Antonio Alexandre Bispo
(partes, sem notas e bibliografia)
O Acre adquire uma
posição especial na história do Brasil, uma vez que o território pertence ao
país apenas desde um século (abril de 1904). Ele é a última das regiões
incorporadas à nação no decorrer do processo secular de expansão territorial da
América de língua portuguesa. Segundo os tratados do tempo colonial (Tratado de
Madri, 1750; Tratado de Santo Ildefonso, 1777), a região encontrava-se na parte
da América Latina dominada pela Espanha e pertenceu, mais tarde, em parte aos
territórios da Bolívia e do Peru (Tratado de Ayacucho, 1867).
No decorrer do
século XIX, essa região foi penetrada por homens vindos de outras partes do
Brasil através dos rios Madeira, Purús, Juruá, Tarauacá, Iaco, Acre e seus
afluentes. Primeiramente, as florestas e os rios dessa região de delimitações
inexatas foram exploradas por coletadores, pescadores e caçadores isolados.
Entre eles, salientaram-se, entre outros, Francisco Manoel da Cruz e Flores
Nicolau José de Oliveira, que alcançaram o Tarauacá já antes de 1847. Em meados
do século XIX, as partes inferiores e depois as regiões superiores dos rios
foram devassadas por pessoas encarregadas em trazer índios que viviam isolados
para as aldeias. Entre 1847 e 1850, o Juruá foi explorado pelos irmãos
Christovam e Antonio (ou José) Coelho, assim como pelo peruano Pedro José
Sevalho, à procura de ovos de tartaruga e de óleo de copaíba. As atividades
econômicas foram desenvolvidas sobretudo por comerciantes de Belém. A primeira
exploração do Purús parece ter sido a de João Rodrigues Cametá, que viajou por
esse rio em 1852 com objetivo de "pacificar" índios. No mesmo ano,
também o Juruá foi corrido por Romão José de Oliveira, outro
"pacificador" de índios dessa região. A segunda exploração do Purús
foi realizada em nome do Govêrno do Amazonas pelo pernambucano Serafim Salgado,
que subiu o rio até a desembocadura do Iaco. Manuel Urbano da Encarnação, de
ascendência africana, foi o líder da terceira expedição, realizada em 1861, com
o objetivo de encontrar um caminho à Bolívia para a importação de gado. Esse
explorador teve a fama de ser aquele que melhor conhecia a região e é visto por
alguns estudiosos como o verdadeiro explorador do Purús e descobridor da
primeira árvore de caucho dessa região. João da Cunha Corrêa é considerado como
sendo o "desbravador do Juruá", um rio pelo qual viajou entre 1857 e
1858. Em 1860, uma grande expedição de 12 barcos, com 100 pessoas, explorou o
Juruá e seus afluentes durante nove meses à procura de salsaparilha (Smilax
officinalis, Kunth), uma vez que a ocorrência dessa planta já se esgotara na
parte inferior dos rios.
Para a ciência, o
Acre foi descoberto em 1864/65 por William Chandless, que viajou pelo Purus e
pelo Acre sob a égide da Sociedade Geográfica de Londres. Em 1867, explorou o
Juruá. Em meados dos anos sessenta já estava encerrada essa primeira fase da
investigação geográfica do Purús, do Acre e do Juruá. A partir de 1870,
estabeleceu-se uma ligação fluvial regular com Manaus. Após 1872, Antonio
Rodrigues Pereira Labre, do Maranhão, ganhou fama de "desbravador" da
região dos rios Ituxi ou Iguiri, assim como de seus afluentes. Em fins da
década de setenta, iniciou-se a exploração econômica regular das regiões das
partes altas dos rios. João Gabriel de Carvalho e Mello, proveniente do Ceará,
e que após uma estadia longa no Acre mandou vir a sua família e achegados do
Nordeste, é considerado como sendo o pioneiro da "Marcha ao Oeste",
que, com a sua "Caravana dos Imigrantes" (1878) iniciou a fase da
vinda em massa de nordestinos para a região. Ele é visto como o organizador do
primeiro seringal para a exploração econômica do látex, em Anajás, situado na
região superior à Boca do Acre. Essa fase pioneira da colonização do Acre foi
financiada em parte por um comerciante português acreditado em Belém, Elias
José Nunes da Silva, Visconde de Santo Elias. Comerciantes portugueses
desempenharam importante papel na história do Acre e tornaram-se muitas vezes
proprietários de terrenos com árvores economicamente aproveitáveis.
