segunda-feira, 14 de abril de 2014

AS DIRETRIZES DO PLANO NACIONAL DE EDUCAÇÃO E A QUESTÃO DA IGUALDADE

Inês Lacerda Araújo


Em recente debate acerca das diretrizes do PNE sobre a promoção da igualdade via educação, Toni Reis (Gazeta do Povo) defende o plano original, o de que esse objetivo seria alcançado pela "promoção da igualdade racial, regional, de gênero e de orientação sexual".

Problema: como ser igual se é preciso respeitar as diferenças entre gêneros, se a própria orientação sexual deve ser vista como permitindo que sejam seguidas sem discriminação, se ser mulher é algo de que nos devemos orgulhar, como, repito, esse justo realce nas diferenças pode ser compatibilizado com igualdade?

A igualdade jurídica e política pertence à esfera legal, constitucional. Já está assegurada.

Mas não é possível haver igualdade nas expressões de si, de seus gostos, desejos, orientações. Nesta esfera, o que deve e precisa ser respeitado e compreendido, são os estilos de vida diversificados.

Na outra ponta, e contrário a esses propósitos na educação, Paulo Vasconcelos Jacobina acusa Foucault, Freud e Lacan, de serem os inspiradores dessa política que vê o lado da opressão e não o da educação para a ciência, para a cidadania, e que cultua aqueles pensadores os quais, segundo ele, se prestam apenas para denunciar toda sorte de opressão e investem em "educação de 'vanguarda' sexual".
Errado também.

Se pedagogos fazem uso inadequado e mesmo errôneo de noções e conceitos de Foucault, Freud e Lacan, é porque desconhecem suas ideias.

Tomemos o caso de Foucault. A desculpa para o desconhecimento e mau uso de seus escritos, aparece invariavelmente sob o manto acusatório de ser "pensador da moda".

Que moda duradoura é essa!

Em nenhuma obra, entrevista, curso Foucault defende a igualdade, nem que é dever educacional promover a igualdade de orientação sexual.

Entre outros objetivos, Foucault é um analista, um historiador do presente, isto é, de como práticas diversas instituídas e/ou inventadas em épocas históricas determinadas, constituíram esse homem, esse sujeito, esse indivíduo moderno. Ele inventariou as mudanças históricas que resultaram, por exemplo, no indivíduo político, produtor, que precisa ser vigiado e punido para que governos usufruam do trabalho, produção, produtividade como se exige tanto hoje em dia; desse modo, é possível governar com menos aparatos, policiais inclusive. População governável, depois do século 18, saudável, mantida em mínimas condições vitais de saúde; ditaduras de direita como de esquerda precisam dela, tanto quanto democracias.

Foucault investigou como resultamos em indivíduos encaixáveis, submissos, mas não tem um discurso político pronto para que nos libertemos da opressão, seja ela qual for.

Até mesmo a sexualidade moderna resulta de práticas, discursos, aparatos médicos, psicológicos, psiquiátricos que moldaram a relação com o sexo e deram novo sentido às práticas sexuais. Não mais o foco nos prazeres, na fruição e sim na relação de si com o desejo, com o desejo posto sob exame, confessar sua intimidade, colocá-la voluntariamente sob o escrutínio de algum ouvido sábio...

E esse indivíduo moderno está aí, policiado, tutelado, examinado, investigado por questionários e enquetes, que cada vez mais confessa seus desejos sob o crivo da ciência especializada.

Voluntariamente se orna com aparelhos que medem tudo o que ele faz. Se corre, quer saber das batidas do coração, não para prevenir alguma doença cardíaca (que também está sob vigilância) e sim para aumentar sua performance. Sofisticados rastreadores de atividade esportiva acoplados ao corpo operam uma "verdade" utilizável.

Como diz Foucault, esse domínio cada vez mais fechado sobre o corpo, sobre a sexualidade, permite ao Estado funcionar otimamente, com menos rebeliões.

Então Foucault não tem nenhuma mensagem aos jovens educandos?
Abram os olhos!

PS: desconheço lições de rebeldia contra a "opressão" por parte de Freud e Lacan...


INÊS LACERDA ARAÚJO - filósofa, escritora e professora aposentada da UFPR e PUCPR.

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