Inês Lacerda Araújo
Desde os anos 60 professores têm sido
instados e doutrinados nos cursos de ciências humanas, principalmente
Pedagogia, História, Sociologia e Filosofia que é necessário engajamento
político. Chamam a esse engajamento de "consciência crítica" e o
conteúdo, a doutrina marxista. Condenam a suposta neutralidade tanto da parte
dos professores, quanto ao teor dos livros didáticos.
E o que pretendem com isso? De início, a luta
contra a ditadura, contra a censura, o que era um pleito mais do que justo,
necessário resistir à ditadura militar, que impôs medo, impôs a doutrina da
pátria e de sua segurança, manietou a imprensa, enfim, um regime de força.
A ditadura caiu, mas a mentalidade de grande
parte dos professores ainda acha que precisa doutrinar, fazer a apologia do
socialismo, derrotar a sociedade dividida em classes sociais; proletariado,
estudantes, sem terra devem lutar para acabar com o capitalismo, fonte de todos
os males econômicos e sociais.
Em grande parte dos livros didáticos de
História Antiga (e agora a proposta é de acabar com a própria história, que é
coisa das elites...), nas décadas de 70 e 80 a orientação pedagógica era e até
hoje persiste, substituir o descritivismo (datas, batalhas, feitos) pela
leitura que chamo de "marxizante". Esta, sob o pretexto de ser
participativa, engajada, anti-positivista, pratica o pior dos reducionismos,
travestido em "práxis revolucionária". Generaliza e empobrece a
riqueza enorme da história universal e nacional, que não cabe na estreiteza das
lutas de classe. Definitivamente, nações, países, culturas não se modificam por
meio da única visão, empobrecedora da realidade, enfaixada no rótulo "luta
de classes".
A reação veio recentemente, nas propostas de
"escola sem partido", em que o professor ofereceria uma visão mais
ampla, menos política, mais neutra. Haveria uma lista de obrigações, entre
elas, evitar a tomada de partido, justamente o da esquerda, acima resumido.
Quem tem razão?!
Nenhum dos dois. Escolas há que têm
fundamento em religião, outras são laicas, algumas adotam métodos pedagógicos
na linha de Paulo Freire, outras de Piaget, algumas são montessorianas, e assim
por diante.
E isso tem a ver com a missão da escola, com
sua visão do que é educar. Nenhum problema!
O problema começa quando se imiscuem nos
projetos pedagógicos, nas disciplinas escolares, nos livros didáticos, uma
orientação sobre como o professor deve ou não deve abordar certos temas.
A alegada impossibilidade de ser neutro por
parte dos defensores da escola politicamente engajada (esquerda anticapitalista),
e a de que se deve ser neutro (escola sem partido), ambas se equivocam.
E isso porque expor, apresentar, argumentar,
criticar, fundamentar, analisar, explicar, todas essas ações didáticas implicam
que ensinar e aprender requerem dos professores, diretores, pedagogos acima de
tudo, responsabilidade.
Crianças e jovens não estão na escola para
serem doutrinados, nem para fazerem o papel de marionetes. Educar é uma
atividade, um compromisso com asserções fundamentadas, que podem ser expostas
ao crivo da crítica, do aprofundamento e seriedade com que são abordados temas
e conteúdos, seja nas aulas de redação, de História, Geografia, ciências
naturais.
É muito mais difícil dialogar, argumentar,
pesquisar para que suas aulas sejam abertas, sérias, sem manipulação, sem
agredir o saber e o conhecimento. Saber e conhecimento são as raízes do ensinar
e do aprender.
* INÊS LACERDA ARAÚJO - Professora de Filosofia durante 40 anos, na UFPR, e nos últimos anos na PUCPR. Autora de livros sobre Epistemologia, História da Filosofia e Teoria do Conhecimento. Atualmente aposentada.
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