sábado, 13 de maio de 2017

MI NOCHE TRISTE

Guilherme de Almeida (1890-1969)


Que grande noite triste!
Abro o livro de um poeta – e fecho os olhos. longe,
não sei que torre canta e não sei o que existe
de tão sentimental na voz longa do bronze...

Fecho os olhos – e deixo
meu pensamento andar fora de mim. E vejo
tudo o que ninguém vê de olhos abertos, tudo
o que o Sonho revela – o meu amigo absurdo
que vem pôr transparências delicadas
nas minhas pálpebras fechadas.

Que grande noite triste!
Fecho o livro do poeta – e abro os olhos. Lá fora
ouço a saudade andar sobre a areia sonora:
ela é toda harmoniosa e toda moça,
e o vento canta toda a música que existe
em seu manto de seda e em seus dedos de louça...
E a velhice do luar empoa os seus cabelos...

Que grande noite triste!
Alguém está de joelhos
dentro da minha vida... Os meus dedos inquietos
desfiam os cabelos loiros do abat-jour...
E o meu cigarro põe uma distância azul
Entre o livro fechado e os meus olhos abertos...


ALMEIDA, Guilherme de. Encantamento, Acaso, Você: seguidos dos haicais completos. Campinas: Unicamp, 2002. p.108

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