quinta-feira, 1 de agosto de 2013

FASTÍGIO E GRAÇA ACREANA

Regina Amélia D’Alencar Lino


Passei esses últimos dias em Rio Branco-AC, a minha “Paris”. Essa paixão que sinto pelo meu pedaço preferido na terra sempre foi intensa, especialmente, desde que dele me separei quando tinha apenas dez anos e vim com toda família morar em Brasília, em razão de meu pai, Ruy Lino, ter sido eleito deputado federal.

Após alguns anos, retornei por um longo período para residir no meu estado e pude mais uma vez comprovar que o meu amor é intenso e verdadeiro. É impressionante como me sinto útil e feliz quando por lá estou, mesmo diante do intenso calor, que é compensado pelo calor humano.

O Acre tem um “it” que encanta a todos: os que nos visitam e nos faz sentir orgulhosos de sermos acreanos de “pés rachados”. Para começar, apesar de todos nossos defeitos somos extremamente afetuosos entre nós, com os de fora, e amamos estar juntos. Somos feito “bicho de ruma”. Não é à toa que os acreanos em qualquer parte do mundo se reúnem, sentem o cheiro um do outro e formam logo sua “colônia”. Simplicidade e espontaneidade definem nossa maneira de ser.

Quando sabemos que alguém vai viajar de Rio Branco para qualquer lugar, rapidamente preparamos nossas encomendas para serem levadas aos parentes que estão fora, sem nos preocuparmos com o excesso de bagagem e o transtorno que podemos causar ao nosso amigo passageiro. E na bagagem sempre tem muitos, mas muitos quilos da farinha de Cruzeiro do Sul, - município do Acre -, considerada a mais saborosa do Brasil, além de tucupi para fazer o pato e o tacacá, açaí fresquinho, tambaqui, bombons de cupuaçu, biscoito de castanha do Pará, banana comprida, conforme o gosto de quem vai receber as iguarias. E, se o passageiro se esquivar da missão, coitado dele, está frito. Também tem outra coisa: acreano que sai do Acre para se hospedar na casa de um distinto acreano, tem que presentear a família com pelo menos dois quilinhos de farinha da boa, se não quiser ficar malvisto. Ao ser recebido no aeroporto ou na rodoviária, após a pergunta sobre as condições da viagem, vem logo a indagação: “trouxe farinha?”. E não traga não, prá ver a cara que faz o seu anfitrião (ã).

Têm ainda maneiras deliciosas de dialogarmos, fofocarmos, que igualmente fazem parte do nosso cotidiano e que só os genuinamente acreanos utilizam, como algumas expressões de forte apelo popular  tais como:

- “Mana”, “mano”, “maninha”, “maninho” - ao nos dirigimos carinhosamente ao nosso interlocutor -,“se eu te contar o que aconteceu agora comigo”!

E após ouvir detalhadamente a história, o interlocutor (a) espantado (a) reage:

- Putitanga – não é possível -, eu não acredito que isso pôde ter acontecido contigo!

E vamos além:

- Seu menino, o senhor sabe prá que rumo fica o Seringal Oco do Mundo?

- Ixê, fica lá onde o cão perdeu as botas e o vento faz a curva.

- Pucareba -  (caramba)! Então, é longe prá cachorro.

Ou ainda:

- “Ô Tonho, tu num tá vendo que o menino tá cansado”?

- Tô, sim.

- Então, deixa de ruindade e carrega o menino no TUMTUM - (nas costas).

E lá vamos nós:

- Mãe, hoje eu vi o Chico lá na frente do mercado.

- E ele tá bem?

- Tava lá com aquela cara de abestado - (de bobo).

- Oiô  - (presta atenção, veja).

- O que foi?

- Epâ! Não faz isso com a bichinha ou com o bichinho  - (não maltrata a criança).

- E o aniversário foi bom?

- Foi mesmo! Comida e bebida no balde – (à vontade).

- Olha como essa menina tá magra! Parece uma “suvela” - ( sovela - prego fininho).

- Arre égua !- ( só faltava essa)!

- Tô pebado - ( lascado)!

Arredjanga -  (puxa vida)!

Mas, ainda tem aquelas mais espontâneas.

Quando Nabor Júnior era governador do Acre, eu participava de uma reunião do PRONAV – Programa Nacional de Voluntariado - coordenada por D. Darci, esposa dele, quando fomos surpreendidas pelas engraçadíssimas irmãs Neca e Cocota, que morando em Rio Branco, voluntariamente, ajudavam as pessoas que vinham do município de Feijó, a terra delas, para fazer tratamento na capital, por falta de recursos médicos no interior.

Naquela época, houve um surto de hepatite no município e o governo começou a transportar os portadores da doença para Rio Branco, com o objetivo de assisti-los melhor.

Durante a semana, as irmãs tinham ido ao aeroporto diversas vezes, solidariamente, para receber os doentes e ajudar encaminhá-los ou levá-los para o hospital designado para atendê-los. Devido ao grande número de pacientes e o preocupante estado de saúde deles, as irmãs, desesperadas para socorrê-los, foram nos procurar e interromperam a reunião, quando Neca, ofegante, saiu com essa pérola (?): “acudam, acudam que nós não sabemos mais o que fazer, tem tanta gente doente chegando, que não temos mais prá onde correr. Olhem, nós estamos com “um  dentro e dois na beirada”. (A elegância é por minha conta).

Fecha o pano! Como diria o jornalista Zé Leite: Tão Acre.

Tão amado Acre.

Conforme o escritor carioca Nélson Cunha Mello professor de língua portuguesa:

“A palavra escrita ou falada. Em prosa ou em verso. Em linguagem culta ou coloquial. Em sentido literal ou figurado. A palavra, com toda a sua beleza e versatilidade. Com todo o encantamento e a sedução do seu mágico universo de significados”.


Regina Amélia D’Alencar Lino é socióloga e escritora acreana, natural de Rio Branco. Foi também vereadora e deputada federal, e vice-prefeita de Rio Branco – AC.

> Leia aqui outros textos de Regina Amélia D’Alencar Lino.

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