domingo, 30 de março de 2014

QUANDO EU ERA MENINO...

Friedrich Hölderlin (1770-1843)


Quando eu era menino,
   Um deus frequente me salvava
      Da grita e do látego dos homens.
         Em segurança eu brincava
            Com as flores do bosque;
               As brisas do céu
                  Vinham brincar comigo.

E assim como alegras
O coração das plantas,
Quando estendem os braços
Meigos para ti,

Meu coração alegraste
Também, Pai Hélio! e como Endimião
Eu era o favorito
Teu, sagrada lua!

Oh vós todos, fiéis
Deuses amistosos,
Se soubésseis o quanto
Minha alma vos amou!

Não vos chamava eu então
Pelo nome, nem vós a mim
Pelo meu, como os homens
Quando se conhecem.

Mas eu vos conhecia
Como jamais aos homens conheci.
Eu compreendia o silêncio do Éter;
As palavras dos homens, não.

Educou-me a harmonia
Do bosque murmurante
E aprendi a amar
Debaixo das flores.

Foi nos braços dos deuses que eu cresci.
  


DA ICH EIN KNABE WAR...

Da ich ein Knabe war,
  Rettet' ein Gott mich oft
    Vom Geschrei und der Ruthe der Menschen,
      Da spielt' ich sicher und gut
        Mit den Blumen des Hains,
          Und die Lüftchen des Himmels
            Spielten mit mir.

Und wie du das Herz
Der Pflanzen erfreust,
Wenn sie entgegen dir
Die zarten Arme streken,

So hast du mein Herz erfreut
Vater Helios! und, wie Endymion,
War ich dein Liebling,
Heilige Luna!

Oh all ihr treuen
Freundlichen Götter!
Daß ihr wüßtet,
Wie euch meine Seele geliebt!

Zwar damals rieff ich noch nicht
Euch mit Nahmen, auch ihr
Nanntet mich nie, wie die Menschen sich nennen
Als kennten sie sich.

Doch kannt' ich euch besser,
Als ich je die Menschen gekannt,
Ich verstand die Stille des Aethers
Der Menschen Worte verstand ich nie.

Mich erzog der Wohllaut
Des säuselnden Hains
Und lieben lernt' ich
Unter den Blumen.

Im Arme der Götter wuchs ich groß.

HÖLDERLIN, Friedrich. Poemas. Seleção, tradução, introdução e notas José Paulo Paes. São Paulo: Companhia das Letras, 1991. p.83-85
* Fotografia do site Racismo Ambiental

quinta-feira, 27 de março de 2014

IVANA BENTES: RESPEITOSAMENTE VÂNDALA

“Inocente, pura e besta”. É assim que a ensaísta e professora Ivana Bentes diz ter chegado ao Rio de Janeiro, em 1980, família de comerciantes, sem sobrenome para ostentar, nascida em Parintins, no Amazonas, e tendo passado a juventude em Rio Branco, no Acre. Foi a entrada em uma universidade pública, a Escola de Comunicação (ECO) da Universidade Federal do Rio de Janeiro, que mudou sua trajetória. Ivana é graduada em Comunicação Social, mestre e doutora em Comunicação pela Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ. Atualmente leciona no Programa de Pós-Graduação em Comunicação da mesma universidade, onde também é diretora da Escola de Comunicação. É autora de Cartas ao Mundo: Glauber Rocha (Companhia das Letras, 1997) e Joaquim Pedro de Andrade: a revolução intimista (Editora Relume Dumará, 1996). É co-editora das revistas Cinemais: Cinema e outras questões audiovisuais e Global (Rede Universidade Nômade).

A entrevista é de Eduardo Nunomura, publicada pela Revista CULT, edição nº 188.

Qual a sua avaliação sobre os parâmetros curriculares recém-instituídos pelo Conselho Nacional de Educação para os cursos de jornalismo?

Um retrocesso e uma quase tragédia. Surge na contramão do entendimento de pensadores e teóricos da comunicação que fizeram o movimento oposto décadas atrás, procurando incluir o jornalismo como parte de uma formação mais ampla.Foge ao contexto atual de convergência das mídias e de produção da informação nas redes sociais que exige um profissional com múltiplas habilidades, um analista simbólico, um ensaísta, um ativador e produtor de desejos. Esse perfil não tem nada a ver com o profissional adestrado por uma formação fordista e extremamente limitada, do “quê, quem, como, onde”, e que passa longe de todos os clichês que construímos em torno desse personagem.

As novas diretrizes respondem a uma crise de mediação. Mas o jornalista não é mais o mediador privilegiado, o “gatekeeper”, o guardião do que é ou não é notícia, do que é ou não noticiável. As corporações de mídia e o jornalismo nunca foram tão questionados e buscam manter de pé uma mística da excepcionalidade da atividade jornalística. Com ou sem formação especializada, a mídia somos nós. O que não acaba com a necessidade de formação, mas a estende para toda a sociedade. O jornalismo é importante demais para ficar na mão de corporações, cartórios e especialistas.

