sendo entregue a Servitas italianos sob o patrocínio de S. Peregrinus Latiosus (Pellegrino Laziosi) OSM (1265-1345). O serviço pastoral, estruturado gradualmente, baseou-se em quatro centros paroquiais, dos quais se organizava o trabalho no território por meio de missões itinerantes.

Até hoje, o Estado do Acre vive do ponto de vista econômico sobretudo da castanha e da matéria prima da produção da borracha. Desde os anos setenta, procurou-se fomentar investimentos por parte de empreendedores do Sul e Sudeste do Brasil para projetos pecuários, com o apoio da Superintendência do Desenvolvimento da Amazônia. Na parte sudeste, em região de maior população do Estado, latifundiários e empresas adquiriram grandes propriedades, derrubaram as florestas e passaram a usar da terra como pasto. Com esse desenvolvimento, teve início um movimento emigratório crescente de pessoas que até então viviam dos produtos da floresta (coletadores de castanha e de caucho) para a capital Rio Branco e para as regiões da fronteira boliviana, onde hoje vivem cerca de 15.000 famílias de "brasivianos". A Bolívia foi levada a considerar como necessária para a segurança nacional a criação de uma nova unidade do país, administrada militarmente ("Pando"), em área do antigo Departamento El Beni. Como consequência dos graves problemas sociais e ecológicos desse desenvolvimento das últimas décadas, os atingidos - nativos e imigrantes que viviam da floresta - passaram a se organizar em movimentos de resistência, o que chamou a atenção internacional para o Acre. Francisco (Chico) Mendes, de renome internacional sobretudo após o seu assassinato, pleiteava o estabelecimento de reservas florestais naturais para os coletadores, o que, em parte, chegou a ser realizado. A discussão, no presente, não se reduz à procura da forma mais adequada de exploração econômica da floresta; ela é marcada por questões relativas à produção de energia nas regiões de fronteira, ou seja, das ocorrências recentemente descobertas de petróleo e gás na bacia do Juruá, no Amazonas, e à projetada construção de uma represa no rio Madeira.


* Texto originalmente publicado na Revista Brasil-Europa/Correspondência Euro-Brasileira.

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