segunda-feira, 12 de setembro de 2016

CANTARES AMAZÔNICOS

João de Jesus Paes Loureiro


DESLENDA RURAL V

A tarde
            – inversa chama –
medo sobre medo.
O sol cai em placas de metal
e níquel.
            Não há viagens.
                                               Há um rio ruindo.
                                               Giboiando rumos.
A cobiça acorda a pontaria.
A morte circundante é respirada, pisada, olhada.
Há vinte e sete de outubro,
topógrafos do Incra
e tropas da Polícia Militar
                                               foram emboscados.
Dois soldados morreram
e dois vão-de feridos.
Florentino Maboni foi detido,
como padre instigador da rebelião.
Foram vinte e sete dias de detenção,
injúrias e maus tratos.
Posseiros não contavam
com títulos de posse, documentos.
Em cada olhar carimbado de incertezas,
certidões de isolamento e solidão.
escrituras morais, pequenas propriedades,
a rocinha, a criação, a choça casa,
coisas nascidas do sangue,
                                               coisas como filhos.
Esses nadas que retém a mão suicida,
quando o inhambu põe a tarde em nossa alma.
Os grandes proprietários
                                   contrataram
advogados de ouro
e, precavido, alugaram a sanha
disponível de jagunços.
Pistoleiros que, na hora decidida,
mataram botos, uiaras, curupiras
pois, ao matar-se o homem, morre a lenda.
Depois, este silêncio em si.
                                               Cio de silêncio...
Águas, andores, coroas de espumas mortuárias.
O gesto de remar varando as eras
entre besouros ardendo sobre o ouro.
E o sempre violino do crepúsculo,
anoitecendo semibreves no barranco.
E a morte resgatando para o eterno,
igarités de fogo
                        barco alado... p.135-137


DESLENDA RURAL XI

Héveas, evas
            vulvas
abertas, gozo,
                        leite sangrado
sêmen recolhido
                        entre conchas e suor
e ervas de medo.

O seringueiro sangra-se
Sanguelátex.
                        Sanguessugas
                        espreitam o aviamento.
Humos e hímens
                        Deflorações pela várzea.
o empresário
                        o boto
            o capital
                        a lenda
Naufragadas ubás
                        fetos, naus tão frágeis
no placentário ventre das marés. p.155


POEMA

As palavras arfando entre virilhas
entre lábios
            cópulas de consoantes e vogais
Saboreadas palavras
                        defloradas palavras
túmidas palavras
                        ávidas
                                   oh! palavras
arfando umidamente entre pentelhos.
Suor. Calor. Odor. Linguagem. Gozo. p.190


AMAR

O sexocolibri
                        pousa
em tua corola
                        que se abre
                                               e
sus !
fecha-se.
            Oh ! flor carnívora. p.294


LOUREIRO, João de Jesus Paes. Cantares amazônicos. São Paulo: Roswitha Kempf, 1985.

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