A corrente
imigratória intensificou-se na época da grande sêca no Nordeste, em 1877/78. Os
nordestinos vinham para a Amazônia na expectativa de lucros rápidos e de
trabalho, em grande parte independente, na coleta de castanhas naturais,
sobretudo porém na exploração da borracha, então muito valorizada pela procura
nos Estados Unidos e na Europa, esta incrementada no decorrer do
desenvolvimento técnico e industrial do século XIX (desenvolvimento do processo
de vulcanização em 1839, do automóvel em 1879 e dos pneumáticos em 1890). As
ocorrências naturais de árvores de látex concentravam-se sobretudo nas partes
altas dos rios da Amazônia, de modo que as regiões do Acre, ainda praticamente
sem população, ofereciam as melhores perspectivas de ganho. De acordo com a
distribuição natural das árvores, os imigrantes se localizavam em localidades
dispersas, as "colocações", ou formavam povoados incipientes nas proximidades
das barracas (taperis, mais tarde barracões) às margens dos rios. As condições
de trabalho - as árvores encontravam-se espalhadas na floresta - favorecia a
disperção dos imigrados e dificultava a formação de centros urbanos. Além do
mais, os imigrantes procuravam, na sua maioria, enriquecimento rápido para um
retorno tão rápido quanto possível ao Nordeste; não eram, na verdade,
colonizadores no sentido próprio do termo.
Em 1887, viviam na
região do rio Acre cerca de 10.000 pessoas sem procedência indígena ao lado de
cerca de 20.000 índios. Uma nova corrente imigratória foi causada pela seca de
1888 no Nordeste do Brasil. No fim do século, a região do rio Aquiry contava
com cerca de 80 seringais, no Purús havia 37 e no Yaco 28. Em 1902, a região do
Juruá já teria ao redor de 300 ou 400 seringais. Essa situação gerou conflitos
com índios, com bolivianos e peruanos, levando a tentativas de emancipação.
Sobretudo a exploração da região da bacia do Juruá foi acompanhada por
conflitos violentos entre índios e recém-chegados.
O General
Thaumaturgo de Azevedo, que participou como representante do Brasil na comissão
mista de demarcação de fronteiras de 1895, à vista da presença brasileira
dominante nessa região, empenhou-se pela revisão dos tratados internacionais. A
Bolívia criou postos alfandegários, proibiu, em 1899, atividades de contratados
brasileiros na região e fundou a cidade de Puerto Alonso no rio Aquiry, onde
praticamente apenas viviam brasileiros. Motivo de grande preocupação do lado
brasileiro foi um plano boliviano de arrendamento da região do Acre aos Estados
Unidos, plano este comunicado às autoridades do Amazonas por um colaborador da
delegação diplomática da Bolívia em Belém e que também estava a serviço da
Espanha, de nome Luiz Galvez Rodriguez de Arias. Como o Governo central do
Brasil reconhecia os direitos da Bolívia, foi organizada uma expedição
não-oficial, com a ajuda de empresas amazônicas, na sequência da qual
proclamou-se a independência do Estado do Acre, em 14 de julho de 1899, sendo
Galvez Rodriguez de Arias proclamado presidente. A situação escalou-se com o
arrendamento do território a uma sociedade estrangeira com capitais
norte-americanos e ingleses (Bolivian Syndicate).
Um gaúcho de
formação militar, José Plácido de Castro, que chegara em 1899 no Acre,
tornou-se, em 1902/03 líder de um movimento revolucionário armado dos
brasileiros insatisfeitos da região. Para impedir um conflito militar entre o
Brasil e a Bolívia, proclamou-se a independência do Estado. Em tratos diplomáticos
entre o Brasil - representado pelo Barão do Rio Branco - e a Bolívia, chegou-se
ao Tratado de Petrópolis, assinado no dia 17 de novembro de 1903, pelo qual o
Acre passou a pertencer ao Brasil. Em 1904, constituiu-se o Território do Acre
(lei 1181, de 25 de fevereiro); logo após (decreto 5188, de 7 de abril), o
território foi dividido em três Departamentos, governados por prefeitos
nomeados pelo Presidente do Brasil: o Alto-Acre (capital Rio Branco), o
Alto-Juruá (capital Cruzeiro do Sul) e o Alto-Purús (capital Senna Madureira).
