(Da Academia
Amazonense de Letras)
Há mais de um
decênio que o Clube da Madrugada vem se firmando como expressão de tenacidade e
pujança no campo das artes e das letras, movimento de vitalidade e renovação,
dirigido por uma plêiade de talentosos moços, que encaram o problema da cultura
com dignificante espírito de seriedade.
Quando surgiu o
movimento inspirado em manifestações similares noutras áreas literárias e
artísticas do país, no espírito que animou a “Semana de Arte Moderna”,
promovida em 1922, no Teatro Municipal de São Paulo, com palestras,
conferências, declamações e exibição de artes plásticas, já era eu acadêmico, e
senti, no dealbar ou na floração daqueles primeiros impulsos renovadores, certa
descrença da parte de alguns vultos de nossas letras planiciárias. Desde o
início, entretanto, observei nos rapazes acentuada posição para levarem a coisa
a sério. Liam, estudavam, trocavam ideias e comentavam os últimos lançamentos
do país, no mundo livresco. Acompanhavam o momento artístico e literário, aqui
e alhures, com vivo interesse. Não dispunham de uma sala, sequer, para seus
encontros. Que importava? Qualquer porão ou nesga de jardim bastavam aos seus
intercâmbios culturais. A praça de Heliodoro Balbi foi palco das primeiras
tertúlias e continua a ser teatro dos encontros dos clubistas, aos lampejos do
sol, se é dia; sob o pálio das estrelas quando é noite.
Crescia o
movimento. Novos sócios vinham unir-se aos primeiros. Alguns transferiram-se
para a metrópole tentacular, sonhando com melhores vantagens e posições. Outros
permaneceram, mantendo crepitante a chama do ideal. Outros ainda retornaram,
renovando-se no espírito primitivo que animou o Clube. Vieram os primeiros
lançamentos. E ao editar-se a primeira seleta, a “pequena antologia madrugada”,
já o movimento estava consolidado. Cada nova manifestação dos clubistas era uma
explosão e afirmação de pujança, de rigor, de vitalidade. Da fase sonhadora,
mesclada talvez de certa indisciplina, compreensível nas instituições
nascentes, passou-se às fases das definições, no encalço de uma disciplina e de
um roteiro. As equipes movimentaram-se conscientemente, e a cidade tomou
conhecimento de que os rapazes se decidiram a tomar posição, a despertar
vocações nascentes, a incrementar o movimento artístico e literário, servindo
com devotamento à cultura. O Clube da Madrugada era uma realidade seivosa.
Tenho consciência
nítida da que sempre estimulei esses moços, que surgiam diante de minhas
pupilas tocados pela centelha eletrizante de um ideal superior. É só
consultarem minhas colaborações na imprensa amazonense, que já se avoluma de
vinte anos, e terão a prova convincente. Cheguei a sugerir ao escritor Péricles
Moraes, presidente da Academia Amazonense de Letras, ao tempo da fundação do
Clube da Madrugada, de quem fui colaborador imediato e cotidiano nos movimentos
culturais que entendiam com a Casa de Adriano Jorge, que observasse os rapazes,
que lhes acompanhasse os passos na seara das letras. Avancei a ideia do
aproveitamento de alguns para a Academia, no intuito de uma revitalização do
sodalício. Os clubistas têm consciência dessa posição. Outros confrades, como
Aristóphano Antony, também assim pensavam.
Como quer que seja,
entendo que a linha do Clube da Madrugada não deve de incremento literário e
artístico, tendo em mira o progresso cultural do Amazonas. Não devem ser forças
antagônicas, mas forças vivas, formando uma mesma dinâmica pelo soerguimento
pensamental, pelo esplendor das letras e das artes, pelo culto do idioma e da
literatura nacional.
O Clube da
Madrugada possui nomes expressivos em seus quadros: Aluísio Sampaio, Alencar e
Silva, Edson Farias, João Bosco Evangelista, Álvaro Páscoa, Carlos Gomes,
Farias de Carvalho, Jorge Tufic, Arthur Engrácio, Pedro Amorim, Ivens Lima,
Jefferson Peres, Afrânio Castro, Evandro Carreira, Miguel Barrela, João Bosco
Araújo, Saul Benchimol, Antonio Augusto Gurgel do Amaral, J. Maciel, Hahnemann
Bacelar, Luiz Bezerra, Pe. L. Ruas, Sebastião Norões, Getúlio Alho, Ernesto
Pinho, Ernesto Penafort, Antísthenes Pinto, Óscar Ramos Filho, Pedro Santos,
Cosme Alves Neto, Guimarães de Paula, Nauro Machado, Nazareno Tourinho, Assis
Brasil, Astrid Cabral, Nivaldo Santiago, Teodoro Botinelly de Assunção,
Leopoldo Peres Sobrinho, Djalma Passos, Moacir Couto de Andrade. Servi-me de
uma relação que me foi oferecida pelo clubista Jorge Tufic, cuja ordem nominal
mantive.
