DESLENDA RURAL V
A tarde
–
inversa chama –
medo sobre medo.
O sol cai em placas de metal
e níquel.
Não
há viagens.
Há
um rio ruindo.
Giboiando
rumos.
A cobiça acorda a pontaria.
A morte circundante é respirada, pisada,
olhada.
Há vinte e sete de outubro,
topógrafos do Incra
e tropas da Polícia Militar
foram
emboscados.
Dois soldados morreram
e dois vão-de feridos.
Florentino Maboni foi detido,
como padre instigador da rebelião.
Foram vinte e sete dias de detenção,
injúrias e maus tratos.
Posseiros não contavam
com títulos de posse, documentos.
Em cada olhar carimbado de incertezas,
certidões de isolamento e solidão.
escrituras morais, pequenas propriedades,
a rocinha, a criação, a choça casa,
coisas nascidas do sangue,
coisas
como filhos.
Esses nadas que retém a mão suicida,
quando o inhambu põe a tarde em nossa alma.
Os grandes proprietários
contrataram
advogados de ouro
e, precavido, alugaram a sanha
disponível de jagunços.
Pistoleiros que, na hora decidida,
mataram botos, uiaras, curupiras
pois, ao matar-se o homem, morre a lenda.
Depois, este silêncio em si.
Cio
de silêncio...
Águas, andores, coroas de espumas mortuárias.
O gesto de remar varando as eras
entre besouros ardendo sobre o ouro.
E o sempre violino do crepúsculo,
anoitecendo semibreves no barranco.
E a morte resgatando para o eterno,
igarités de fogo
barco
alado... p.135-137
DESLENDA RURAL XI
Héveas, evas
vulvas
abertas, gozo,
leite
sangrado
sêmen recolhido
entre
conchas e suor
e ervas de medo.
O seringueiro sangra-se
Sanguelátex.
Sanguessugas
espreitam
o aviamento.
Humos e hímens
Deflorações
pela várzea.
o empresário
o
boto
o
capital
a
lenda
Naufragadas ubás
fetos,
naus tão frágeis
no placentário ventre das marés. p.155
POEMA
As palavras arfando entre virilhas
entre lábios
cópulas
de consoantes e vogais
Saboreadas palavras
defloradas
palavras
túmidas palavras
ávidas
oh!
palavras
arfando umidamente entre pentelhos.
Suor. Calor. Odor. Linguagem. Gozo. p.190
AMAR
O sexocolibri
pousa
em tua corola
que se abre
e
sus !
fecha-se.
Oh ! flor carnívora.
p.294
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"Quando se sonha só, é apenas um sonho, mas quando se sonha com muitos, já é realidade. A utopia partilhada é a mola da história."
DOM HÉLDER CÂMARA
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