Florentina Esteves
“Arrumando as malas”, demissionária da
Secretaria de Educação e Cultura, já nem indagando mais quem chegava, de onde,
mas bem recomendado, “competente, responsável”. Precisando fazer o inventário
do que recebera, o rapaz me chegava bem na hora: Você vai para o Almoxarifado,
quero um levantamento completo, rigoroso, tudo contado, relacionado,
direitinho.
– Sim Senhora.
– Vinte e quatro horas, está bem?
– Sim senhora.
– Então amanhã, às dez?
– Sim senhora.
Nem às dez, nem às doze, treze. Findo o
expediente, só em casa lembrei. No outro dia “sim senhora” não me apareceu.
Terceiro dia? É demais.
– Então, seu José, fez o inventário?
– Sim senhora.
– Tudo certinho?
– Sim senhora.
– Pode me entregar?
– Sim senhora.
E continuava ali de pé, à minha frente,
imóvel, calado, mumificado.
– Então, seu José, o inventário?
– Sim senhora. Mas... tem uma coisa que não
encontrei, virei tudo, contei, tornei a contar, procurei, não está em parte
alguma. Quem sabe, a senhora pode me dizer onde mais procurar?
– Mas que falta, seu José? E comecei a
imaginar as dores de cabeça que teria. Um ventilador? Máquina? Projetor?
– Diga logo, seu José. Afinal, que falta?
Voz quase sumida, “sim senhora” suspirou,
enxugou o suor do rosto, foi soltando devagarinho: É um tal de estorno,
professora, estorno. Não tem mais onde procurar. Onde será que está?
ESTEVES, Florentina. Enredos da Memória. Rio
de Janeiro: Oficina do Livro Ed., 1990. p.123-124
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