Viver com medo é pior
do que ir para o degredo.
Pois de tanto moderar a diapasão
a alma acaba por desafinar a canção.
E a alma que se preze não cabe
em moldes de prudência;
porque é de sua natureza,
volátil e eterna, contrariar
as normas da dureza.
Por isso mesmo se diz
que pedra não tem alma;
e, por extensão, o ditador
– que dita as dores ao redor –,
por ser um ente pétreo, insensível,
em vez de alma tem um fusível
regulador. Destarte, não há risco
de que se queime o sistema
por uma falha de amor,
Os que, alados, se sentem
morrer sufocados, por extravasamento
anímico, pertencem a outra natureza.
Não lhes importa que à mesa
haja abundância de vitualhas;
nem querem ver o saldo bancário
subir os Himalaias.
Anseiam apenas livrar-se das malhas
que os passarinheiros tramam
entre o ser e o céu
– dissimulado véu a que chamam
ordem, hierarquia, segurança.
Acaso pode a alma obedecer
a qualquer ordem que não
a de buscar, incansável, o que almeja?
A que hierarquia pertencer
senão às imperiosas inclinações do ser?
No seu próprio fluir, na realização plena,
no gozar em liberdade
uma existência justa e serena
– aí está sua inteira segurança.
O mais são palavras de demente
que joga com palavras, perigosamente,
por não lhes conhecer o sentido.
Sozinhos entre retortas e serpentinas,
os cientistas do medo
ensaiam mutações inconsistentes;
e de seus cérebros doentes
saltam entidades tortas, arcabouços
de futuras ruínas.
Esquecem-se de que o homem,
criatura alada, não pode ter como horizonte
uma sociedade por quotas, limitada.
E ao anseio de crescimento, à busca
de liberdade, respondem
os arquitetos do pesadume
com a máquina do medo.
Ameaçam, enclausuram, apertam,
cortam, furam, despedaçam, massacram
o HOMEM, sob pretexto de salvar
outros homens. Mas os que se salvam,
nesse contexto, soam como sinos quebrados.