quinta-feira, 23 de abril de 2015

HISTÓRIAS DE TARAUACÁ: a Revolução Acreana e o tenente Luiz Sombra

O texto abaixo foi retirado do livro “Dez anos no Amazonas (1897-1907)”, capítulo XII, escrito pelo paraibano de Patos Alfredo Lustosa Cabral (1883-1960), publicado pela primeira vez em 1949, com uma segunda edição em 1984, sob os auspícios do então senador Jorge Kalume. Alfredo viveu esses dez anos no Seringal Redenção, no Alto Tarauacá, que era propriedade de seu irmão Silvino Lustosa Cabral. Esse relato é interessantíssimo pela riqueza de detalhes, lugares e personagens a que se refere o autor. É um trabalho como poucos para a história de Tarauacá.
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Com a notícia das vantagens de Redenção, o povoamento se intensificou de rio acima, por toda parte. O cearense atrevido assenhoreou-se até às cabeceiras. Alguns deixaram a vida naqueles confins de mundo em troca de umas quinze ou vinte curvas do rio já transformado em igarapé. Pouco importava que morressem, outros lhes iriam suceder. Era preciso engrandecer, dilatar a superfície da Pátria e assim evitar que o peruano surgisse pela divisão das águas no Urubamba e se apossasse primeiro. Por isso morria um e chegava cinco para o substituir.

Para um aumento de revezes estourara no rio Acre a luta do seringueiro com a Bolívia, encabeçada por Plácido de Castro. O governo cruzou os braços sem o menor auxílio, sem enviar pelo menos um paneiro de farinha e uma saca de açúcar para a chibé daquela gente.

As praças de Manaus e de Belém, que tinham seus capitais espalhados naquele rio, viram-se forçadas a socorrer e ajudar, clandestinamente, com munição de boca e guerra o seringueiro que, num ímpeto de rebeldia cívica, insurgira-se não consentido o estrangeiro tomar pé em suas terras.

A luta agravara-se de mais a mais com tendência a periclitar a situação dos brasileiros ou melhor dos cearenses.

Plácido de Castro vendo as coisas um pouco turvas enviou ao Tarauacá um emissário com poderes de requisitar forças dando patente de capitão para os donos de seringal que conduzissem pelo menos vinte homens.

Todo o rio acelerou-se, todo mundo queria ir.

Meu irmão e outros proprietários trataram de organizar elementos combatentes para seguirem à linha de frente.

Íamos sair quando chegou outro emissário para comunicar que as hostilidades haviam cessado com a rendição incondicional dos bolivianos.

Fato curioso é que, naquela época, segundo ouvi dizer – não tenho certeza –, esteve também por lá o “colega” Getúlio Vargas (colega na idade e na espingarda) incorporado às forças do coronel Antônio Olímpio da Silveira,  veterano da Guerra de Canudos, de Antônio Conselheiro, na Bahia. Entretanto os batalhões do coronel não tomaram parte na ativa durante os combates da revolução acreana. Ele, o coronel, lá esteve, de fato, mas para garantir a ordem e as fronteiras.

(justifico chamar Getúlio Vargas de “colega”, porque também estive incorporado a um batalhão de seringueiros, no rio Tarauacá, quando chegaram as notícias da rendição dos bolivianos a 24 de Janeiro de 1903.)

Terminada a guerra, os combatentes proclamaram a independência do rio em República Acreana. Adotaram um pavilhão como símbolo da Pátria e outras coisas mais.

Posteriormente, foi o litígio resolvido a favor do Brasil pela sábia diplomacia do Barão do Rio Branco.

O Governo Federal constituía-se senhor das terras em questão, que dali por diante nem eram República Acreana nem tampouco pertenciam mais ao Estado do Amazonas, e sim ao Brasil. O grande Estado protestou o ato do Governo Federal e constituiu Ruy Barbosa, como advogado. Este abandonou a questão tempos depois.