Em 1912, o Departamento do Alto-Juruá foi subdividido, surgindo o Departamento
do Alto-Tarauacá. Em 1920, criou-se o cargo de Governador de todo o território,
também a ser nomeado pelo Presidente.
Os conflitos do
Peru foram de diferente natureza daqueles do Acre com a Bolívia, cujas
pretensões de posse eram reconhecidas pelo Governo brasileiro. A presença
peruana na região do Juruá e do Purus intensificou-se em fins do século XIX,
quando peruanos penetraram nas florestas à procura de árvores de caucho. Como
essas árvores eram cortadas para que se coletasse o produto, esses peruanos não
se fixaram na região. Para a proteção de seus interesses, o Peru enviou tropas
militares ao Juruá, em 1902, e ao Purús, em 1903/1904. Houve conflitos com
indígenas e com cidadãos brasileiros. Em 1909, assinou-se um pacto de
neutralidade para a região do Juruá e do Purús, instalando-se uma comissão mista
de demarcação. Euclides da Cunha e o Coronel Belarmino Mendonça representaram o
Brasil nas comissões de demarcação; as fronteiras foram estabelecidas pelo
tratado de 8 de setembro de 1909.
No início do
século XX, o Acre adquiriu um significado extraordinário na economia do Brasil
devido à procura internacional de borracha, o que durou até 1911. Era a região
onde melhor se multiplicava a Hevea
Braziliensis. Esse território chegou a estar em terceiro lugar no volume de
exportação, logo após os importantes estados de São Paulo e Minas Gerais. Após
1912, com a repentina queda da procura e da produção da borracha, essa região
entrou em decadência crítica por décadas, de forma ainda mais grave do que as
demais regiões da Amazônia, o que marcou profundamente a história
sócio-econômica e cultural do Acre de grande parte do século XX.
Do ponto de vista
eclesiástico, a Prelatura livre do Acre e Purus, pertinente à província
eclesiástica de Belém do Pará, foi criada em 1919, sendo entregue a Servitas
italianos sob o patrocínio de S. Peregrinus Latiosus (Pellegrino Laziosi) OSM
(1265-1345). O serviço pastoral, estruturado gradualmente, baseou-se em quatro
centros paroquiais, dos quais se organizava o trabalho no território por meio
de missões itinerantes.
Até hoje, o Estado
do Acre vive do ponto de vista econômico sobretudo da castanha e da matéria
prima da produção da borracha. Desde os anos setenta, procurou-se fomentar
investimentos por parte de empreendedores do Sul e Sudeste do Brasil para
projetos pecuários, com o apoio da Superintendência do Desenvolvimento da
Amazônia. Na parte sudeste, em região de maior população do Estado,
latifundiários e empresas adquiriram grandes propriedades, derrubaram as
florestas e passaram a usar da terra como pasto. Com esse desenvolvimento, teve
início um movimento emigratório crescente de pessoas que até então viviam dos
produtos da floresta (coletadores de castanha e de caucho) para a capital Rio
Branco e para as regiões da fronteira boliviana, onde hoje vivem cerca de
15.000 famílias de "brasivianos". A Bolívia foi levada a considerar
como necessária para a segurança nacional a criação de uma nova unidade do
país, administrada militarmente ("Pando"), em área do antigo Departamento
El Beni. Como consequência dos graves problemas sociais e ecológicos desse
desenvolvimento das últimas décadas, os atingidos - nativos e imigrantes que
viviam da floresta - passaram a se organizar em movimentos de resistência, o
que chamou a atenção internacional para o Acre. Francisco (Chico) Mendes, de
renome internacional sobretudo após o seu assassinato, pleiteava o
estabelecimento de reservas florestais naturais para os coletadores, o que, em
parte, chegou a ser realizado. A discussão, no presente, não se reduz à procura
da forma mais adequada de exploração econômica da floresta; ela é marcada por
questões relativas à produção de energia nas regiões de fronteira, ou seja, das
ocorrências recentemente descobertas de petróleo e gás na bacia do Juruá, no
Amazonas, e à projetada construção de uma represa no rio Madeira.
* Texto originalmente publicado na Revista Brasil-Europa/Correspondência Euro-Brasileira.
** Prof. Dr. Antonio Alexandre Bispo - renomado pesquisador, entre outras, prof. da Universidade de Colônia (Alemanha) e diretor da Academia Brasil-Europa de Ciência da Cultura e da Ciência A.B.E. e do Instituto de Estudos da Cultura Musical do Mundo de Língua Portuguesa I.S.M.P.S. e.V.
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