Jorge de Lima (1893-1953)
Para José Osório de
Oliveira
E quando os assírios
acabaram de brigar com os caldeus enterraram os mortos;
e outros povos começaram a
brigar pela posse da terra;
mas antes do dia findar,
filisteus, hebreus, persas, gregos, árias, romanos, africanos, russos,
espanhóis, chineses, japoneses,
brigaram, brigaram,
brigaram.
E houve paz para enterrar os
mortos.
E nem o Sinédrio, nem os Conselhos,
nem a Liga das Nações,
nada fizeram, nada
resolveram, nada adiantaram.
E houve paz para enterrar as
ligas.
E rebentaram na carcaça
velha do mundo cinquenta revoluções simultâneas
para salvar o homem e garantir
a paz.
E deram inúmeros prêmios
nóbeis a vários chanceleres e cantaram hinos a várias democracias,
a vários grandes condutores;
e as polícias continuaram a
espancar os sonhadores;
e os generais ganharam
grandes soldos para defender as pátrias,
e houve bombas em várias
partes do globo;
e ainda ontem, num morro do
mundo,
a Tísica devorou várias
moças,
e os vermes continuam a se
alimentar de crianças órfãs;
ricos, pobres, moços e
velhos se enforcaram nas árvores.
A massa tem fome, o uivo da
humanidade é mais doloroso de noite.
A superfície da terra
continua do tamanho de uma cova.
Estrangeiro que passais,
sois tão novo e sois tão
velho quanto eu sou.
A mesma inquietação e a
mesma decepção nos arrasam os olhos.
Estrangeiro que passais,
quantas vezes o chão que pisamos já mudou?
O senhor comissário já nos
deu licença
de olhar as nuvens e aspirar
a brisa de Deus?
E para olhar o próximo
eclipse arranjaremos bilhetes com o chefe?
Estrangeiro amigo,
escrevamos para os nossos bisnetos fictícios,
a história eterna do homem
decaído e do mundo sem jeito.
Estrangeiro, vós me
estendeis vossos braços e somos como velhos amigos passeando no cais,
e olhando no mar - a vela, a
asa, a onda e as coisas fugitivas.
Estrangeiro, estrangeiro, as
nossas nações, apesar de nossa amizade,
continuam isoladas e
inimigas como em Mesopotâmia;
e ainda há entre elas raças
irreconciliáveis.
Estrangeiro, estrangeiro, eu
sou dos vossos.
E, se quereis ser dos meus,
aceitai
que só a Igreja de Cristo – mais forte que a lei de gravidade
continua a enterrar os
mortos neste planeta errado.
LIMA, Jorge de. Anunciação e encontro de
Mira-Celi. Rio de Janeiro: Record, 2006. p.193-194
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