sexta-feira, 19 de outubro de 2018

CLUBE DA MADRUGADA

Pe. Nonato Pinheiro
(Da Academia Amazonense de Letras)

Há mais de um decênio que o Clube da Madrugada vem se firmando como expressão de tenacidade e pujança no campo das artes e das letras, movimento de vitalidade e renovação, dirigido por uma plêiade de talentosos moços, que encaram o problema da cultura com dignificante espírito de seriedade.

Quando surgiu o movimento inspirado em manifestações similares noutras áreas literárias e artísticas do país, no espírito que animou a “Semana de Arte Moderna”, promovida em 1922, no Teatro Municipal de São Paulo, com palestras, conferências, declamações e exibição de artes plásticas, já era eu acadêmico, e senti, no dealbar ou na floração daqueles primeiros impulsos renovadores, certa descrença da parte de alguns vultos de nossas letras planiciárias. Desde o início, entretanto, observei nos rapazes acentuada posição para levarem a coisa a sério. Liam, estudavam, trocavam ideias e comentavam os últimos lançamentos do país, no mundo livresco. Acompanhavam o momento artístico e literário, aqui e alhures, com vivo interesse. Não dispunham de uma sala, sequer, para seus encontros. Que importava? Qualquer porão ou nesga de jardim bastavam aos seus intercâmbios culturais. A praça de Heliodoro Balbi foi palco das primeiras tertúlias e continua a ser teatro dos encontros dos clubistas, aos lampejos do sol, se é dia; sob o pálio das estrelas quando é noite.

Crescia o movimento. Novos sócios vinham unir-se aos primeiros. Alguns transferiram-se para a metrópole tentacular, sonhando com melhores vantagens e posições. Outros permaneceram, mantendo crepitante a chama do ideal. Outros ainda retornaram, renovando-se no espírito primitivo que animou o Clube. Vieram os primeiros lançamentos. E ao editar-se a primeira seleta, a “pequena antologia madrugada”, já o movimento estava consolidado. Cada nova manifestação dos clubistas era uma explosão e afirmação de pujança, de rigor, de vitalidade. Da fase sonhadora, mesclada talvez de certa indisciplina, compreensível nas instituições nascentes, passou-se às fases das definições, no encalço de uma disciplina e de um roteiro. As equipes movimentaram-se conscientemente, e a cidade tomou conhecimento de que os rapazes se decidiram a tomar posição, a despertar vocações nascentes, a incrementar o movimento artístico e literário, servindo com devotamento à cultura. O Clube da Madrugada era uma realidade seivosa.

Tenho consciência nítida da que sempre estimulei esses moços, que surgiam diante de minhas pupilas tocados pela centelha eletrizante de um ideal superior. É só consultarem minhas colaborações na imprensa amazonense, que já se avoluma de vinte anos, e terão a prova convincente. Cheguei a sugerir ao escritor Péricles Moraes, presidente da Academia Amazonense de Letras, ao tempo da fundação do Clube da Madrugada, de quem fui colaborador imediato e cotidiano nos movimentos culturais que entendiam com a Casa de Adriano Jorge, que observasse os rapazes, que lhes acompanhasse os passos na seara das letras. Avancei a ideia do aproveitamento de alguns para a Academia, no intuito de uma revitalização do sodalício. Os clubistas têm consciência dessa posição. Outros confrades, como Aristóphano Antony, também assim pensavam.

Como quer que seja, entendo que a linha do Clube da Madrugada não deve de incremento literário e artístico, tendo em mira o progresso cultural do Amazonas. Não devem ser forças antagônicas, mas forças vivas, formando uma mesma dinâmica pelo soerguimento pensamental, pelo esplendor das letras e das artes, pelo culto do idioma e da literatura nacional.

O Clube da Madrugada possui nomes expressivos em seus quadros: Aluísio Sampaio, Alencar e Silva, Edson Farias, João Bosco Evangelista, Álvaro Páscoa, Carlos Gomes, Farias de Carvalho, Jorge Tufic, Arthur Engrácio, Pedro Amorim, Ivens Lima, Jefferson Peres, Afrânio Castro, Evandro Carreira, Miguel Barrela, João Bosco Araújo, Saul Benchimol, Antonio Augusto Gurgel do Amaral, J. Maciel, Hahnemann Bacelar, Luiz Bezerra, Pe. L. Ruas, Sebastião Norões, Getúlio Alho, Ernesto Pinho, Ernesto Penafort, Antísthenes Pinto, Óscar Ramos Filho, Pedro Santos, Cosme Alves Neto, Guimarães de Paula, Nauro Machado, Nazareno Tourinho, Assis Brasil, Astrid Cabral, Nivaldo Santiago, Teodoro Botinelly de Assunção, Leopoldo Peres Sobrinho, Djalma Passos, Moacir Couto de Andrade. Servi-me de uma relação que me foi oferecida pelo clubista Jorge Tufic, cuja ordem nominal mantive.