A sra. começou afirmando que vê um retrocesso e uma quase tragédia…

É uma quase tragédia porque acredito que o paradigma das redes, do midialivrismo, do jornalismo-cidadão, a comunicação pós-mídias digitais, os estudantes, professores, ativistas e teóricos que lutam por uma formação desengessada, todos eles vão canibalizar as diretrizes (do CNE) e subvertê-las. Pode ter retrocesso, mas não tem volta. As novas diretrizes são fruto de uma disputa por poder de um grupo de professores e especialistas a quem chamo de “as viúvas de Gutemberg”, extremamente corporativos e que funcionam no campo da Comunicação como a “vanguarda da retaguarda”, para sermos gentis. O que está em curso é a tentativa de manter uma excepcionalidade para a atividade jornalística e também uma manobra para a volta da exigência do diploma de jornalista para exercer a profissão, que foi derrubado em 2009 e até agora não fez a menor falta.

A sra. é contra o diploma de jornalista?

Sempre fui contra. O fim da obrigatoriedade não acabou com os cursos de Comunicação, nem diminuiu a busca pela habilitação em Jornalismo, campos que nunca foram tão valorizados. Os jornais sempre burlaram a exigência de diploma pagando muitas vezes os maiores salários aos não-jornalistas, cronistas, articulistas, vindos de diferentes campos. As universidades não precisam formar os “peões” diplomados, mas jovens capazes de exercer sua autonomia, liberdade e singularidade, dentro e fora das corporações. Não precisamos de profissionais “para o mercado”, mas capazes de “criar” novos mercados, jornalismo público, pós-corporações, produção colaborativa em rede.

O mais importante nenhuma entidade corporativa defendeu nem pensou: uma seguridade nova para os freelancers, os precários, aqueles que não têm e nunca terão carteira assinada. Essas são as novas lutas no capitalismo.A ideia de que para ter direitos é preciso se “assujeitar” a uma relação de patrão-empregado, de “assalariamento”, é francamente conservadora.

Sem a obrigatoriedade do diploma, qual o sentido de um jovem ingressar em uma faculdade de Comunicação?

O capitalismo, as revoluções dentro do capitalismo e as ações anti-capitalistas, a publicidade, a economia imaterial, tudo isso depende desse domínio midiático e da posse dessas linguagens. O capital já entendeu isso faz tempo. E se quisermos pensar jornalismo público, jornalismo do comum, a produção de um midiativismo capaz de ativar os desejos por mudanças sociais, tudo isso passa por um outro tipo de formação. A comunicação é central na sociedade de redes. Se o capitalismo é comunicacional, a revolução terá que ser também midiática. É um campo fascinante, que não para de mobilizar os jovens.

Há duas décadas, a sra. iniciou sua vida acadêmica. Já formou centenas de jornalistas que estão no mercado. Eles estão cumprindo seu papel social?

A Escola de Comunicação da UFRJ formou e forma desde a Fátima Bernardes, que até pouco tempo atrás dividia a bancada do Jornal Nacional com William Bonner, até o Rafucko, que acabou de lançar um vídeo com mais de 800 mil visualizações. Esse vídeo desconstruía, criticava e escrachava um editorial da Globo sobre as manifestações e a liberdade de expressão. Formamos a elite que reproduz o poder e os que lutam por mudanças radicais e se arriscam e inovam. Essa disputa é feita dentro da universidade. Somos criticados por formarmos editorialistas, jornalistas que colocam sua inteligência a serviço do capital ou nos entretendo com perfumaria. E, ao mesmo tempo, um blog da Veja, me acusou de ser uma “blackblocteacher”, de formadora de blackblocs e ativistas radicais, em um texto ressentido e equivocado, mas que não deixa de ser um elogio.

Quais são as implicações do surgimento da chamada nova classe média do ponto de vista comunicacional?

As periferias são laboratórios de mundos e a riqueza do Brasil. Não mais os pobres assujeitados e excluídos de certo imaginário e discurso, mas uma ciberperiferia, a riqueza da pobreza (disputada pela Nike, pela Globo, pelo Estado) que transforma as favelas, quilombos urbanos conectados, em laboratórios de produção subjetiva. A carne negra das favelas, os corpos potentes e desejantes, a cooperação sem mando, inventando espaços e tempos outros (na rua, nos bailes, lanhouses e lajes), estão sujeitos a todos os tipos de apropriação. É que as favelas e periferias são o maior capital nas bolsas de valores simbólicas do país, pois converteram as forças hostis máximas (pobreza, violência, Estado de exceção) em processo de criação e invenção cultural. Além disso, o midialivrismo ganha força na periferias, em projetos como a ESPOCC, Escola Popular de Comunicação Crítica da Maré, Viva Favela, Agência Redes Para a Juventude, que formam comunicadores populares e midiativistas.

Isso tudo é muito novo no Brasil.

