Bertolt Brecht (1898-1956)
A boca babosa e sem dentes do velho senhor.
Ah, na perna do assassino que foge
Esfrega-se o cão à procura de amor.
Ah, o homem que fora da aldeia abusa da
criança
Ainda recebe dos olmos a sombra gentil.
E suas pegadas sangrentas, bandidos, graças
À poeira cega e risonha ninguém viu.
E também o vento, aos gritos náufragos no mar
Mistura o sussurro da folhagem na orla
E levanta cortês o avental pobre da moça
Para que o forasteiro com sífilis a aprecie
melhor.
E à noite o gemido fundo e lascivo da mulher
Cobre o choro da criança no canto do quarto.
E na mão que bateu no menino cai carinhosa
A maçã da árvore mais exuberante de um ano
farto.
Ah, como brilha o olho claro da criança
Vendo o pai deitar à terra o boi e sacar o
punhal!
E como arfam as mulheres o peito onde mamaram
seus filhos
Vendo as tropas cruzarem a vila ao som da
banda marcial.
Ah, nossas mães têm seu preço, nossos filhos
se aviltam
Pois os marujos do barco que afunda anseiam
qualquer pedaço de chão
E o moribundo só implora do mundo poder ainda
lutar e
Alcançar o canto do
galo e enxergar da aurora o primeiro clarão.
BRECHT, Bertolt. Poemas 1913-1956. Seleção e tradução de Paulo César de Souza. São Paulo: Ed. 34, 2000. p. 44
Nenhum comentário:
Postar um comentário
"Quando se sonha só, é apenas um sonho, mas quando se sonha com muitos, já é realidade. A utopia partilhada é a mola da história."
DOM HÉLDER CÂMARA
Outros contatos poderão ser feitos por:
almaacreana@gmail.com