OLIVIA MARIA MAIA
Sinto o cheiro de óleo de peroba e lembro-me do Natal. Perguntarão alguns: — Natal? O que tem a ver peroba com Natal? Não seria cheiro de peru, galinha, pato, marreco, porco?
Explico.
A casa em que nasci era de madeira e avarandada. Situava-se na Avenida Brasil, perto da Praça do Quartel. No coreto, a banda de música da tropa da Guarda Territorial do Acre tocava aos domingos, após a missa.
Na semana que antecedia o Natal, minha mãe começava os preparativos para o grande dia. O início era a limpeza. Todas as casas são limpas e arrumadas, principalmente para festejos. O que a minha tinha de diferente? É que muitas outras não tinham “perna manca” — peça de madeira, que nunca entendi muito bem por quê, recebia esse nome —, nem eram enceradas com óleo de peroba.
E lá estava minha mãe, com um balde de água, limpando tudo... Depois, vinha a parte que mais me chamava a atenção. Ela pacientemente pegava um pano e ficava lustrando as ripas, a perna manca, com óleo de peroba. Passava várias e várias camadas, até que o brilho aparecesse.
Na véspera do Natal, enquanto ela adiantava a ceia assando peru, leitão e bolos, intercalava os afazeres com mais uma mãozinha de óleo de peroba.
Chegava o grande dia. Os encostos das cadeiras, vestidos com paninhos de linho, impecavelmente passados na goma. A toalha de mesa, guardada durante todo o ano apenas para aquela ocasião. Tudo pronto. Sentávamos à mesa, meus pais, eu e meus cinco irmãos.
Olhos arregalados, esperando as guloseimas. De repente, a entrada triunfal de Sua majestade o Peru, decorado com jambos, carambolas, cajás e... Ah! O cheiro de peroba no ar. Era Natal. Papai Noel vinha nos visitar e, certamente, adorava o cheiro de óleo de peroba.
Fecho os olhos, depois de quase cinquenta anos, e sinto a lembrança do cheiro... peroba... emoção... cheiro... peroba... saudade...
* OLIVIA MARIA MAIA é escritora acreana.
** Crônica publicada no livro Em rio que menino nada raia não ferra (2010).
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