O Rio de Janeiro serve de exemplo. É um termômetro da difícil e paradoxal tarefa de calibrar essa euforia pós-Lula, do presidente Macunaíma que turbinou a periferia, e os retrocessos no governo Dilma, que trouxe os “gestores de subjetividade”, que revertem e monetizam a potência das favelas e periferias para o turismo, corporações, bancos e para o consumo. O que vemos na publicidade das UPPs, da Copa do Mundo e dos shoppings é o que chamo de inclusão visual dos jovens negros ou da cultura da periferia. Mas os mesmos jovens são mortos pela polícia como elementos “suspeitos” nas favelas ou impedidos de entrar nos shoppings para dar um rolezinho.

A ascensão social de jovens das periferias tem deixado parte da sociedade em transe. Eles estão no centro da profunda transformação social…

Aí vem a reação da Casa Grande, e a mídia em geral amplifica esse discurso, colocando travas e controle na mobilidade urbana e no direito de ir e vir da juventude popular. A juventude negra e periférica vira uma “classe ameaçadora”, que não é bem-vinda nos espaços de consumo da classe média branca. Ao estado de exceção e à violência contra os pobres se acrescenta uma polícia que reprime o funk e os rolezinhos. Essa incapacidade de entender as novas formas de sociabilidade e mobilidade dos jovens traz à cena o velho horror das classes populares e o apartheid racial, social e cultural. A ascensão social expôs a crise das cidades, a privatização dos espaços públicos e o desinvestimento nos equipamentos de lazer. O esquema de segurança dos shoppings, revistando e controlando os pobres, é a ostentação do fracasso do Estado e da sociedade na partilha da cidade. 

As maiores publicações do país, como Veja, Folha de S. Paulo, Estado de S. Paulo, TV Globo, vieram a público explicitar seus critérios editoriais. Trata-se de uma resposta às inúmeras críticas que a imprensa vem recebendo da população? 

A mídia no Brasil parece querer substituir o Estado de direito, se vê como braço do Estado, podendo, inclusive, colocá-lo em crise a qualquer momento. Negocia denúncias, pessimismo e otimismo, reputações. Mal disfarça a editorialização dos fatos. Mas o mais preocupante é quando infundem o medo das ruas, da política, dos pobres, da juventude, da “esquerda”. Interferem e direcionam fatos e investigações, produzem histeria coletiva e ódio a grupos e movimentos sociais inteiros. Ao mesmo tempo são espaços de controvérsias e disputas necessárias e estratégicas, por isso repito sempre, critica a mídia? Odeia a mídia? Torne-se mídia!

A morte do cinegrafista Santiago Andrade e a posterior perseguição de parte da imprensa aos blackblocs são um sintoma de um discurso midiático perdido ou, ao contrário, posicionado estrategicamente?

Já vimos essa historia da construção de inimigos: os comunistas, os subversivos, maconheiros e agora os blackblocs, a ameaça que vai destruir a democracia, a Copa, a moral e os bons costumes. É redutor demais. Vidas são demolidas nesse jogo de demonização, como vimos na repressão brutal da polícia aos manifestantes, nas prisões arbitrárias e mortes, nas capas sensacionalistas da Veja e primeiras páginas e editoriais de jornais e televisões. O nível de manipulação dos fatos foi grosseiro depois da morte do cinegrafista da TV Bandeirantes. A lei que tipifica terrorismo, que querem votar a toque de caixa, e a pauta do medo buscam esvaziar e mudar foco das justas reivindicações para o comportamento dos manifestantes. E a mídia vem legitimando a desproporcional repressão policial, pouco questionada nos noticiários corporativos. Temos uma polarização das ruas contra a associação Mídia-Estado-Polícia, um confronto que produz avanços e retrocessos.

A Mídia Ninja, que podemos chamar de filha pródiga do movimento Fora do Eixo, nasceu e ganhou muita evidência durante as manifestações de junho de 2013. A sra. vê a Mídia Ninja e suas derivações como o futuro da comunicação?

Um dos efeitos dos protestos de 2013 no Brasil foi a explosão das ações midiativistas. A Mídia Ninja fez essa disputa de forma admirável, amplificando a potência da multidão nas ruas. Ela passou a pautar a mídia corporativa e os telejornais ao filmar e obter as imagens do enfrentamento dos manifestantes com a polícia, a brutalidade e o regime de exceção. O papel dos midialivristas e dos coletivos e redes de mídias autônomas não pode ser reduzido ao campo do jornalismo, mas aponta para um novo fenômeno de participação social e de midiativismo (que usa diferentes linguagens, escrachos, vídeos, memes, para mobilizar). A cobertura colaborativa obtém picos de milhares de pessoas online, algo inédito para uma mídia independente. Nesse sentindo a comunicação é a própria forma de mobilização.

E o Fora do Eixo?

O Fora do Eixo é um laboratório de experiências culturais e de invenção de tecnologias sociais radicais, que conseguiu transformar precariedade em autonomia. Ele inventou uma forma de viver coletiva e restituir o tempo que o capital nos rouba de uma forma que me toca e mobiliza. As causas políticas que defendem são as minhas e as de muitos: mídia livre, governança, democracia direta, combate a desigualdade e aos preconceitos, defesa da vida, potencialização da autonomia, da liberdade, economia colaborativa, invenção de mundos.

