domingo, 13 de abril de 2014

ANA DO BOTÃO

Leila Jalul


Toda noite a mesma coisa.

– Madrinha Otília, estou com uma dor de cabeça de lascar. Dói até o caroço do olho!

– Deite, minha filha, feche os olhos, reze e peça para Nossa Senhora do Perpétuo Socorro que afaste essa dor e será atendida.

Meia hora depois, nada!

– Madrinha, a dor tá piorando.

– Ô, minha filha, o que eu faço? Sua regra já veio?

– Não.

– Ainda não? Então é isso!

– Leila, Lígia, quem tá acordada? Vão ali e ponham 40 gotas de elixir paregórico para a Anita.

E essa cantilena enfadonha e verdadeira se repetia noite após noite. A dor da Anita não deixava ninguém dormir. Era deitar e esperar.

– Madrinha?

Falava logo pra minha irmã:

– Levanta, porra! Hoje é tua vez. Pinga 50 gotas que passa logo.

– Vó, não tem mais elixir. Quê que eu dou?

– Minha filha, dentro da gaveta do meio, do criado da esquerda, bem no cantinho, tem uma caixa de Cibalena. Pegue uma, meio copo d’água e dê pra Anita.

Deixa eu lembrar: na gaveta esquerda do criado do meio, bem na frente, tem umas cibalenas. Dê que passa!

Passei a mão, peguei aquela bolotinha.

– Toma, Anita. Toma essa merda e vê se dorme!

Ela ainda gemeu uns 10 minutos e parou.

– Ana, passou?

– Tá quase.

E dormiu.

É preciso dizer que não tinha luz, o candeeiro ficava bem baixinho, quase apagado e trepado no alto. Tudo para não gastar querosene e menino não alcançar.

Já com sol claro, minha irmã descobriu que a Cibalena não passava de um pequeno botão. Pronto!

A partir desse dia, nossa paciente nunca mais reclamou. Ao primeiro sinal (minha irmã colocou a caixinha de botão debaixo da cama), um comprimido de madrepérola de Cibalena com meio copo d’água.

– Já? Vamos dormir?

A "piula" era tão boa que de manhã cedo só se ouvia a voz da  nega  cantando enquanto lavava a louça no jirau:

"Será que tu recordas como eu
Aquele tempo tão feliz
Quando o destino bom então
Meu deu tudo o que quis
………………………………
A cerejeira em flor que tu gostavas de olhar
É companheira da dor do meu amor".

JALUL, Leila. Suindara. Fortaleza: Expressão Gráfica e Editora Ltda, 2007. p.26-27
> Leia aqui outros textos de Leila Jalul.

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