Já é volumosa a
coleção dos livros lançados pelos clubistas. Farias de Carvalho brindou-nos com
“Pássaro de Cinza”, bem festejado pela crítica. É sem favor um dos mais belos
talentos poéticos da nova geração, refulgindo ainda como excelente declamador.
Jorge Tufic, outro poeta de raça e intelectual de elevadas preferências
mentais, deu à estampa “Varanda de Pássaros”, na qual, em verdade, só gorjeia
uma ave: o pássaro de sua maviosa inspiração. Alencar e Silva, que já nos havia
dado “Painéis”, voltou com melhor garbo e amadurecimento em “Lunamarga”, sua
última conquista, saudada com desbordante entusiasmo. Padre Luiz Ruas, um dos
brasões mais refulgentes do Clube, é autor de “Aparição do Clown”, que revelou
um poeta de impressivos e expressivos surtos e uma inteligência de radiosa
claridade. “Poesia Frequentemente” é de Sebastião Norões, discípulo fervoroso
de Dario e Guillén, livro que patenteia um intelectual e poeta de muita
sensibilidade e intuição. Antísthenes Pinto, que estreara como inspirado poeta
em “Sombra e Asfalto”, em que há claridades de plenilúnios e olhares serenos de
pupilas de sonhador, surge agora como novelista, sobraçando o seu “Chavascal”,
núperlançado. Na crítica literária acompanho com interesse e aplauso a
desenvoltura de Aluísio Sampaio e Arthur Engrácio, cujas recensões refletem a
agudeza e o faro de conspícuos analistas. Engrácio ainda brilha no conto e na
novelística, e suas “Histórias de Submundo” dão-nos o fôlego e as dimensões do
contista.
Na pintura, na
escultura, na xilogravura, no campo fascinante das artes plásticas, o Clube da
Madrugada apresenta uma plêiade de admiráveis artistas, alguns de renome
nacional; Moacir Andrade, Hahnneman Bacelar, Getúlio Alho, Afrânio de Castro,
Álvaro Páscoa e outros que honrariam os melhores e mais exigentes salões de
arte.
Na eloquência e
oratória há um nome que se impõe vitorioso: Evandro Carreira, já consagrado num
concurso nacional de oratória. No campo das ciências sociais e econômicas Jefferson
Peres e Saul Benchimol são figuras de alto relevo, que dignificam qualquer
instituição de cultura. No mundo empolgante do canto e da música esplendem
Nivaldo Santiago, Pedro Amorim e outros.
O Clube da
Madrugada possui uma flor escarlate em seu jardim, que lhe dá realce e encanto:
Astrid Cabral, a mais talentosa de quantas alunas tive no Instituto de
Educação. É a única mulher, a florir com o seu formoso talento no sodalício
presidido pelo meu amigo Aluísio Sampaio. Embora ausente, sei que Astrid não
perde o contato com o seu Clube, e sempre envia suas produções.
Muitos são os que
me perguntaram e perguntam acerca de minha posição em face do movimento do
Clube da Madrugada. É de plena fraternidade e simpatia. Embora minha formação
intelectual tenha sido eminentemente clássica e acadêmica, a verdade verdadeira
é que nunca me prendi a escolas, pelos menos de um modo exclusivo. Sou como a
abelha industriosa, que vai de flor em flor, à cata do néctar para o fabrico do
mel delicioso. Sempre me atraiu o princípio da variedade: “varietas delectat”.
Tenho poetas de minha mais alta estima e preferência em todas as escolas e
correntes literárias. Afinal, o que monta não é a escola, mas o talento do
intelectual e do poeta. Só há uma realidade: é a POESIA. Como quer que seja,
dou em letra o meu abraço aos sócios do Clube da Madrugada, exortando-os à
continuação da peleja em prol do progresso cultural de nossa terra. Ergamos bem
alto o nome do Amazonas na comunhão nacional pela afirmação da nossa
inteligência, no cultivo fascinante das boas letras e das belas artes!
(Publicado no Jornal
do Comércio de 03 de abril de 1966. Mantido ipsis litteris o texto original,
com adaptação à nova ortografia).
MINIBIOGRAFIA.
Raimundo Nonato Pinheiro nasceu em Manaus, em 1922, e morreu em 1994. Era
conhecido como Pe. Nonato Pinheiro, como geralmente assinava seus artigos
jornalísticos. Foi sacerdote, jornalista, filólogo, latinólogo, professor,
poeta, escritor, membro da Academia Amazonense de Letras e do Instituto
Geográfico e Histórico do Amazonas. Grande orador e articulista brilhante de
cultura polimorfa. Publicou as seguintes obras: “Dom José Pereira Alves,
fulgores do Episcopado” (Editora Vozes, 1954); “Dom João da Matta” (biografia,
1956; e uma 2ª edição, Editora Valer, Manaus: 2008). Publicou na imprensa local
artigos, crônicas, poesias e ensaios.
Retirado de jorge-tufic.blogspot.com
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"Quando se sonha só, é apenas um sonho, mas quando se sonha com muitos, já é realidade. A utopia partilhada é a mola da história."
DOM HÉLDER CÂMARA
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