O Fora do Eixo possibilita que jovens dispensem empregos “escravos” ou precários na mídia tradicional, em produtoras comerciais, agências de publicidade, ou qualquer emprego fordista, e passem a inventar a sua própria ocupação. Conheço o Fora do Eixo desde 2011. Na prática, são uma rede de mais de mil jovens que revertem seu tempo e vida para um projeto comum com um caixa coletivo único que paga comida, roupa e casa coletiva, sem salário individual e um projeto comum. Eles não têm medo de dialogar com os poderes instituídos, ao contrário de um certo discurso midiático que procura criar um grande horror à política, que só afasta os jovens e muitos de nós das disputas.

E isso tem muito a ver com as suas pesquisas não se intimidam em enxergar novos dispositivos, conceitos e instrumentais, redes sociais. Qual é a resposta que a sra. procura?

Antes de tudo, viver e lutar por uma vida não fascista,no sentido colocado por Michel Foucault, de lutar contra o “fascismo que nos faz amar o poder, desejar esta coisa que nos domina e nos explora”. Quero experimentar uma vida menos “normopata”, uma erótica do contato que restitua o prazer de vivermos juntos.Sou fascinada pelos dispositivos e a forma como coevoluímos com eles, reinventando o social, produzindo novos prazeres e angústias, sem deixar de perceber como também expropriam o nosso tempo, nossa libido, nossa energia e nos colocam para trabalhar num novo regime de exploração da vida, brutal.

Tudo isso está provocando uma mutação antropológica. Acompanho e vivo de dentro esses atravessamentos. Recuso transformar os conceitos em juízes das experiências, o intelectual “justiceiro” que se vê ao largo, acima, distante dos fenômenos que analisa e estuda. Não tenho mais objetos de estudo, mas parceiros que me estimulam. Fiz a passagem para o que chamo deteoriativismo ou o tédio da erudição. No que faço está implicado todo o meu corpo e a minha vida. Como diria Nietzsche, ignoro o que sejam problemas puramente intelectuais.

Não lhe preocupa a difusão generalizada de manifestações rancorosas, preconceituosas, de baixíssima qualidade nas redes sociais?

As redes sociais têm tudo o que a sociedade tem: discursos de ódio, racismo, preconceito, desinformação, mas trazem a possibilidade veloz e massiva de combate e de embate. Não vejo os jornais e a mídia supereditorializada como “mais qualificada”. Ao contrário, um erro, uma distorção de análise, a manipulação de fatos, o sensacionalismo são questionados nas redes e não nas redações… Se esse novo ambiente produz venenos, ele cria com a mesma velocidade os anticorpos.

Há pouco, a sra. tangenciou o tema da Copa do Mundo no Brasil. Qual a sua opinião sobre esse tema? #NãoVaiTerCopa é algo a ser defendido?

O "Não-Vai-Ter-Copa" deixa irada a direita, a esquerda clássica e o governo ao seu simples enunciado. Eles e a mídia corporativa vão errar de novo, como erraram feio no inicio das manifestações em junho de 2013, com a histeria repressora e condenatória. O #NãoVaiTerCopa alarga o campo da democracia ao explicitar o dissenso, ao arriscar pensar diante de um fato consumado e de um processo que colocou os interesses empresariais, lobbystas e midiáticos acima dos direitos básicos. Vai ter Copa sim, mas não vai ter a Copa sonhada pela polícia de ordenamento e pelo ufanismo e desenvolvimentismo ultrapassado.

Os “idiotas da objetividade”, como dizia Nelson Rodrigues, são os que não conseguem ver que pós-junho de 2013 o Brasil provou que não existe incompatibilidade entre torcer pelo Brasil no futebol e fazer política. Ou seja, Vai Ter Copa e Não Vai Ter Copa. Particularmente vou torcer e participar para que ocorram manifestações e vou torcer pelo Brasil em campo. Essa é uma das formas de consolidar e aprofundar a jovem e provocativa democracia brasileira.

Tivemos um beijo gay numa novela global, casamento entre homossexuais é defendido abertamente por jornais, novas formações familiares passaram a ser aceitas. Já podemos comemorar ou ainda falta muito para termos uma sociedade mais tolerante?

O beijo gay na novela global faz parte das expressões da luta por direitos e narrativas afetivas novas. Em terra de Marco Feliciano, o beijo gay é político, é “fashion”, mas ainda estamos muito aquém de uma cultura não homofóbica, não racista, menos patriarcal e machista, ou que aceite a autonomia e liberdade das mulheres.O gay família, a lésbica fashion, o traveco amigo, os homens, as mulheres, os jovens, só têm um destino: o amor romântico em casal. Tabu é ter um relacionamento livre e autônomo. Está faltando um Nelson Rodrigues, mas um Lars von Trier também serviria, para fazer a narrativa dos novos tempos e nos atualizar de nós mesmos.

A sra. citou a necessidade de uma sociedade menos patriarcal e machista.

