segunda-feira, 2 de novembro de 2015

A PRIMEIRA AULA DE FILOSOFIA

Inês Lacerda Araújo


Como em geral se inicia um curso de Filosofia, seja para alunos do Ensino Médio, seja para universitários?

Com a definição do termo, "amigo da sabedoria" (philos = amigo; sophos = sabedoria), os primeiros filósofos (desde Tales até Sócrates, Platão e Aristóteles); em seguida entram os temas ou a divisão da filosofia em suas sub-especialidades:

- o Ser = Metafísica, Ontologia, Teodiceia

- o Conhecer = Teoria do Conhecimento, Epistemologia (ou Filosofia da Ciência), Lógica, Filosofia da Linguagem, Filosofia Social, Filosofia da História

- o Valor (ou o Agir) = Ética, Estética, Teoria dos Valores

Alguns professores iniciam com a História da Filosofia antiga, mas como levar os alunos a compreender noções básicas como a de “ideia” para Platão? E que dizer, mais adiante, de filósofos complexos como Kant? ou Hegel?

A tentação é ir logo para a chamada filosofia prática, engajada, para plantar na cabeça dos alunos uma linha, a da dialética, a da luta social, a do poder à classe oprimida, aos camponeses, aos pobres em geral. Insufla-se a ideia de que a injustiça social é um problema básico do capitalismo, que este é basicamente o mal social maior. Visa o lucro.

Ora, é fácil e perigoso instilar esse tipo de ideologia, evidentemente não se trata de Filosofia... Trata-se de desonestidade intelectual, pura e simples.

Por outro lado, o ensino tradicional requer o uso de muitos conceitos abstratos, aos quais os alunos não estão habituados. E, nessa altura, com tanta nomenclatura, o interesse dos alunos se esvazia...

Como contornar o problema didático (ensinar temas e conteúdos, e também História da Filosofia) e despertar o interesse, levar os alunos à compreensão do que seja Filosofia e filosofar?!

Sugestão: sem deixar de lado o compromisso didático com os temas e conteúdos, a cada vez que se introduzir um tema (por exemplo, em Metafísica, o tema do ser, da existência, das causas), entraria um filósofo para ilustrar o conceito em questão, e, importantíssimo, o professor começa a levantar dúvidas, a fazer perguntas. O meio para atingir o interesse é estimular a curiosidade, levar a reflexão à experiência pessoal, à vida, aos interesses, ao modo de agir e de pensar dos adolescentes e dos jovens.

Tomando o exemplo da questão do ser (que é das mais abstratas), o professor pode indagar sobre tudo o que existe, como existe, e que todos os seres vivos fatalmente acabarão, morrerão. Se alguém teve a dolorosa experiência da morte de alguém próximo, que é “fim”, “não ser mais”, pedir que o aluno tente expor como é não ser mais, a ausência, a sensação de nada, de vazio. Na medida do possível, o professor deve usar vocabulário do dia a dia para facilitar a reflexão.

***

Moore, um filósofo contemporâneo, intrigado com a experiência de que seria pai, perguntou a sua esposa:

“Como é carregar em você um ser que não é o seu ser?” E indagações como essa podem levar a insights filosóficos. O professor pode pedir para que seus alunos escrevam respostas a esses questionamentos do cotidiano.

Quando o mestre menos esperar, seus alunos estarão se iniciando no caminho filosófico.


* Inês Lacerda Araújo - Professora de Filosofia durante 40 anos, na UFPR, e nos últimos anos na PUCPR. Autora de livros sobre Epistemologia, História da Filosofia e Teoria do Conhecimento. Atualmente aposentada.

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