quarta-feira, 2 de dezembro de 2015

POEMA PARA O SERINGUEIRO EXPULSO

Garibaldi Brasil (1908-1986)


Em que pensavas ontem,
Irmão seringueiro,
Quando te vi acocorado à beira da estrada?

Teu abstrato olhar
Parecia apenas pousar,
Indiferentemente,
Sobre as cousas ao redor:
O asfalto da estrada,
Os caminhões velozes que passavam,
As árvores paradas que te olhavam também,
Interrogativas,
Pensamento igual ao teu:
– Pra onde ele vai?

Ao teu lado,
Reduzidas, tuas cousas dentro do saco

E o único ser vivo que restara: o cão fiel,
Enroscado e meditativo como tu...

Terias sido expulso?

Em que meditavas, irmão seringueiro?
Quem sabe sobre tudo o que ficou pra trás?
Quem sabe sobre essa saudade
Que vasa
E que escorre de ti
Como late doloroso...
Teus filhos
Que a sezão enterra por lá
No âmago da terra-treva?
Quem sabe sobre a inútil ventura
De tantos e tantos anos
Quando, sozinho, ousaste enfrentar a floresta?
Cega de crua desventura
Quando apenas foste
Árvore
Látex,
Vida e morte...
De que te serviu ininterrupto madrugar
Pelos caminhos da escuridão perigosa
E agressiva

“Poronga” na cabeça
– Tocha humana que caminhava
Como um bicho noturno assombrando
Os outros bichos da noite,
Primo irmão dos “mapinguaris”...

De que te serviu toda aquela alquimia
De bruxo tosco manipulando
O estranho filtro para fabricar as bolas
– Riqueza que só foi dos outros?

Hoje te põem a caminhar
E tentar nova vida.
Outra vez só,
Sem destino,
Sem terra.
Como outro caminho?
Como outra vida?
Se tu sabes é ser mesmo explorado?
Amado irmão seringueiro,
Não o primeiro,
Nem o último
Mas sempre amado irmão:
Alça a tua voz,
Fala tu
Diz alto,
Grita,
Berra como a onça ferida no meio do tabocal

Que caminhos te indicam?
Que vida te dão?

Mesmo assim, amado irmão,
Dado que és um forte
Vai em frente

Deus agora é teu novo patrão.


ZANNINI, Iris Célia Cabanellas. Fragmentos da Cultura Acreana. São Luís: CORSUP/EDUFMA, 1989. p.67-69


GARIBALDI CARNEIRO BRASIL nasceu no dia 27 de setembro de 1908, em Belém-PA, tendo chegado a Sena Madureira-AC, aos seis meses de idade. Foi jornalista, advogado, promotor público, humorista, intelectual, jurista, crítico, teatrólogo, escritor, caricaturista, escultor, chargista, poeta e boêmio. Faleceu no dia 13 de dezembro de 1986, em Rio Branco-AC, de parada cardíaca. 

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