A mulher continua tendo muito mais obrigações do que direitos. Os homens continuam em pânico com a autonomia das mulheres. Um dia sexo vai ser considerado modalidade esportiva e prostituição (masculina e feminina), serviço e profissão de utilidade pública. Essa era uma das causas da Gabriela Leite, mulher e ativista admirável que criou a ONG Davida e a grife Daspu e morreu aos 62 anos. Moça de classe média que escolheu ser puta.O deputado Jean Wyllys apresentou no Congresso o projeto dela, que regulamenta a atividade dos profissionais do sexo. Uma causa que vale uma vida. E além dos evangélicos e cristãos ainda tem feminista que é contra regulamentar a profissão.

Tomo esse exemplo para dizer que as lutas das mulheres passam por aceitar essas diferenças. Admiro as meninas do funk que ressignificaram o feminismo nas favelas, ao fazerem a crônica sexual a quente da periferia de forma explícita, como Tati Quebra Barraco, que considero uma Leila Diniz dos novos tempos. Há os que pensam que ao se colocarem como protagonistas da cena sexual, as meninas do funk só ocupam o lugar de poder dos homens. Na verdade, é um discurso radical de autonomia e de liberdade que, vindo das mulheres, subvertendo o sentido de “cachorras” e “popozudas”, coloca o preconceito e o machismo de ponta cabeça. Vivemos um tempo difícil, mas apaixonante.

A educação no Brasil melhorou ou piorou durante a administração petista?

Melhorou e muito. Não tem comparação os investimentos que foram feitos na educação pública e nas universidades públicas no governo do PSDB e na administração do PT. Fiz concurso público e comecei a dar aulas na UFRJ no governo de FHC e foram 8 anos de sucateamento com as universidades à míngua. O governo Lula reinvestiu nas universidades públicas criando 14 novas universidades federais e 100 campi pelo interior do país e também investiu fortemente nas Escolas Técnicas e Institutos Federais. O programa do Reuni de reestruturação do espaço físico, expansão das vagas e criação de novos cursos foi vital para as universidades federais. Só a Escola de Comunicação ampliou em mais de 30 o número de professores por concurso público, ampliou vagas, contratou-se técnicos etc. Claro que existem problemas nessa expansão, mas foi decisiva e mudou o cenário radicalmente.

Outras duas ações decisivas foram o Prouni (que abriu 700 mil vagas para jovens nas universidades particulares) e as cotas raciais e sociais, que trouxeram novos sujeitos sociais, vindos das camadas populares, para dentro da universidade. Ao contrário dos que temiam os defensores de uma abstrata “meritocracia”, que o nível de ensino iria “cair”, que iria se “nivelar por baixo” para atender aos pobres, os cotistas surpreenderam e o que estamos vendo é o contrário. A disputa na produção do conhecimento feita por novos sujeitos políticos. Poderia ainda falar do Enem que articulou a entrada unificada para a rede de universidades públicas. Hoje recebemos na ECO estudantes de todo o Brasil.

Sobre o ensino básico e fundamental acompanhei alguns debates e desafios enormes que precisam ser enfrentados, entre eles o fato da escola fordista e disciplinar, a “creche da tia Teteca”, o ensino sem corpo, sem desejo, sem participação dos estudantes ter se tornado obsoleto e ineficaz. O desafio de diminuir drasticamente o analfabetismo no país passa não só por mais investimento na carreira e salário dos professores, mas por uma mudança de mentalidade, não dá mais pra insistir no modelo da decoreba e do “vovô viu a uva” num contexto de ampliação de repertórios e de universalização da cultura digital, em que oralistas dominam, sem passar pelo letramento, a cultura audiovisual e digital.

A sra. votou em Dilma Rousseff? Qual a sua avaliação do primeiro governo dela?


Votei na presidenta Dilma esperando uma radicalização e aprofundamento das políticas iniciadas no governo Lula, mas o círculo virtuoso se rompeu em diferentes pontos. Tivemos retrocessos absurdos nas políticas culturais, enfraquecimento do Programa Cultura Viva, que deu protagonismo à produção dos Pontos de Cultura, vinda das bordas e periferias, retrocesso no diálogo com os movimentos sociais e culturais. O Brasil que estava na vanguarda de alguns processos, com a estabilidade econômica e emergência de novos sujeitos sociais e políticos pós-redistribuição de renda, apresenta uma reconfiguração do campo conservador, minando todo um capital simbólico e real construído.

Estou falando de projetos engavetados como a Reforma da Lei dos Direitos Autorais, os retrocessos no Marco Civil para a Internet, a Lei Geral das Comunicações, obsoleta e concentracionista, que continua intocável, o plano de barateamento e universalização da Banda Larga pífio, o retrocesso no Código Florestal, a inexistência de propostas para a legalização do aborto e legalização das drogas. O projeto nacional-desenvolvimentista, fordista, da presidenta Dilma, que investe em automóvel, hidrelétrica, petróleo, passando por cima da maior riqueza brasileira, que é seu capital cultural, ferindo direitos, destruindo o meio-ambiente, é insustentável. O maior paradoxo do desenvolvimentismo é querer transformar a cosmovisão indígena, a produção da periferia, em “commodities”, faturar a riqueza cultural, vender as favelas e sua cultura como pitoresco, os indígenas como exóticos, a carne negra como produto desejável e fashion, mas deixar isolados e sem autonomia esses mesmos sujeitos políticos, destituídos dos seus direitos, assujeitados, ou tornados corpos dóceis.

