Regina Amélia D’Alencar Lino
Passei esses últimos dias em Rio Branco-AC, a
minha “Paris”. Essa paixão que sinto pelo meu pedaço preferido na terra sempre
foi intensa, especialmente, desde que dele me separei quando tinha apenas dez
anos e vim com toda família morar em Brasília, em razão de meu pai, Ruy Lino,
ter sido eleito deputado federal.
Após alguns anos, retornei por um longo
período para residir no meu estado e pude mais uma vez comprovar que o meu amor
é intenso e verdadeiro. É impressionante como me sinto útil e feliz quando por
lá estou, mesmo diante do intenso calor, que é compensado pelo calor humano.
O Acre
tem um “it” que encanta a todos: os que nos visitam e nos faz sentir orgulhosos
de sermos acreanos de “pés rachados”. Para começar, apesar de todos nossos
defeitos somos extremamente afetuosos entre nós, com os de fora, e amamos estar
juntos. Somos feito “bicho de ruma”. Não é à toa que os acreanos em qualquer
parte do mundo se reúnem, sentem o cheiro um do outro e formam logo sua
“colônia”. Simplicidade e espontaneidade definem nossa maneira de ser.
Quando sabemos que alguém vai viajar de Rio
Branco para qualquer lugar, rapidamente preparamos nossas encomendas para serem
levadas aos parentes que estão fora, sem nos preocuparmos com o excesso de
bagagem e o transtorno que podemos causar ao nosso amigo passageiro. E na
bagagem sempre tem muitos, mas muitos quilos da farinha de Cruzeiro do Sul, - município
do Acre -, considerada a mais saborosa do Brasil, além de tucupi para fazer o
pato e o tacacá, açaí fresquinho, tambaqui, bombons de cupuaçu, biscoito de
castanha do Pará, banana comprida, conforme o gosto de quem vai receber as
iguarias. E, se o passageiro se esquivar da missão, coitado dele, está frito. Também
tem outra coisa: acreano que sai do Acre para se hospedar na casa de um
distinto acreano, tem que presentear a família com pelo menos dois quilinhos de
farinha da boa, se não quiser ficar malvisto. Ao ser recebido no aeroporto ou
na rodoviária, após a pergunta sobre as condições da viagem, vem logo a
indagação: “trouxe farinha?”. E não traga não, prá ver a cara que faz o seu anfitrião
(ã).
Têm
ainda maneiras deliciosas de dialogarmos, fofocarmos, que igualmente fazem
parte do nosso cotidiano e que só os genuinamente acreanos utilizam, como
algumas expressões de forte apelo popular
tais como:
- “Mana”, “mano”, “maninha”, “maninho” - ao
nos dirigimos carinhosamente ao nosso interlocutor -,“se eu te contar o que
aconteceu agora comigo”!
E após
ouvir detalhadamente a história, o interlocutor (a) espantado (a) reage:
- Putitanga – não é possível -, eu não
acredito que isso pôde ter acontecido contigo!
E vamos além:
- Seu
menino, o senhor sabe prá que rumo fica o Seringal Oco do Mundo?
- Ixê, fica lá onde o cão perdeu as botas e o
vento faz a curva.
- Pucareba - (caramba)! Então, é longe prá cachorro.
Ou ainda:
- “Ô Tonho, tu num tá vendo que o menino tá
cansado”?
- Tô, sim.
- Então, deixa de ruindade e carrega o menino
no TUMTUM - (nas costas).
E lá vamos nós:
- Mãe, hoje eu vi o Chico lá na frente do
mercado.
- E ele tá bem?
- Tava lá com aquela cara de abestado - (de bobo).
- Oiô -
(presta atenção, veja).
- O que foi?
- Epâ! Não faz isso com a bichinha ou com o
bichinho - (não maltrata a criança).
- E o aniversário foi bom?
- Foi mesmo! Comida e bebida no balde – (à vontade).
- Olha como essa menina tá magra! Parece uma “suvela”
- ( sovela - prego fininho).
- Arre égua !- ( só faltava essa)!
- Tô pebado - ( lascado)!
Arredjanga - (puxa vida)!
Mas, ainda tem aquelas mais espontâneas.
Quando Nabor Júnior era governador do Acre,
eu participava de uma reunião do PRONAV – Programa Nacional de Voluntariado - coordenada
por D. Darci, esposa dele, quando fomos surpreendidas pelas engraçadíssimas
irmãs Neca e Cocota, que morando em Rio Branco, voluntariamente, ajudavam as
pessoas que vinham do município de Feijó, a terra delas, para fazer tratamento
na capital, por falta de recursos médicos no interior.
Naquela época, houve um surto de hepatite no município e o governo começou a
transportar os portadores da doença para Rio Branco, com o objetivo de
assisti-los melhor.
Durante a semana, as irmãs tinham ido ao aeroporto
diversas vezes, solidariamente, para receber os doentes e ajudar encaminhá-los
ou levá-los para o hospital designado para atendê-los. Devido ao grande número
de pacientes e o preocupante estado de saúde deles, as irmãs, desesperadas para
socorrê-los, foram nos procurar e interromperam a reunião, quando Neca, ofegante,
saiu com essa pérola (?): “acudam, acudam que nós não sabemos mais o que fazer,
tem tanta gente doente chegando, que não temos mais prá onde correr. Olhem, nós estamos com “um dentro e dois na beirada”. (A elegância é por
minha conta).
Fecha
o pano! Como diria o jornalista Zé Leite: Tão Acre.
Tão amado Acre.
Conforme o escritor carioca Nélson Cunha
Mello professor de língua portuguesa:
“A palavra escrita ou
falada. Em prosa ou em verso. Em linguagem culta ou coloquial. Em sentido
literal ou figurado. A palavra, com toda a sua beleza e versatilidade. Com todo
o encantamento e a sedução do seu mágico universo de significados”.
* Regina Amélia D’Alencar Lino é socióloga e escritora acreana, natural de Rio Branco. Foi também vereadora e deputada federal, e vice-prefeita de Rio Branco – AC.
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