Elson
Martins
Enorme, ela caiu
do céu numa tarde quente de verão amazônico imersa numa nuvem de algodão. Eu a
vi pousar no meio de um lago cercado de floresta densa. Deslumbrado, acompanhei
sua decida suave e então a coloquei na palma da mão, plantando-a, cuidadosamente,
num vaso com estrume.
Eu morava na
Chácara do Ipê, condomínio afastado do centro de Rio Branco, numa casa com
quintal amplo e piscina, que vendi (1991) a um amigo. Da piscina, observei o
floco branco caindo do céu azul.
A cena era comum
nos seringais: identifiquei a sementinha no meio do floco e a retirei para
plantar. Depois, voltei ao banho e ao trabalho. Três meses depois, minha mulher
me chamou atenção: “A semente nasceu!”.
A pequena samaúma
estava com 30 centímetros de altura, mas já com ares de rainha. Escolhi um
lugar no quintal, longe da casa, transplantando a muda para a terra. E a
pequena árvore cresceu.
Ao vender a casa
fiz exigência: “Vamos colocar no contrato que é proibido derrubar a samaúma”. A
tal clausula nunca existiu de verdade, mas o novo proprietário passou a cuidar
da ceiba pentandra (como os cientistas denominam a espécie)
com zelo e carinho.
A árvore cresceu
imponente e bela, destacando-se dos velhos ipês que cercam a residência. Tanto
que algumas mentes temerosas começaram a assustar o novo proprietário:
“Derruba, ela vai acabar com o teu muro... A raiz não resiste a uma
tempestade”!
Imagem de uma Samaúma. Foto de Fernando Júnior |
Pode ser, e não
vou desejar um mal desse ao amigo. Mas acho que ele pode deixá-la chegar à fase
adulta, como um monumento que mostrará, orgulhoso, aos convidados e às
crianças. Tem tempo para isso, o que um bom técnico poderá atestar instruindo
sobre como preservá-la sem riscos.
Sei que a samaúma
atinge 60 metros de altura, possui um tronco com diâmetro de três metros e meio
e uma copa de 22 metros. Suas raízes não penetram o solo a fundo, mas tecem uma
malha à cata de húmus com alguns tentáculos de mais de 500 metros, que servem
também de alicerce.
Possuindo fibras
delicadas, dos galhos às raízes, chamadas sapupemas, de onde se extrai uma água
cristalina boa para beber, a samaúma poderia ser uma árvore sagrada da
Amazônia. Ela cresce nas margens dos rios, junto aos lagos ou no coração da
mata densa, servindo de bússola para os povos da floresta.
Na minha infância,
sempre tive olhos para essa árvore que voa. Ficava abismado com a semente preta
e minúscula (também comestível) à semelhança de um amendoim torradinho. A
semente paira sobre a floresta e os rios na sua nave tenra, sabe-se lá quanto
tempo. Como se a mãe natureza mandasse espalhar suas rainhas pelas florestas do
mundo, plantando-as nos locais mais inacessíveis ao homem.
Os índios Kaxinauá
(Huni Kui) afirmam que a samaúma tem espírito, ou que o espírito vive dentro
dela. Apenas os pajés têm o direito de apreciá-la de perto. Os não-índios
costumam descansar no seu dorso e imaginar seu voo, certamente, à procura de um
lugar fértil na terra e na consciência das pessoas!
P.S. Desengavetei o
texto após ter assistido a reportagem (do post anterior. Veja abaixo.) com o Arquilau, amigo
que "herdou" a tarefa de preservar a samaúma, e que ao longo dos anos
vem transformando espaços de sua casa num museu a céu aberto da história
acreana.
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"Quando se sonha só, é apenas um sonho, mas quando se sonha com muitos, já é realidade. A utopia partilhada é a mola da história."
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