Nesse momento, continuo filiada ao PT, partido para onde entrei em 2011, no auge da crise do Ministério da Cultura, com a nomeação catastrófica da ministra Ana de Hollanda. Entrei para criticar e disputar de dentro avanços nas políticas públicas e para discutir as novas relações de poder nas cidades, a emergência do trabalho informal e do precariado em diferentes campos, a produção social que é a nova força de transformação dentro do próprio capitalismo e para pensar a cidade e a sociedade que queremos. 

O governo Dilma é sustentado hoje por uma coalizão conservadora. Então oscilo entre o hiperativismo pessimista (não vai avançar, mas vamos tensionar ao máximo) e o otimismo crítico, que vai guinar para esquerda, sob a pressão das ruas.

É com angústia que vejo o PT, partido com a maior base social do Brasil, abandonar pautas e avanços históricos. Por isso, estou no PT criticando de dentro, mas, ao mesmo tempo, faço parte do conselho do mandato do deputado Jean Wyllys, parlamentar extraordinário. E votei em Marcelo Freixo, ambos do PSOL. Acredito cada vez mais em frentes suprapartidárias em torno das pautas e questões que nos interessam e na transformação dos partidos e do Estado em redes de colaboração e num Estado-Rede, co-gerido pela sociedade.

Vejo a democracia direta e participativa como horizonte da política, mas enquanto isso, luto para que o atual sistema partidário, inclusive o governo Dilma, incorpore as pautas e questões urgentes que emergiram nas ruas. Temos que sair do infantilismo político e purista que é o compromisso atávico com o inviável, pois a governança e a democracia direta vão brotar da remediação e ruptura com o atual sistema partidário. Votando ou não votando no PT, as ruas são ingovernáveis e temos que lutar contra a financeirização da vida.

quarta-feira, 26 de março de 2014

A BORBOLETA

Humberto de Campos (1886-1934)


I

Vendo o céu limpo e calmo, e o sol brilhando
No alto azulado, trêfega e vadia,
Vê-lo de perto, lépida, bailando,
Quis uma flava borboleta, um dia.

E abrindo as asas trêmulas e alando
O corpo frágil dentre a ramaria
Rociada, as moitas e os rosais deixando,
– Qual uma leve pétala erradia, –

Na onda do vento que a arrebata e anima,
Rodopiando, festiva e tonta, pelas
Vagas de ouro, e a embalar-se Altura acima,

– Ei-la em busca do Sol, de asas expertas,
Julgando o louro apagador de estrelas
Uma rosa de pétalas abertas!

II

E sobe. Uma ave, no veloz violino
De ouro da argêntea e módula garganta,
Vendo-a no alto bailar, ensaia um trino
Mavioso e claro, as penas riça, e canta...

E ela, travessa e esbelta, entre o ouro fino
Da luz dourada, que na altura a encanta
E a inebria, mergulha, e o pequenino
Corpo acima das árvores levanta:

Enquanto embaixo, tímida e pequena,
Uma flor, dentre a rórida ametista
Da folhagem, com as pétalas lhe acena,

Ao ver que o Sol, com as coruscantes brasas
Do olhar dourado, vai tirar-lhe a vista,
E, entre os astros, no céu, prender-lhe as asas!

III

E ei-la no Azul. O Sol o Azul tauxeia.
A luz gloriosa, numa loura chama,
Se alastra. Uma harpa ma Amplidão gorjeia
E harmonias orfeônicas derrama...

E tudo busca a borboleta! Cheia
De amor e de ânsia, fulgurando, a trama
De ouro do Sol a envolve; o vento ondeia,
E sopra, e, em festa, buliçoso, brama!

E ei-la vencida pelo Sol que a embriaga
E a doura: envolta no fulgor faiscante
Da luz que os vastos páramos alaga!

Tonta e perdida! enquanto o vento arpeja
E canta e sopra e a leva, e a luz, brilhante
E forte, a cega, e, num delírio, a beija!...

IV

Minha senhora:
            Semelhante àquela
Borboleta que, o Azul buscando, alada
Ficou na altura, tímida e amarela,
– Como uma viva pétala assustada, –

Minh’alma, vendo a enganadora estrela
Do amor fulgindo em vosso olhar, em cada
Pupila vossa, em alvoroço, pela
Luz, subiu a essa abóboda estrelada.

E subiu tanto, alvoroçada, e tanto
Se deslumbrou na célere subida,
Que, deslumbrada e extática de espanto,

Longe da Vida, de híspidos abrolhos,
Ficou bailando, trêmula, perdida
No luminoso céu dos vossos olhos!