Já é volumosa a coleção dos livros lançados pelos clubistas. Farias de Carvalho brindou-nos com “Pássaro de Cinza”, bem festejado pela crítica. É sem favor um dos mais belos talentos poéticos da nova geração, refulgindo ainda como excelente declamador. Jorge Tufic, outro poeta de raça e intelectual de elevadas preferências mentais, deu à estampa “Varanda de Pássaros”, na qual, em verdade, só gorjeia uma ave: o pássaro de sua maviosa inspiração. Alencar e Silva, que já nos havia dado “Painéis”, voltou com melhor garbo e amadurecimento em “Lunamarga”, sua última conquista, saudada com desbordante entusiasmo. Padre Luiz Ruas, um dos brasões mais refulgentes do Clube, é autor de “Aparição do Clown”, que revelou um poeta de impressivos e expressivos surtos e uma inteligência de radiosa claridade. “Poesia Frequentemente” é de Sebastião Norões, discípulo fervoroso de Dario e Guillén, livro que patenteia um intelectual e poeta de muita sensibilidade e intuição. Antísthenes Pinto, que estreara como inspirado poeta em “Sombra e Asfalto”, em que há claridades de plenilúnios e olhares serenos de pupilas de sonhador, surge agora como novelista, sobraçando o seu “Chavascal”, núperlançado. Na crítica literária acompanho com interesse e aplauso a desenvoltura de Aluísio Sampaio e Arthur Engrácio, cujas recensões refletem a agudeza e o faro de conspícuos analistas. Engrácio ainda brilha no conto e na novelística, e suas “Histórias de Submundo” dão-nos o fôlego e as dimensões do contista.

Na pintura, na escultura, na xilogravura, no campo fascinante das artes plásticas, o Clube da Madrugada apresenta uma plêiade de admiráveis artistas, alguns de renome nacional; Moacir Andrade, Hahnneman Bacelar, Getúlio Alho, Afrânio de Castro, Álvaro Páscoa e outros que honrariam os melhores e mais exigentes salões de arte.

Na eloquência e oratória há um nome que se impõe vitorioso: Evandro Carreira, já consagrado num concurso nacional de oratória. No campo das ciências sociais e econômicas Jefferson Peres e Saul Benchimol são figuras de alto relevo, que dignificam qualquer instituição de cultura. No mundo empolgante do canto e da música esplendem Nivaldo Santiago, Pedro Amorim e outros.

O Clube da Madrugada possui uma flor escarlate em seu jardim, que lhe dá realce e encanto: Astrid Cabral, a mais talentosa de quantas alunas tive no Instituto de Educação. É a única mulher, a florir com o seu formoso talento no sodalício presidido pelo meu amigo Aluísio Sampaio. Embora ausente, sei que Astrid não perde o contato com o seu Clube, e sempre envia suas produções.
Muitos são os que me perguntaram e perguntam acerca de minha posição em face do movimento do Clube da Madrugada. É de plena fraternidade e simpatia. Embora minha formação intelectual tenha sido eminentemente clássica e acadêmica, a verdade verdadeira é que nunca me prendi a escolas, pelos menos de um modo exclusivo. Sou como a abelha industriosa, que vai de flor em flor, à cata do néctar para o fabrico do mel delicioso. Sempre me atraiu o princípio da variedade: “varietas delectat”. Tenho poetas de minha mais alta estima e preferência em todas as escolas e correntes literárias. Afinal, o que monta não é a escola, mas o talento do intelectual e do poeta. Só há uma realidade: é a POESIA. Como quer que seja, dou em letra o meu abraço aos sócios do Clube da Madrugada, exortando-os à continuação da peleja em prol do progresso cultural de nossa terra. Ergamos bem alto o nome do Amazonas na comunhão nacional pela afirmação da nossa inteligência, no cultivo fascinante das boas letras e das belas artes!

(Publicado no Jornal do Comércio de 03 de abril de 1966. Mantido ipsis litteris o texto original, com adaptação à nova ortografia).

MINIBIOGRAFIA. Raimundo Nonato Pinheiro nasceu em Manaus, em 1922, e morreu em 1994. Era conhecido como Pe. Nonato Pinheiro, como geralmente assinava seus artigos jornalísticos. Foi sacerdote, jornalista, filólogo, latinólogo, professor, poeta, escritor, membro da Academia Amazonense de Letras e do Instituto Geográfico e Histórico do Amazonas. Grande orador e articulista brilhante de cultura polimorfa. Publicou as seguintes obras: “Dom José Pereira Alves, fulgores do Episcopado” (Editora Vozes, 1954); “Dom João da Matta” (biografia, 1956; e uma 2ª edição, Editora Valer, Manaus: 2008). Publicou na imprensa local artigos, crônicas, poesias e ensaios.

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