Num sei não, cumpadre, mas acho que tô
especulando que a comadre Olivia teve um ataque daquele cidadão tenebroso, o
Raul, num sabe? O Raul Zaime... Aquele cidadão que faz a gente se esquecer dos acontecimentos
acontecidos, se alembra não? Não?
Pois o Raul Zaime - que eu não conheço
pessoalmente mas conheço muito de muito dele ouvir falar - é aquele sujeito dos
alemão; tinhoso; amedrontoso, que ataca o sistema cerebroso das pessos da humanidade e faz elas ficar esquecidiça
das coisas armazenadas no departamento das lembranças, no setor memorial. Tá
lembrado agora?
Pois bem, eu acho que tô achano que a comadre
Oivia foi atacada por esse facinoroso insidioso.
É que ela anda com a arrumação de espalhar
pelos quatro cantos do mundo que eu dedilhava melodias pra fazer serenata pro
filho mais antigo dela - e do cumpadre Teca - ir dormir quando ele era bebê. Já
contou pra mais de uma ou duas pessoas essa arrumação.
Mas isso não tá correto não. E por um motivo
bem simplificado: é que eu nunca vi nem mesmo um dedinho mindinho do filho mais
antigo dela - e do cumpadre Teca - num sabe? Como é que eu podia dedilhar melodias
pra ninar ele quando ele ainda tava nos cueiros? Né mermo?
Por isso eu acho que não procede essa
arrumação da comadre Olívia.
E também, pela ausência do prumo correto do
sistema memorioso dela, eu boto a pulga atrás da orelha e fico suspeitoso de
que isso é obra daquele Raul Zaime, sujeito dos alemão, o facinoroso que faz a
gente se desalembrar...
Ahhhh, mas agora tô me alembrando... Eu
conheci mermo de verdade o minino dela - e do cumpadre Teca - sim... Mas quando
ele ainda tava na barriga dela, num sabe? Nunca vi o minino pelo lado de fora
puxando oxigênio da atmosfera com o própio fole, mas vi ele na barriga da mãe.
Sem ver as fucinhas dele, nem ele as minhas, é claro. Mas vi a barriga dele, ou
a barriga da mãe? enfim...
Tô me alembrando também que eu mais o Digú,
irmão da comadre Olívia - e cunhado do compadre Teca - dedilhamos inúmeras
belas vastas páginas musicais do cancioneiro popular, defronte daquela barriga
da criaturinha mais antiga do casal.
Então é isso mermo. Vai ver que a arrumação
da comadre é essa. Ela tá dizenu que eu mais o Digú, faziamos serenata quando o
minino ainda tava lá barriga dela, num sabe? E que o minino ouvia o nosso
matracolejo musical e saracoteava tanto lá por dentro que a gente via o
rebuliço pelo lado de fora na barriga da mãe se mechendo... rs rs.
E ela despachou pro mundo essa arrumação dela
com tanta graça, com tanta suavidencia e delicadez que até arripiou os cabelim
do braço de uma moça que tava ouvindo a estória. E que me disse que a comadre
contava essa arrumação pronunciando e pintando as palavras com a tinta com que
pinta as letras e as figuras dos livros que ela escreve rs rs...
Mas vigie só! rs rs E eu aqui pensando que a
coitada da comadre tinha recebido um ataque daquele sujeito dos alemão, daquele
desmemoriento, ladrão de pensamento, o, o... Emiaz Luar, não, ao contrário, O,
o, Como é mesmo o nome dele? O, o... Mas, sobre o quê você tava falando mesmo?
Já faz tanto tempo... Né?
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"Quando se sonha só, é apenas um sonho, mas quando se sonha com muitos, já é realidade. A utopia partilhada é a mola da história."
DOM HÉLDER CÂMARA
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