sexta-feira, 28 de setembro de 2018

O EXTIRPADOR DE IDOLATRIAS

Eduardo Galeano (1940-2015)

A golpes de picareta estão quebrando Cápac Huanca.

O sacerdote Francisco de Ávila grita com seus índios para que se apressem. Ainda restam muitos ídolos para serem descobertos e triturados nestas terras do Peru, onde ele não conhece ninguém que não incorra no pecado da idolatria. Jamais descansa a cólera divina. Ávila, açoite dos feiticeiros, vive sem sentar-se.

Mas para seus servos, que sabem, cada golpe dói. Esta pedra grande é um homem escolhido e salvo pelo deus Pariacaca. Cápac Huanca foi o único que partilhou com ele sua chicha de milho e suas folhas de coca, quando Pariacaca se disfarçou com trapos e veio a Yarutini e aqui suplicou que lhe dessem de beber e mascar. Esta grande pedra é um homem generoso. Cápac Huanca foi esfriado e convertido em pedra, para que não fosse levado pelo furacão de castigo que levou, em um sopro, todos os outros.

Ávila faz com que joguem seus pedaços em um abismo. Em seu lugar, finca uma cruz.

Depois pergunta aos índios a história de Cápac Huanca; e a escreve.


GALEANO, Eduardo. Memória do fogo, 1: nascimentos. Tradução Eric Nepomuceno. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1983. p.218

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