Ficou criado o Território do Acre com jurisdição própria, independente, abrangendo o Alto Purus, o Juruá e seus tributários com área de cento e noventa e dois mil quilômetros quadrados, conforme dados geodésicos feitos posteriormente, delimitado por uma reta que partia do Rio Abunã, afluente do Madeira, às cabeceiras do Javary. Foram criados os departamentos do Alto Acre, Alto Purus e Alto Juruá. Neste último foi inaugurada, na foz do rio Moa, a cidade de Cruzeiro do Sul, tendo como prefeito o General Gregório Thaumaturgo de Azevedo, que nomeou os tenentes do exército, Guapindaia, delegado do Juruá, e Luiz Sombra, do Tarauacá, com atribuições de resolverem todos os problemas atinentes ao policiamento e negócio dos rios.

Em todos os seringais encontrava-se uma autoridade investida de poderes – o inspetor de Quarteirão. Coube a mim, em Redenção, esse belo emprego. Todas as brigas e encrencas, que surgiam, eram resolvidas pelo Inspetor que, depois, dava conta ao “tenente” dos ocorridos em sua circunscrição.

Desempenhei o cargo por espaço de um mês, passando o exercício a outro.

O Sombra pintou horrores – prisões violentas, humilhações –, causando vexames aos tímidos. Muitos, ao ter notícia de que ele vinha pelo rio, fugiam para o mato. Viajava o delegado em batelão com três soldados apenas.

Quando voltava do alto rio, conduzia dez, doze criminosos para Cruzeiro do Sul.

Andava à paisana. Passando, certa vez, no porto da barraca de um seringueiro, onde o rio era entupido de paus e a custo a canoa passava, desviando-os, o Sombra ralhou áspero com o mesmo por não conservar o rio limpo nesse local.

O seringueiro respondeu-lhe que não era fiscal de rio. Pouco estava se incomodando com o seu entupimento. – Você sabe com quem está falando? Não, porque nesse rio está andando muito vagabundo, respondeu o seringueiro.

O tenente não deu palavra, tocou de rio acima. No primeiro barracão que encostou deu ordem ao Inspetor de Quarteirão para prender o sujeito. Na volta, quero-o preso, disse. O Inspetor foi sozinho à casa do revoltoso conversar sobre o assunto. Este declarou que não se submetia a ninguém.

Mas você desobedeceu à autoridade, aquele senhor é o tenente Luiz Sombra, falou o Inspetor! Não o conheço como tal, passou por aqui um indivídou sem farda agredindo-me, por isso reagi e reajo tantos apareçam, respondeu o seringueiro.

Quando o Sombra chegou, perguntou ao Inspetor: cadê o homem?

Está na barraca e não obedece a ninguém, respondeu. Disse que V. Sa. não estava fardado e o dono da casa era ele.

O tenente vestiu o dolman desceu com seus três homens. Chegando à barraca encontrou a mulher daquele valentão chorando.

Daí a pouco o seringueiro saiu do mato armado até os dentes, dizendo: – Agora reconheço que estou diante de autoridade. Baixou a boca do rifle e entregou-se à prisão.

O seringueiro conhecia a disciplina militar, havia sido soldado na campanha federalista do Rio Grande do Sul.

O tenente Sombra viu que aquele sujeito era de muita fibra.

Relaxou prisão.

Nesse tempo esteve em Redençã o padre Antònio Fernandes. Benzeu a igrejinha e celebrou missa.

Convidou-me, antes, para juadá-lo, respondi que não sabia. O sacerdote oficiou sem o sacristão... Não me envergonhei, pois, das cinquenta e tantas almas que se achavam ali presentes, não se tirava uma que desempenhasse a missão. Não houve batizado, confissão nem casamento. Ali não existia mulher, elemento esse indispensável em toda parte.

Era tio do general Juarez e do atual deputado Fernandes Távora, do Ceará.

Todo dinheiro que ganhava era para educar os sobrinhos. Falava bem a língua dos gentios.


CABRAL, Alfredo Lustosa. Dez anos no Amazonas (1897-1907). Brasília: Gráfica do Senado, 1984. p.53-55

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