a
Ronald de Carvalho
I
DESCOBRIMENTO
Abancado à
escrivaninha em São Paulo
Na minha casa da
rua Lopes Chaves
De sopetão senti um
friúme por dentro.
Fiquei trêmulo,
muito comovido
Com o livro palerma
olhando pra mim.
Não vê que me
lembrei que lá no norte, meu Deus! muito longe de mim,
Na escuridão ativa
da noite que caiu,
Um homem pálido,
magro de cabelo escorrendo nos olhos
Depois de fazer uma
pele com a borracha do dia,
Faz pouco se
deitou, está dormindo.
Esse homem é
brasileiro que nem eu...
II
ACALANTO DO SERINGUEIRO
Na escureza da
floresta
Seringueiro, dorme.
Ponteando o amor eu
forcejo
Pra cantar uma
cantiga
Que faça você
dormir.
Que dificuldade
enorme!
Quero cantar e não
posso,
Quero sentir e não
sinto
A palavra
brasileira
Que faça você
dormir...
Seringueiro,
dorme...
Como será a
escureza
Desse mato-virgem
do Acre?
Como serão os
aromas
A macieza ou a
aspereza
Desse chão que é
também meu?
Que miséria! Eu não
escuto
A nota do uirapuru!...
Tenho de ver por
tabela,
Sentir pelo que me
contam,
Você, seringueiro
do Acre,
Brasileiro que nem
eu.
Na escureza da
floresta
Seringueiro, dorme
Seringueiro,
seringueiro,
Queira enxergar
você...
Apalpar você
dormindo,
Mansamente, não se
assuste,
Afastando esse
cabelo
Que escorreu na sua
testa.
Alguma coisas eu
sei...
Troncudo você não
é.
Baixinho,
desmerecido,
Pálido, Nossa
Senhora!
Parece que nem tem
sangue.
Porém cabra
resistente
Está ali. Sei que
não é
Bonito nem
elegante...
Macambúzio, pouca
fala,
Não boxa, não veste
roupa
De palm-beach...
Enfim não faz
Um desperdício de
coisas
Que dão conforto e
alegria.
Mas porém é
brasileiro,
Brasileiro que nem
eu...
Fomos nós dois que
botamos
Pra fora Pedro
II...
Somos nós dois que
devemos
Até os olhos da
cara
Pra esses
banqueiros de Londres...
Trabalhar nós
trabalhamos
Porém pra comprar
as pérolas
Do pescocinho da
moça
Do deputado Fulano.
Companheiro, dorme!
Porém nunca nos
olhamos
Nem ouvimos e nem
nunca
Nos ouviremos
jamais...
Não sabemos nada um
do outro,
Não nos veremos
jamais!
Seringueiro, eu não
sei nada!
E no entanto estou
rodeado
Dum despotismo de
livros,
Estes mumbavas que
vivem
Chupitando
vagarentos
O meu dinheiro o
meu sangue
E não dão gosto de
amor...
Me sinto bem
solitário
No mutirão de
sabença
Da minha casa,
amolado
Por tantos livros
geniais,
“Sagrados” como se
diz...
E não sinto os meus
patrícios!
E não sinto os meus
gaúchos!
Seringueiro, dorme...
E não sinto os
seringueiros
Que amo de amor
infeliz...
Nem você pode
pensar
Que algum outro
brasileiro
Que seja poeta no
sul
Ande se preocupando
Com o seringueiro
dormindo,
Desejando pro que
dorme
O bem da
felicidade...
Essas coisas pra
você
Devem ser
indiferentes,
Duma indiferença
enorme...
Porém eu sou seu
amigo
E quero ver si consigo
Não passar na sua
vida
Numa indiferença
enorme.
Meu desejo e
pensamento
(...numa indiferença
enorme...)
Ronda sob as
seringueiras .. .. ..
(...numa indiferença
enorme...)
Num amor-de-amigo
enorme...
Seringueiro, dorme!
Num amor-de-amigo
enorme
Brasileiro, dorme!
Brasileiro, dorme.
Num amor-de-amigo
enorme
Brasileiro, dorme.
Brasileiro, dorme,
Brasileiro...
dorme...
Brasileiro...
dorme...
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