CAMPOS, Humberto de. Poesias Completas. São Paulo: Opus, 1983. p.130-133
* Fotografia de Sérgio Guerreiro

segunda-feira, 24 de março de 2014

MINHAS FÉRIAS

Leila Jalul


Se eu fosse autoridade na área educacional, em definitivo, baixaria um decreto proibindo que no primeiro dia de aula, apenas para matar a má vontade de alguns professores, fosse pedida a eterna redação "Minhas férias". Proibiria outras coisinhas banais que se repetem ano após ano, deixando crianças com o emocional no chão. Porém, como não sou autoridade e nunca serei, apenas sugiro. Ocorre com frequência ver crianças órfãs tendo que desenhar corações e cartões para pais e mães que não existem mais. Não por insensibilidade dos professores, mas muito por orientação da própria escola. Turmas grandes, salários baixos e outras dificuldades não deixam às vezes nem que o próprio professor se aperceba desses "pequenos" detalhes.

Volta às aulas: tema livre para as redações. Dia dos pais e das mães, atividades que envolvam quem os tenha, ou não. Essas seriam algumas das providências que eu tomaria. Sempre deixo claro o respeito às exceções. Foi na terceira ou quarta série do antigo primário que me vi numa saia justa. O dia anterior tinha sido uma desgraceira só, pior do que os outros dias. E lá estava eu com o cabeçalho prontinho. Caderno de papel almaço pautado, letra bonita treinada no livro de caligrafia. O tempo passando e não saía uma linha. Roía a cabeça do lápis, quebrava a ponta de tanta força, de tanto ódio, apontava, testava. Roía de novo o lápis de pau-brasil, mastigava um pouco de grafite, cuspia a seco. E nada. Enquanto isso, as meninas iam de vento em popa. Umas contavam da Fazenda Araripe, outras de pescarias, outras de passeio de batelão, festas de aniversário, Natal... E eu, nada! Até que resolvi não ficar para trás e mandei ver.

Redação
Minhas férias

Minhas férias foram iguais às outras. Nada de novo. Mamãe trabalhando que nem doida na loja de vovô. Irritada, quase todos os dias me dava uma surra porque eu não tinha feito o que ela mandava. Esqueci de cortar os gravetos para acender o fogareiro e, quando fui buscar, tinha chovido e os paus estavam todos molhados. Também esqueci de tirar a roupa do varal e pegou chuva por dois dias seguidos. Ficou fedida, com cheiro de manipueira azeda. Apanhei de novo, desta vez com o pedaço de taquara que levantava o varal, porque, além de molhar a roupa, ainda arrastou no chão e melou de barro. Outro dia foi horrível, papai chegou de porre, como terno de linho todo manchado de batom das quengas da 6 de Agosto. Mamãe quase deu nele.
- Vagabundo! A estas horas? Ele, nem ligava, e só dizia:
- Calma, mulher. Calma.
Deitou com os pés sujos de lama na colcha bordada e dormiu. Foram assim quase todos os dias de minhas férias. Mas, ontem, ontem foi pior. Teve uma briga na esquina lá de casa. Briga feia! A Chica Tolete, possuída pelo bicho preto (não falo o nome dele), subiu num caminhão e foi preciso chamar a polícia. Ela bateu nuns dez soldados até passar o encosto e ser presa. Foi assim. E hoje estou muito feliz por ser o primeiro dia de aula.

Reli, para ver se faltava alguma coisa. Mas, para falar a verdade, fiquei com vergonha. Amassei o papel e escrevi outra.

Redação
Minhas férias

Minhas férias foram ma-ra-vi-lho-sas! Passeei muito, pesquei, andei de barco no açude do pai da Laélia, Seu Joaquim Francisco, lá na Estação Experimental. Tomei muito banho com os meninos. E vovó ainda deixou eu usar uma bombacha da minha irmã. Depois do almoço, que foi buchada de carneiro, Dona Joanita mandou eu brincar com as bonecas de pano da Savitre, irmã da Laélia. Num domingo, papai, homem direito, que não fuma, não bebe, não joga e nem é namorador, me pegou pela mão e me levou para a praça do Quartel. Conversamos muito. Depois me prometeu uma boneca no Natal. Uma que fala, ele disse. Não ganhei a boneca, mas tá bom. Sei que ele é um homem de palavra, e, quem sabe, um dia dá. Não é mesmo?

Minha mentira de nada adiantava. A professora Iranira sabia, e como sabia, que a verdadeira redação estava amassada no chão. Ganhei um “ÓTIMO!” de menção. E uma piscadela de aprovação.


JALUL, Leila. Suindara. Fortaleza: Expressão Gráfica e Editora Ltda, 2007. p.52-54

AS CISMAS DO DESTINO (excerto)

Augusto dos Anjos (1884-1914)


Escarrar de um abismo noutro abismo,
Mandando ao Céu o fumo de um cigarro,
Há mais filosofia nesse escarro
Do que em toda a moral do cristianismo!


