sexta-feira, 28 de setembro de 2012

BRASILEIRO POR OPÇÃO – XVI

José Augusto de Castro e Costa



Rodrigo de Carvalho

O Coronel Rodrigo de Carvalho, no então cenário acreano, não seria apenas um extremado revolucionário, ainda que teoricamente, mas era um elemento precioso de êxito, mesmo sem contar com sua função de alto funcionário do governo amazonense.

Fora através de sua simpatia que ele servira-se para subornar um brasileiro, funcionário da Delegação Boliviana para obter todas as informações e até particularidades oficiais das autoridades de Puerto Alonso, ao longo dos dois anos do domínio da Bolívia.

Corria a metade do ano de 1902, quando aos seringais chegara a preocupante notícia de que a Bolívia arrendara toda a região acreana a uma empresa estrangeira, o "Bolivian Syndicate".

Todos sentiram o pavor da presença da aliança que vinha de fazer o invasor, colocando a seu lado o imperialismo americano para disputar o território brasileiro, de onde saiam os capitais para a exploração comercial que pretendiam os estrangeiros.

Foi então que surgiu, dos bastidores das tentativas revolucionárias, a figura empolgante de José Plácido de Castro, um gaúcho que àquela região chegara há uns dois anos antes, estimulado pelo convite de dois conterrâneos, Gentil Norberto e Orlando Lopes.

Plácido de Castro
Há muito que Plácido de Castro considerava que a presença das autoridades bolivianas, alí instaladas com o consentimento prévio do governo brasileiro e pela força das armas impondo-se à população acreana, afigurava-se uma afronta à Nação, um atentado inominável à integridade da pátria.

Os acontecimentos que presenciara ao longo do rio Acre, Purus e Iaco viriam tornar apreensível sua alma patriótica, clamando uma reparação. O arrendamento daquelas terras, por fim, apresentara-se como um grande perigo à ordem política continental e à própria integridade do Brasil.

Fora Plácido quem apelidara a Expedição que sucedera Galvez, de “Expedição dos Poetas”, por tratar-se de um grupo formado por intelectuais sonhadores, entusiasmados utopistas, quando vira da janela da pensão, aquela euforia desembarcar em Lábrea.

Seis meses após, no exercício da profissão de agrimensor, munido da indispensável provisão, achava-se Plácido de Castro demarcando o seringal "Vitória", de propriedade de José Galdino. Testemunhara que os bolivianos haviam elevado à categoria de Vila o povoado de Xapurí, com o nome de Antonio Antunes de Alencar, que alí gozava de algum prestígio e que envidara esforços para conciliar os brasileiros com os bolivianos, em parte conseguindo, tanto que se fez eleger intendente conjuntamente com o Dr. Magalhães. Continuava, entretanto, o desgosto dos brasileiros, sobretudo devido aos rumores que lá chegaram do arrendamento do Acre a uma companhia estrangeira.

Precisamente em 23 de junho de 1902 chegaram às mãos de Plácido de Castro alguns jornais que noticiavam como definitivo o arrendamento do território acreano e estampavam o teor do contrato, então firmado entre a Bolívia e o "Bolivian Syndicate". Plácido de Castro considerara a matéria como uma completa espoliação feita aos acreanos, aos quais obviamente sentira-se incluído. Viera-lhe à mente a idéia cruel de que a Pátria Brasileira iria-se desmembrar, pressentindo que aquilo era o caminho que os Estados Unidos abriam para futuros planos, forçando o Brasil desde então a lhes franquear à navegação dos nossos rios, inclusive o Acre. Qualquer resistência ensejaria aos poderosos americanos o emprego da força e a desgraça nacional em breve estaria consumada, conforme precedentes ocorridos na Ásia e na África.

Plácido de Castro guardara, apressado, a bússula de Casella, de que se estava servindo, abandonara as balisas e demais utensílios e saira no mesmo dia para a margem do rio Acre. Lembrara-se do apelo suplicante e desesperado que lhe fizera Rodrigo de Carvalho, anteriormente, ainda em Manaus, após o fracasso da Expedição dos Poetas, tendo ele declinado.

Há algum termpo, porém, pressentindo essa situação, houvera ele falado a vários proprietários de seringais na possibilidade de uma resistência, consultando-os se com eles poderia contar.


