Eduardo de Araújo Carneiro
Ah! Meus amigos, estão manchadas de lodo
e sangue as páginas da história do Acre.
(Plácido de Castro apud LIMA, 1998,
p.270,
grifo nosso).
Esse livro é uma versão ligeiramente revisada
de minha monografia defendida no Curso de Economia da UFAC sob a orientação do
ilustríssimo professor Carlos Estevão Ferreira Castelo. Apesar de os
professores da banca tê-la avaliado com a nota máxima, alerto que o texto tem
suas limitações e não pretende alçar maiores voos. No entanto, mesmo assim,
achei oportuno publicá-lo por conta da revisão historiográfica que faz sobre a
origem da sociedade econômica¹ acriana. O meu objetivo nesse livro foi estudar
a economia praticada pelo homem branco na região dos rios Purus e Juruá durante
o surto da borracha (1877 a 1912) e as implicações que ela teve para a formação
histórica da sociedade acriana.
A premissa que conduziu esse estudo foi a de
que a Economia-Mundo Capitalista, por ser dominada pela lógica do lucro a
qualquer custo, produz sociedades marcadas por “patologias sociais” (KEPPE,
1987; FROMM, 1983) ou por “irracionalidades” (SINGER, 1987; HARNECKER, 1979)
que serão tratadas aqui pelas metáforas “sangue” e “lodo”. Para tanto, nossa
hipótese foi que o “sangue” e o “lodo”, característicos da economia
capitalista, foram constituintes da sociedade
econômica acriana¹. Isso porque o surgimento dela tem a ver com a inclusão
da Amazônia sul ocidental na cadeia mercantil dos países imperialistas. Por
isso é que o capital circula em suas “veias” desde a gestação, contaminando-a
com patologias congênitas.
Como a formação da sociedade acriana faz
parte da história da reprodução ampliada do capital estrangeiro oriundo dos países
desenvolvidos, resolvi fazer um breve estudo das principais patologias sociais
encontradas no processo de fundação do Acre. Isso não quer dizer que todos os
migrantes da região estavam “contaminados” com uma ou mais patologias, apenas
quero afirmar que tais patologias foram identificadas e que fazem parte da
história da formação da sociedade acriana. Algumas delas são: o genocídio
indígena, a invasão de terras, a servidão por dívida, a corrupção política e
judiciária, o tráfico de prostitutas, a sonegação fiscal e tributária, a
exploração predatória da natureza, dentre outros.
Nessa perspectiva, a primeira geração de
acrianos – aquela que a historiografia oficial afirma ser composta por heróis –
passa a ser compreendida como aquela responsável pela incorporação da região ao
sistema capitalista. Esse posicionamento muda toda uma tradição de
interpretação historiográfica fincada na narrativa epopeica do Acre, uma vez
que o patriotismo acriano passa a ser entendido como um discurso utilizado para
disfarçar as marcas do homo economicus²
que existiam nos primeiros acrianos. A “Revolução Acriana” não pode ter sido
uma luta contra o imperialismo, já que os fundadores do Acre passam a ser
percebidos como “as mãos e os pés” do “império do mal” (PERRAULT, 1999, p. 12).
Foram eles e não outros que, na prática, colocaram a região acriana na “esfera
de influência” do capital monopolista internacional.
O solo onde estão enterradas as “raízes do
Acre” foi adubado com “sangue” e “lodo”. A narrativa epopeica da origem do Acre
é uma versão manipulada dos fatos que inventa um passado “glorioso” para
dissimular a barbárie constitutiva da
sociedade acriana. Tal barbárie foi
uma consequência direta tanto do homo
economicus² acriano quanto das patologias congênitas de uma sociedade
organizada para atender a reprodução ampliada do capital dos países
desenvolvidos da Economia-Mundo Capitalista.
Por isso, acredito que a história do Acre, da
forma como vem sendo ensinada, em nada contribui para a formação crítica da
consciência histórica do povo acriano. Pelo contrário, o passado inventado como
epopeico serve tão somente para induzi-lo a uma sensação megalomaníaca, que tem
por objetivo deixá-lo alienado e vulnerável a manipulações. Quem mais ganha com
a perpetuação desse abuso da história é a elite política local, pois é ela quem
canaliza todo o ufanismo para o tempo presente a fim de forjar uma sensação de
consenso e de otimismo coletivo.
Esse livro foi dividido em três capítulos. No
primeiro, serão analisadas a formação do sistema capitalista e algumas de suas
consequências sociais, morais, ecológicas e econômicas. No segundo, será
abordada a relação que o capital internacional manteve com a economia gumífera
na Amazônia, desde a primeira metade do século XIX até a primeira década do
século XX. No terceiro, será estudado as principais “marcas de nascença” do
Acre enquanto comunidade de brasileiros inseridos na periferia do sistema
econômico capitalista.
Para finalizar, é bom que se diga que os
resultados dessa pesquisa não passam de “interpretação de interpretações”
(REIS, 2006, p. 73). Portanto, não pretende esgotar o assunto, muito menos
apontar o caminho seguro da verdade, pelo contrário, a intenção foi ressuscitar o debate acadêmico sobre as
“raízes Acre”, retirando-lhes o manto glorioso
do heroísmo e do patriotismo propositalmente atribuídos a elas pelo status quo
acriano.
Boa leitura!
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1
O conceito de “sociedade econômica” foi tomado emprestado do economista Robert
Heilbroner (1972). E para efeito de nossa análise, o termo “sociedade econômica
acriana” significa aquela sociedade que surgiu na Amazônia sul ocidental em
função da produção da borracha demandada pelas economias do centro dinâmico do
capitalismo mundial em fins do século XIX e início do XX.
2
Conceito utilizado pelos economistas liberais e neoclássicos para privilegiar a
dimensão econômica do comportamento humano. Segundo eles, tal dimensão é
caracterizada pelo egoísmo, ou seja, o homem sempre buscará maximizar o prazer
e minimizar a dor, obtendo o máximo de bem estar com o menor esforço possível.
*Texto retirado do blog Estudando a História, do autor.
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