ANJOS, Augusto dos. Toda a poesia de Augusto dos Anjos. Rio de Janeiro: José Olympio, 2011. p.105

domingo, 23 de março de 2014

MÚSICA DE CÂMARA

James Joyce (1882-1941)


Gentil senhora, não me cante
Canções tristes, de amor que acaba;
Deixe pra lá a tristeza; cante
Como esse amor tão breve basta.

Cante o longo torpor de amor
De amantes mortos, lado a lado,
E como, em sua cova, o amor
Vai repousar. Está cansado.


JOYCE, James. Música de câmara. Tradução de Alípio Correia de Franca Neto. São Paulo: Iluminuras, 1998. p.105 (poema XXVIII)

MARCHA À RÉ: REGRESSÃO SEMPRE É POSSÍVEL, MAS É DOENÇA MENTAL!

CARNAVAL FORA DE ÉPOCA PEDE A VOLTA DOS MILITARES AO PODER
Vão dizer que a chamada Marcha era uma manifestação a favor da volta dos militares ao poder, mas aquilo tudo era engraçado demais pra ser levado a sério.

Roberto Brilhante

Este 22 de março foi carnaval fora de época em São Paulo. Cerca de mil ou duas mil pessoas se reuniram na Praça da República entoando marchinhas antiquadas, acompanhadas de cornetas militares e vestindo fantasias muito criativas. Alguns vão dizer que a chamada “Marcha da Família com Deus pela Liberdade” era uma manifestação a favor da volta dos militares ao poder, mas aquilo tudo estava engraçado demais pra ser levado a sério.
Passista (foto: Roberto Brilhante)


A música do trio elétrico na forma de caveirão foi bastante entediante: tocaram o hino nacional incessantemente, só mudando às vezes para uma versão forró, bem mais divertida, mas que os passistas sempre gritavam para que fosse tirada, afinal, acho que aquela brincadeira de desfile militar não combinava muito com um xote do hino. E tinha fantasia para todos os gostos: de padre, de latifundiário, e até de velhinhas e velhinhos moralistas da Marcha ocorrida há 50 anos (e um cheiro estranho denunciava que, de fato, alguns participaram da antiga marcha e vivem desde de então conservados e conservadas em grandes banheiras de formol).
Caveirão Trio-Elétrico (Foto: Roberto Brilhante)


O governo de São Paulo pagou para que muitos policiais participassem do carnaval devidamente fardados e armados. Eles não entoavam as marchinhas contra o comunismo e o PT, mas sambavam um samba do coturno ao som dos cânticos dos manifestantes que cantavam “queremos militares protegendo o Brasil.”
Polícia participou do desfile (foto: Roberto Brilhante)


Os cartazes pareciam saídos dos comentários reacionários dos portais de notícias: “Dilma Vá pra Cuba que a Pariu”; “Pelo Fim da Comissão da Verdade”; “Contra a Ditadura (!!!) na Internet: Não ao Marco Civil”; “fora urna eletrônica”; “Nossa Senhora, Salvai-nos do Comunismo.” Tudo isso arrancava gargalhadas de alguns cidadãos que estavam pelas ruas, mas que cobriam a boca com receio dos passistas fardados e/ou fantasiados.
Passistas também cantaram a oração católica "ave Maria" (foto: Roberto Brilhante)


Uma figura icônica da internet estava lá também, Leonardo Sakamoto caminhou tranquilamente (ou não tão tranquilamente assim) entre os passistas. Um grupo de carecas mal encarados maldiziam o jornalista, ao que perguntei, como se não soubesse quem era:
- Quem é o japonês de óculos do Matrix?
- É o Sakamoto, aquele porco comunista que anda de Ferrari.
Sakamoto foi perseguido pelas trombetas do apocalipse militar (foto: Roberto Brilhante)


Enfim, continuemos. Perguntei ao motorista do trio-elétrico-caveirão em quem ele havia votado na última eleição, ao que ele me respondeu, com um sotaque nordestino e um sorriso cúmplice no rosto “não votei em ninguém…” Os passistas pareciam não entender porque o povo continua a votar nos “comunistas”, que ao que as pesquisas indicam têm grandes chances de vencerem as eleições presidenciais no primeiro turno.
Pa(fa)ssistas (foto: Roberto Brilhante)


Como diria o velho Bukowski “as pessoas saem do pátio do colégio, mas o pátio do colégio não sai de muitas pessoas”, e o carnaval de hoje em São Paulo mostrou como muitos ainda criam fantasmas de comunistas comedores de criancinhas para neles projetar suas frustrações da mais tenra infância. E ainda bem que hoje, ao que tudo indica, podemos gargalhar disso.

Mais fotos:
Vai tomar no... nem todo mundo achou esse carnaval tão engraçado (foto: Roberto Brilhante)














Só para conversão à esquerda (foto: Roberto Brilhante)
Há quem diga que os militares estão saindo da linha (foto: Roberto Brilhante)
Perigo à esquerda (Foto: Roberto Brilhante)



Créditos da foto: Roberto Brilhante
p.s. o título da postagem é de Paulo Suess, um padre, de fato, comprometido com o Evangelho e a causa social.