quinta-feira, 4 de junho de 2015

A FORMAÇÃO DA SOCIEDADE ECONÔMICA ACRIANA (Introdução)

Eduardo de Araújo Carneiro

Ah! Meus amigos, estão manchadas de lodo
e sangue as páginas da história do Acre.
(Plácido de Castro apud LIMA, 1998, 
p.270, grifo nosso).


Esse livro é uma versão ligeiramente revisada de minha monografia defendida no Curso de Economia da UFAC sob a orientação do ilustríssimo professor Carlos Estevão Ferreira Castelo. Apesar de os professores da banca tê-la avaliado com a nota máxima, alerto que o texto tem suas limitações e não pretende alçar maiores voos. No entanto, mesmo assim, achei oportuno publicá-lo por conta da revisão historiográfica que faz sobre a origem da sociedade econômica¹ acriana. O meu objetivo nesse livro foi estudar a economia praticada pelo homem branco na região dos rios Purus e Juruá durante o surto da borracha (1877 a 1912) e as implicações que ela teve para a formação histórica da sociedade acriana.

A premissa que conduziu esse estudo foi a de que a Economia-Mundo Capitalista, por ser dominada pela lógica do lucro a qualquer custo, produz sociedades marcadas por “patologias sociais” (KEPPE, 1987; FROMM, 1983) ou por “irracionalidades” (SINGER, 1987; HARNECKER, 1979) que serão tratadas aqui pelas metáforas “sangue” e “lodo”. Para tanto, nossa hipótese foi que o “sangue” e o “lodo”, característicos da economia capitalista, foram constituintes da sociedade econômica acriana¹. Isso porque o surgimento dela tem a ver com a inclusão da Amazônia sul ocidental na cadeia mercantil dos países imperialistas. Por isso é que o capital circula em suas “veias” desde a gestação, contaminando-a com patologias congênitas.

Como a formação da sociedade acriana faz parte da história da reprodução ampliada do capital estrangeiro oriundo dos países desenvolvidos, resolvi fazer um breve estudo das principais patologias sociais encontradas no processo de fundação do Acre. Isso não quer dizer que todos os migrantes da região estavam “contaminados” com uma ou mais patologias, apenas quero afirmar que tais patologias foram identificadas e que fazem parte da história da formação da sociedade acriana. Algumas delas são: o genocídio indígena, a invasão de terras, a servidão por dívida, a corrupção política e judiciária, o tráfico de prostitutas, a sonegação fiscal e tributária, a exploração predatória da natureza, dentre outros.

Nessa perspectiva, a primeira geração de acrianos – aquela que a historiografia oficial afirma ser composta por heróis – passa a ser compreendida como aquela responsável pela incorporação da região ao sistema capitalista. Esse posicionamento muda toda uma tradição de interpretação historiográfica fincada na narrativa epopeica do Acre, uma vez que o patriotismo acriano passa a ser entendido como um discurso utilizado para disfarçar as marcas do homo economicus² que existiam nos primeiros acrianos. A “Revolução Acriana” não pode ter sido uma luta contra o imperialismo, já que os fundadores do Acre passam a ser percebidos como “as mãos e os pés” do “império do mal” (PERRAULT, 1999, p. 12). Foram eles e não outros que, na prática, colocaram a região acriana na “esfera de influência” do capital monopolista internacional.

O solo onde estão enterradas as “raízes do Acre” foi adubado com “sangue” e “lodo”. A narrativa epopeica da origem do Acre é uma versão manipulada dos fatos que inventa um passado “glorioso” para dissimular a barbárie constitutiva da sociedade acriana. Tal barbárie foi uma consequência direta tanto do homo economicus² acriano quanto das patologias congênitas de uma sociedade organizada para atender a reprodução ampliada do capital dos países desenvolvidos da Economia-Mundo Capitalista.

Por isso, acredito que a história do Acre, da forma como vem sendo ensinada, em nada contribui para a formação crítica da consciência histórica do povo acriano. Pelo contrário, o passado inventado como epopeico serve tão somente para induzi-lo a uma sensação megalomaníaca, que tem por objetivo deixá-lo alienado e vulnerável a manipulações. Quem mais ganha com a perpetuação desse abuso da história é a elite política local, pois é ela quem canaliza todo o ufanismo para o tempo presente a fim de forjar uma sensação de consenso e de otimismo coletivo.

Esse livro foi dividido em três capítulos. No primeiro, serão analisadas a formação do sistema capitalista e algumas de suas consequências sociais, morais, ecológicas e econômicas. No segundo, será abordada a relação que o capital internacional manteve com a economia gumífera na Amazônia, desde a primeira metade do século XIX até a primeira década do século XX. No terceiro, será estudado as principais “marcas de nascença” do Acre enquanto comunidade de brasileiros inseridos na periferia do sistema econômico capitalista.

Para finalizar, é bom que se diga que os resultados dessa pesquisa não passam de “interpretação de interpretações” (REIS, 2006, p. 73). Portanto, não pretende esgotar o assunto, muito menos apontar o caminho seguro da verdade, pelo contrário, a intenção foi ressuscitar o debate acadêmico sobre as “raízes Acre”, retirando-lhes o manto glorioso do heroísmo e do patriotismo propositalmente atribuídos a elas pelo status quo acriano.

Boa leitura! 

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1 O conceito de “sociedade econômica” foi tomado emprestado do economista Robert Heilbroner (1972). E para efeito de nossa análise, o termo “sociedade econômica acriana” significa aquela sociedade que surgiu na Amazônia sul ocidental em função da produção da borracha demandada pelas economias do centro dinâmico do capitalismo mundial em fins do século XIX e início do XX.
2 Conceito utilizado pelos economistas liberais e neoclássicos para privilegiar a dimensão econômica do comportamento humano. Segundo eles, tal dimensão é caracterizada pelo egoísmo, ou seja, o homem sempre buscará maximizar o prazer e minimizar a dor, obtendo o máximo de bem estar com o menor esforço possível.

*Texto retirado do blog Estudando a História, do autor.

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