José Galdino

Segundo o Caudilho, de todos foi o coronel José Galdino, incontestavelmente, quem demonstrara melhores disposições de auxiliá-lo. Com ele combinara em como a revolução se faria: Plácido desceria até "Caquetá", concitando à luta os demais proprietários, devendo romper o movimento em "Bom Destino", seringal de propriedade de Joaquim Victor da Silva, um grande entusiasta da revolução e a pessoa de maior prestígio no baixo Acre.

Nessa conformidade Plácido descera a 25 de junho de 1902 de "Vitória", em uma canoa de José Galdino, passara a 29 em "Bagaço" e a 30 chegara a "Bom Destino".

Depois de entender-se com o coronel Joaquim Victor, que, segundo o Caudilho, foi o acreano que maiores sacrifícios pecuniários fizera pela revolução, ficara acertado descerem até "Caquetá", onde se achara o diretor da Mesa de Rendas do Estado do Amazonas, Rodrigo de Carvalho, o qual proclamara lhe haver o governador Silvério Nery, remetido grande quantidade de armamentos com destino à revolução. Logo a seguir encontrara o engenheiro Gentil Norberto apresentando-lhe, verbalmente, idêntica credencial do governador amazonense.

Em "Caquetá", no dia 2 de julho de 1902, em reunião que contara com as presenças de mais adeptos, trataram tão-somente da revolução e, por proposta de Plácido, ficara assentado em que seria formado uma junta revolucionária composta dos coronéis Joaquim Victor da Silva, José Galdino de Assis Marinho e Rodrigo de Carvalho, e que, rompendo as hostilidades, a mesma ficaria automaticamente extinta, para que só ficasse em ação uma única autoridade - o comandante-chefe, no caso Plácido de Castro.

Plácido não conseguira apoio para que a revolução rompesse no baixo Acre, como desejara, ficando assentado que o movimento romperia em Xapurí. Tendo para alí regressado, o Caudilho não tinha certeza do êxito da revolução, de vez que todos declaravam empenhar o melhor de sí, mas ninguém se dispusera a ser o primeiro.

A 4 de agosto era a primeira segunda-feira do mês e, segundo superstição local, os acreanos consideravam dia aziago. Como um dos seus remadores dissera-lhe que não trabalharia, por ser a primeira segunda-feira de agosto, e poderia haver algum desastre, Plácido sacara o revólver e repreendera em alto e bom tom: "Se trabalhares, pode ser que te aconteça algum desastre, mas se não trabalhares é certo que morrerás já" - e com um tiro n'água indicou-lhe o caminho a seguir.

O homem que parecera firmemente a não mexer-se, rompeu imediatamente em movimento a canoa.

Às 22 horas, em meio de profunda escuridão estavam passando em frente à povoação de Xapurí, sem serem percebidos, pois Plácido tivera o cuidado de advertir de que não fizessem barulho com os remos na borda da canoa. O velho canoeiro, ainda aí se portara mal, obrigando o Caudilho a fazê-lo compreender que, se fossem descobertos, ele perderia a vida no mesmo instante.

Ao passar pela povoação Plácido mandara por terra um homem a "Vitória" comunicar ao coronel José Galdino que estava indo por água e que ele deveria reunir imediatamente todo seu pessoal, pois, conforme ficara assentado, aquela hora todo o baixo Acre deveria estar conflagrado.

O mensageiro chegara à "Vitória" na mesma noite, enquanto Plácido, somente no dia seguinte, às 9 horas da manhã, aparentando uma alegria e, em bom humor, dizendo que a revolução não duraria 20 dias, pois achara que o entusiasmo no baixo Acre era imenso.

O coronel Galdino mandara efetivamente reunir o seu pessoal, conseguindo o comparecimento de 33 homens, inclusive seu filho Matoso. Passaram o resto do dia confabulando e recaptulando os passos da revolução.

Com esses 33 homens, ao cerrar da noite, seguiram em canoas para Xapurí, onde chegaram às 5 horas da manhã, quando vinha rompendo a aurora.

Era 6 de agosto, sem que soubessem os revolucionários, dia comemorativo à independência da Bolívia, pelo que estava preparada uma grande festa. Na véspera as autoridades bolivianas haviam dormido muito tarde, depois de abundantes libações e dos cânticos patrióticos do costume, pelo que àquela hora da manhã dormiam ainda a sono solto.


Leia aqui a série


* José Augusto de Castro e Costa é cronista e poeta acreano. Mora em Brasília e escreve o Blog FELICIDACRE.
** Fotos retiradas do Livro 'O Acre e os seus heróis' de Napoleão Ribeiro.

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