Profª.
Inês Lacerda Araújo
A coragem física é muito mais enaltecida em nossa
cultura atual do que a coragem moral. Por todo lado e em toda parte há alguém
"enfrentando desafios", subir montanhas, maratonas, atravessar
desertos, até mesmo cruzar a Antártica no inverno. É o que fará a equipe
chefiada por Sir Ranulph Fiennes, 68 anos, durante seis meses, no escuro, com
temperatura de até 90 graus abaixo de zero ao custo de 6 milhões de libras.
Creio que não. A coragem moral requer outro tipo de sacrifício.
A decisão de Bento XVI de renunciar ao papado, é um
exemplo único e grandioso de coragem moral. Saber que outro papa renunciou há
600 anos não conta, não quer dizer nada. Outros tempos e outros costumes.
A Igreja Católica não via nada parecido e tampouco
contava ou esperaria que um papa renunciasse ao encargo máximo, e mesmo divino
(para os católicos o papa é o representante de Deus na terra). O que
impressionava nas aulas de religião era nos ensinarem que ele era mesmo
infalível (o dogma da infalibilidade papal se refere às questões de fé).
O peso enorme de ser representante divino infalível
bastava para que ninguém supusesse que um papa deixaria o comando do Vaticano e
dos católicos. Bento XVI surpreendeu.
Reconhecer que lhe faltavam forças deve ter sido
difícil. Dar o passo seguinte, o da renúncia, era muito mais grave, até mesmo
arriscado.
A virtude da coragem moral é aquela que conduz
pessoas excepcionais a abrirem um caminho, a serem exemplo, a tomarem atitudes
e decisões extremas. Justamente por isso a pessoa imbuída desse tipo de coragem
faz de seu ato algo humilde e interior. Não é preciso e nem é compatível bater
no peito e contar vantagem, sair bradando aos quatro cantos sua suposta
bravura.
Voltar a ser Joseph Ratzinger
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Dificilmente pessoas no poder a ele renunciam
livremente devido à impossibilidade física, sabedores de que não conseguem mais
cumprir com rigor as exigências de seu cargo, de continuarem a ser confiáveis
no desempenho de suas funções.
Pelo contrário, o poder e a fama funcionam como
drogas, viciam. Chefes amam ser adulados, aclamados, enaltecidos. Há políticos
que mesmo sem mandato perseguem a notoriedade, não conseguem abandonar seu
cargo, se consideram de uma importância ímpar, iluminados por seus egos
inflados.
O valor moral da
renúncia ao poder é tão grande quanto recolher-se e se tornar novamente Joseph
Ratzinger, tendo por companhia seus livros, descansando e meditando. Um
ex-papa...
* INÊS LACERDA ARAÚJO - filósofa, escritora e professora aposentada da UFPR e PUCPR.
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