Filosofia de todo dia
Há uma exploração indevida e
inapropriada da filosofia de Nietzsche. Em especial a literatura de autoajuda
considera que o filósofo da transvaloração dos valores pode ajudar a eliminar o
stress!!!
As propostas de Nietzsche
jamais poderiam ser usadas para aliviar o cotidiano de trabalho e de incômodos
próprios a nossa sociedade. Trata-se de péssima literatura, que distorce noções
básicas do filósofo apenas em proveito de um mercado que se expande a olhos
vistos.
Eis algumas das relevantes
contribuições de Nietzsche para pensarmos a filosofia, a vida, os valores e o
destino humano.
As concepções filosóficas
tradicionais inventaram categorias que se opõem entre si, como o devir
dialético da história, vir a ser e nada, progresso e bem-estar.
Essas "múmias conceptuais" impõem sentido a tudo, como a noção de
causalidade, quando não passam de pressupostos metafísicos da linguagem.
Nietzsche admirava os
"espíritos livres", abominava o espírito gregário, de rebanho, dos
que se deixam conduzir, pois é fácil aceitar guias prontos (como os manuais de
autoajuda....). Coragem, força, sem instinto gregário, auto-criação de tipos
renovadores, inspiradores, que conseguem encontrar alegria como a do riso
infantil, que possam contemplar do alto a paisagem, que criem seus valores sem
necessidade de código moral. E isso sem pressão externa, sem modelos prontos,
com autonomia.
Não há um estado final das
coisas, nem prêmio nem castigo, há o jogo da vida como uma dança à beira do
abismo.
Nietzsche enfrentou até
mesmo o niilismo. O niilismo budista, passivo e pacífico, e outros niilismos
(apesar de admirar escritores russos como Dostoiévski) podem ser confrontados
pelo espírito livre de um Zaratustra ou de um deus mitológico dionisíaco.
O filósofo fala ao corpo,
aos ritmos da música, à dança. Ao mesmo tempo exige de si o máximo de força e
coragem contra o ideal de felicidade do homem medíocre.
Vontade de poder resume seu
pensamento, ela alimenta o jogo, a luta, percorrer novamente os desvãos da
história para mostrar a emergência, entre outras determinações, da consciência
moral e do ressentimento. Impedidos de alçar ao topo e ver com seus próprios
olhos, os líderes da fé inventaram a consciência moral, são ressentidos, quer
dizer, preferem a culpa à grandiosidade, consideram meritoso o que baixa a
cabeça e diz amém a tudo.
"O homem que se
tornou livre, e ainda mais o espírito que se tornou livre, calca sob os pés a
desprezível espécie de bem-estar com que sonham merceeiros, cristãos, vacas,
mulheres, ingleses e outros democratas. O homem livre é um guerreiro. Segundo o
que se mede a liberdade em indivíduos como em povos? Segundo a resistência que
tem que ser superada, segundo o esforço que custa permanecer acima (...) É
preciso ter necessidade de ser forte, liberdade, algo que se tem e não se tem,
que se quer e que se conquista" (Crepúsculo dos
Ídolos).
Difícil e complexo filósofo!
Atenção mulheres, inclusive com aspectos hoje inaceitáveis, como a misoginia.
* INÊS LACERDA ARAÚJO - filósofa, escritora e professora aposentada da UFPR e PUCPR.
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