Inês Lacerda Araújo
Em recente debate acerca das diretrizes do
PNE sobre a promoção da igualdade via educação, Toni Reis (Gazeta do Povo)
defende o plano original, o de que esse objetivo seria alcançado pela
"promoção da igualdade racial, regional, de gênero e de orientação
sexual".
Problema: como ser igual se é preciso
respeitar as diferenças entre gêneros, se a própria orientação sexual deve ser
vista como permitindo que sejam seguidas sem discriminação, se ser mulher é algo
de que nos devemos orgulhar, como, repito, esse justo realce nas diferenças
pode ser compatibilizado com igualdade?
A igualdade jurídica e política pertence à
esfera legal, constitucional. Já está assegurada.
Mas não é possível haver igualdade nas expressões
de si, de seus gostos, desejos, orientações. Nesta esfera, o que deve e precisa
ser respeitado e compreendido, são os estilos de vida diversificados.
Na outra ponta, e contrário a esses
propósitos na educação, Paulo Vasconcelos Jacobina acusa Foucault, Freud e
Lacan, de serem os inspiradores dessa política que vê o lado da opressão e não
o da educação para a ciência, para a cidadania, e que cultua aqueles pensadores
os quais, segundo ele, se prestam apenas para denunciar toda sorte de opressão
e investem em "educação de 'vanguarda' sexual".
Errado também.
Se pedagogos fazem uso inadequado e mesmo
errôneo de noções e conceitos de Foucault, Freud e Lacan, é porque desconhecem
suas ideias.
Tomemos o caso de Foucault. A desculpa para o
desconhecimento e mau uso de seus escritos, aparece invariavelmente sob o manto
acusatório de ser "pensador da moda".
Que moda duradoura é essa!
Em nenhuma obra, entrevista, curso Foucault
defende a igualdade, nem que é dever educacional promover a igualdade de
orientação sexual.
Entre outros objetivos, Foucault é um
analista, um historiador do presente, isto é, de como práticas diversas
instituídas e/ou inventadas em épocas históricas determinadas, constituíram
esse homem, esse sujeito, esse indivíduo moderno. Ele inventariou as mudanças
históricas que resultaram, por exemplo, no indivíduo político, produtor, que
precisa ser vigiado e punido para que governos usufruam do trabalho, produção,
produtividade como se exige tanto hoje em dia; desse modo, é possível governar
com menos aparatos, policiais inclusive. População governável, depois do século
18, saudável, mantida em mínimas condições vitais de saúde; ditaduras de
direita como de esquerda precisam dela, tanto quanto democracias.
Foucault investigou como resultamos em indivíduos
encaixáveis, submissos, mas não tem um discurso político pronto para que nos
libertemos da opressão, seja ela qual for.
Até mesmo a sexualidade moderna resulta de
práticas, discursos, aparatos médicos, psicológicos, psiquiátricos que moldaram
a relação com o sexo e deram novo sentido às práticas sexuais. Não mais o foco
nos prazeres, na fruição e sim na relação de si com o desejo, com o desejo
posto sob exame, confessar sua intimidade, colocá-la voluntariamente sob o
escrutínio de algum ouvido sábio...
E esse indivíduo moderno está aí, policiado,
tutelado, examinado, investigado por questionários e enquetes, que cada vez
mais confessa seus desejos sob o crivo da ciência especializada.
Voluntariamente se orna com aparelhos que
medem tudo o que ele faz. Se corre, quer saber das batidas do coração, não para
prevenir alguma doença cardíaca (que também está sob vigilância) e sim para
aumentar sua performance. Sofisticados rastreadores de atividade esportiva
acoplados ao corpo operam uma "verdade" utilizável.
Como diz Foucault, esse domínio cada vez mais
fechado sobre o corpo, sobre a sexualidade, permite ao Estado funcionar
otimamente, com menos rebeliões.
Então Foucault não tem nenhuma mensagem aos
jovens educandos?
Abram os olhos!
PS: desconheço lições de rebeldia contra a
"opressão" por parte de Freud e Lacan...
* INÊS LACERDA ARAÚJO - filósofa, escritora e professora aposentada da UFPR e PUCPR.
* INÊS LACERDA ARAÚJO - filósofa, escritora e professora aposentada da UFPR e PUCPR.
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