Garibaldi Brasil (1908-1986)
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O retângulo da
cartolina passou das mãos do contínuo para as do Diretor que, ao lê-lo, sorriu
e passou-me. Li: Fulano de tal, “enfermeiro desempregado”. Sim, de fato, aquele
era um cartão de visitas sui generis
mas eu conheço cousa melhor e mais divertida. Por exemplo, em Manaus, terrinha
fértil em nomes estrambólicos, certa feita, uma senhorinha loquaz que usava um “lorgnon”
impertinente, deu-me o seu cartão, onde se lia: Fulaninha, “poetisa moderna”. E
ainda na capital baré houve aquele outro, meu colega acadêmico de Direito que,
depois de confraternizar conosco, estendeu-me, enfaticamente, o seu cartão:
Rabindranath Tagore Barbuda Thury, Sargento do Exército, tipógrafo e Acadêmico
de Direito... E por aí vai.
Há também o
histórico cartão de visitas de Georges Clemenceau que continha somente o nome
Clemenceau mas isso era o suficiente porque o mundo inteiro conhecia o “Tigre”
da França.
Quando, em plena
ditadura, os interventores nortistas eram substituídos, a cada passo, pelo
falecido Major Carneiro de Mendonça, no Ceará, no Pará, não sei onde mais, houve
quem, fazendo a sua blaguezinha, aconselhasse o pupilo do sr. Getúlio a mandar
imprimir o seu cartão com o seguinte: “Interventor profissional”.
Aqui no Acre há o
caso conhecido e gozado do Rachid Duck, recém chegado de Beyruth, siriozinho
elegante e namorador, que, tendo ingressado no comércio, mandou fazer o seu
cartão da seguinte forma: “Rachid Duck, jovem e simpático comerciante”.
A lista é enorme
mas o mais engraçado e oportuno cartão de visitas do mundo era, decerto, aquele
que o Julio Mascarenhas, também daqui do Acre, mandou fazer para ele, depois de
penosa experiência no ramo de vendedor de enceradeiras, em Belém do Pará. Dizia
assim: “Se não quiser a enceradeira não precisa me bater. Sou Julio Mascarenhas
e esta é a minha profissão”.
*
O mal não é só do
Acre... Infelizmente existe por esses Brasis afora. É uma espécie de gente
retrógrada, sempre descontente e improdutiva. São os do contra, os que tomam
Sal de Fruta... Um amigo meu os denominava de “jabotis” do progresso...
Quando o então
governador Hugo Carneiro inaugurou, há 21 anos atrás, o mercado público da
cidade, moderna obra de alvenaria com todos os requisitos de higiene, houve uma
celeuma: aquilo era uma obra suntuária como o Palácio Rio Branco e o Quartel da
Força Policial! O Acre não comportava aquilo! Era um desperdício! Duas décadas
são passadas e o nosso Mercado, que hoje está completando a sua maioridade,
está pequeno, exíguo, insuficiente.
Ainda me lembro da
festa de inauguração do Mercado. Muita gente, banda de música, discursos e aquele
sorriso de satisfação estampado no rosto vermelho do Dr. Martin, o prefeito
dinâmico e enérgico. E que zelo pelo próprio municipal, que rigor de limpeza
que o Prefeito exigia! Por causa do chafariz que fornecia água ao Mercado,
muita gente pagou multa por haver deixado pingar algumas gotas de água das
torneiras. Hoje a cidade está muito maior e sua população aumentada de 5 vezes
mais. E o Mercado Público, que é a nossa despensa, precisa de mais espaço ou de
um outro pavilhão para melhor servir à capital. Por isso é que o cronista se
exalta de satisfação e orgulho quando se põe a contemplar esses novos monumentos
arquitetônicos que o dinamismo progressista de Guiomard Santos está dotando a
nossa Rio Branco: o Grande Hotel, a Maternidade, a Escola Normal, o
Aeroporto... Mas os “jabotis” do progresso continuam a falar. É demais para o
Acre... como se o Acre não fosse também filho de Deus... É o caso de dizer-se,
embora como pilhéria: Deixa-los falar que eles calarão-se-ão-se.
*
Ao maj. Isidoro Pereira
Dizem e com
bastante acerto que as melhores essências se guardam em frascos pequenos e deve
ser verdade mesmo porque esses homens pequeninos são um colosso de tenacidade. Ponho
muita fé nos homens de estatura baixa porque a História do Mundo está cheia de
exemplos e sempre os vejo produzindo, aqui e ali, animados duma estranha e
poderosa força de vontade que tudo consegue.
É o caso desse
paraense de Soure que há vinte anos porfia contra toda a sorte de dificuldades
para realizar um velho e acalentado sonho: projetar o seu clube como a
sociedade líder da nossa capital, o Rio Branco Futebol Clube.
Isidoro da Cunha
Pereira é, sem dúvida, o incansável baluarte do grêmio esportivo que ele elegeu
como um verdadeiro “hobby” na sua vida de pacato funcionário da Fazenda, com
aqueles outros três quixotes da boa vontade: José de Melo, Nembri de Brito e
Nilo Bezerra. Um deles, o primeiro, partiu cedo para o cinzento país dos
mistérios mas os que sobraram, continuaram na faina. Foi uma longa e movimentada
trajetória, cheia de idealismo e de entusiasmo que nunca esmoreceu, a vida do
grande clube, na qual se revezavam, periodicamente, como numa legítima corrida
olímpica, aqueles quatro teimosos. E agora, depois de anos de lutas, de
incompreensões e fadigas de toda a espécie, a meta está próxima e quem traz o
facho sagrado é Isidoro da Cunha Pereira.
O Rio Branco tem,
quase pronta, a sua sonhada sede. Condigna e erguida à custa sabe Deus de
quantos sacrifícios, ela ali está, moderna e elegante, dominando a velha Praça
que já mudou de nome três vezes, testemunha de quanto pode a persistência de um
caboclo de Soure.
O Rio Branco
Futebol Clube é, antes de tudo, um patrimônio da cidade como tão bem
compreendeu o nosso governador, quando veio a última fase da construção do
prédio, em auxílio da tradicional agremiação, como um Cirineu oportuno e generoso...
E assim pouco já falta para que, dentro em breve, tenhamos um clube à altura
dos fósforos da capital, isto é, um ambiente social condigno e civilizado. Amplos
salões, modernas dependências, campos de esportes, de tudo terá a linda sede do
glorioso Rio Branco. E, então, o caboclinho de Soure descansará feliz, dentro
de casa, com direito a tudo, por sua autêntica vitória... inclusive um “bosó de
ouro”...
– “Olha os dados,
Zé Bezerra!”.
BRASIL, Garibaldi. Mosaicos
da cidade nascente. Rio Branco: Gráfica e Editora Poronga, 1993. p.18-19;
28-29; 42-44; (edição em fac-simile do
original de 1950).
Oi, como faço para conseguir um exemplar de BRASIL, Garibaldi. Mosaicos da cidade nascente. Rio Branco: Gráfica e Editora Poronga, 1993. p.18-19; 28-29; 42-44; (edição em fac-simile do original de 1950).?
ResponderExcluirAgnes Brasil,
ResponderExcluirentre em contato pelo meu e-mail: almaacreana@gmail.com
posso providenciar uma cópia para ti, se desejares. Quanto a um exemplar, não sei se é possível. É um livro difícil de se encontrar.