Leila Jalul
Toda noite a mesma coisa.
– Madrinha Otília, estou com uma dor de
cabeça de lascar. Dói até o caroço do olho!
– Deite, minha filha, feche os olhos, reze e
peça para Nossa Senhora do Perpétuo Socorro que afaste essa dor e será
atendida.
Meia hora depois, nada!
– Madrinha, a dor tá piorando.
– Ô, minha filha, o que eu faço? Sua regra já
veio?
– Não.
– Ainda não? Então é isso!
– Leila, Lígia, quem tá acordada? Vão ali e
ponham 40 gotas de elixir paregórico para a Anita.
E essa cantilena enfadonha e verdadeira se
repetia noite após noite. A dor da Anita não deixava ninguém dormir. Era deitar
e esperar.
– Madrinha?
Falava logo pra minha irmã:
– Levanta, porra! Hoje é tua vez. Pinga 50
gotas que passa logo.
– Vó, não tem mais elixir. Quê que eu dou?
– Minha filha, dentro da gaveta do meio, do
criado da esquerda, bem no cantinho, tem uma caixa de Cibalena. Pegue uma, meio
copo d’água e dê pra Anita.
Deixa eu lembrar: na gaveta esquerda do
criado do meio, bem na frente, tem umas cibalenas. Dê que passa!
Passei a mão, peguei aquela bolotinha.
– Toma, Anita. Toma essa merda e vê se dorme!
Ela ainda gemeu uns 10 minutos e parou.
– Ana, passou?
– Tá quase.
E dormiu.
É preciso dizer que não tinha luz, o
candeeiro ficava bem baixinho, quase apagado e trepado no alto. Tudo para não
gastar querosene e menino não alcançar.
Já com sol claro, minha irmã descobriu que a
Cibalena não passava de um pequeno botão. Pronto!
A partir desse dia, nossa paciente nunca mais
reclamou. Ao primeiro sinal (minha irmã colocou a caixinha de botão debaixo da
cama), um comprimido de madrepérola de Cibalena com meio copo d’água.
– Já? Vamos dormir?
A "piula" era tão boa que de manhã
cedo só se ouvia a voz da nega cantando enquanto lavava a louça no jirau:
"Será que tu
recordas como eu
Aquele tempo tão
feliz
Quando o destino bom
então
Meu deu tudo o que
quis
………………………………
A cerejeira em flor
que tu gostavas de olhar
É companheira da dor
do meu amor".
JALUL, Leila. Suindara. Fortaleza: Expressão Gráfica e Editora Ltda, 2007. p.26-27
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