segunda-feira, 31 de outubro de 2011

ACRE: UM OLHAR SOBRE O PASSADO

Aeroporto Santos Dumont em Rio Branco (AC)
Aeroporto internacional de Cruzeiro do Sul.
Aeroporto de Brasiléia (AC)

Aeroporto de Cruzeiro do Sul (AC)
Aeroporto de Tarauacá (AC)
Agência do Banco de Crédito da Amazônia - Rio Branco (AC)
Agência do Banco de Crédito da Amazônia em Brasiléia (AC)
Agência do Banco do Brasil em Cruzeiro do Sul (AC)
Agência dos Correios de Sena Madureira (AC)
Agência dos Correios e Telégrafos de Cruzeiro do Sul (AC)
Antiga fábrica de beneficiamento de castanha (AC)
Avenida Santos Dumont em Brasiléia (AC)
Avenida Epaminondas Jácome em Rio Branco (AC)
Avenida Epaminondas Martins em Feijó (AC)
Avenida Pratají em Brasiléia (AC)
Balsa sobre o rio Acre em Brasiléia (AC)
Balsa sobreo rio Moa na estrada de Cruzeiro do Sul para a Colônia Japiim (AC)
Foto: Hernondino Chagas
7º BEC-transferência de equipamento pesado para 2ª CIA de Engenharia de Construção em Lagoinha (AC).
Belchior e Costa Ltda - Xapuri (AC)
Foto: Tibor Jablonsky
Câmara Municipal em Brasiléia (AC)
Casas de comércio no bairro de Penápolis - Rio Branco
Foto: Tibor Jablonsky
Igreja de São Peregrino em Sena Madureira (AC)
Marco da divisa entre o Amazonas e o Acre, na periferia da cidade de Sena Madureira (AC)
Rio Acre em Rio Branco, visto da margem direita, na vasante (AC)
Foto: Gilson Costa
Rua 17 de Novembro, vendo-se trecho do rio Acre (AC)
Foto Araújo
Rua comercial de Xapuri, à margem esquerda do Rio Acre.
À esquerda, mangueiras e pélas de borracha (AC)
Foto: Gilson Costa
Uma das pontes sobre Rio Acre em Rio Branco (AC)
Foto: Hernondino Chagas
Instituto Santa Juliana em Sena Madureira (AC)
Delegacia de polícia de Sena Madureira (AC)

Hospital Geral de Cruzeiro do Sul (AC)
Mercado Municipal de Xapuri (AC)
Rua 17 de Novembro em Xapuri (AC)
Rua 17 de Novembro na cidade de Xapuri (AC)
Sede do Clube Municipal de Xapuri (AC)
Foto: Hernondino Chagas
Igreja Matriz de Brasiléia (AC)

Igreja de São Sebastião, construída em 1915 em Rio Branco (AC)
Foto: Tibor Jablonsky

Trecho da cidade de Cruzeiro do Sul, vendo-se a catedral (AC)
Foto: Hernondino Chagas

7º BEC-transferência de equipamento pesado para 2ª CIA de Engenharia de Construção em Lagoinha (AC)

7º BEC- vista geral da Vila dos Sargentos em Cruzeiro do Sul (AC)
Arquivo Fotográfico Ilustrativo dos Municípios Brasileiros

Construção da BR - 29 - Acre-Brasília (AC)

Construção da BR - 29 - Acre-Brasília (AC)

Construção da BR - 29 - Acre-Brasília (AC)

Quartel da Guarda Territorial de Rio Branco (AC)
Os três pavilhões do quartel da Guarda Territorial



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Nota: As fotografias estão disponíveis no banco de imagens do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

domingo, 30 de outubro de 2011

OS TEMPOS ERAM ASSIM... - Leila Jalul

A Casa de Mme. Antonieta
Attilio Colnago, 1966
Quem viu Marinês aos 55 anos, seu último de vida, por mais que tenha sido amigo íntimo, desde a infância até, não a reconhecia. A tristeza impressa no seu rosto parecia feita com ferro em brasa, o de marcar o gado. E foi bonita, mimosa e faceira a menina Marinês... Tinha viço, carisma e alegria quando Manuel a conheceu.

Filha de gente da alta, ainda assim, não garantiu direitos de viver suas próprias escolhas. O pai, um empresário forte da construção civil e a mãe, uma juíza de direito do interior, não hesitaram em dá-la como caução da grande dívida acumulada pela desordem financeira do casal. Marinês tinha apenas 16 anos... A dívida dos pais chegava a quinhentas vezes isso. Tão grande quanto o amor de Manuel pela menina, a bela menina, cujos dentes pareciam mais um colar de pérolas.

Os tempos eram assim...
Tempos de grandes obtusidades...
Numa reunião entre o pai, a mãe e o presidente da câmara cível, ficou decidido: a partir da sentença favorável aos réus, Marinês passaria a pertencer ao desembargador Carlos Rosas, pelo menos três vezes por semana, à exceção do mês em que sua legítima esposa e os três filhos, então residentes em João Pessoa, viessem a estar com ele. Marinês deixou de ser gente e passou a ser uma espécie de coisa dada em pagamento. Abriu-se a margem para que a tristeza se instalasse e encardisse seu jovem espírito.

Quando quis se revoltar, estava tarde, bastante fora de tempo. Prevaleceu a lei do mais forte. Conseguiu sair das garras do seu dono ainda bem jovem. Desiludida e amarga, irremediavelmente amarga. As chagas da vergonha ficaram nela impregnadas e Manuel já estava vivendo uma vida de esposo e pai.

Os tempos eram assim...
Tempos do império das maldades...

Para os que conheceram Marinês, doeu a visão do seu final. Num American Bar de periferia, sobre o palco iluminado com luzes roxas de cabarés sem classe, ela tombou. Estava cantando a música Molambo quando caiu com um estranho engasgo. A próxima música seria Devolvi. Músicas de lamentos e reveladoras das dores dos amores mais profundos. No chão, com luzes direcionadas e precisas, através da boca entreaberta mostrava dentes apodrecidos e amarelados, infinitamente distantes de serem aquelas pérolas que ostentou na mocidade.

Entregue ao álcool e às noitadas sem freios, fez da voz e das baladas tristes as únicas alternativas de continuar respirando. Do amor não mais sabia. Sabia, sim, ser suicida de morte em doses homeopáticas. Sabia...

Tornou-se um molambo. Um molambo qualquer. Sem julgamentos, somente Manuel chorou na sua despedida e, sobre o caixão barato, ao lado de uma rosa, deixou uma fotografia de Núbia Lafayette, a cantora preferida de sua eterna amada. Os tempos eram assim...

Tempos de atraso...

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Texto publicado originalmente no site Lima Coelho.

terça-feira, 25 de outubro de 2011

POR QUE OS BRASILEIROS REAGEM TÃO POUCO À CORRUPÇÃO?

Profª. Inês Lacerda Araújo
Filosofia de todo dia


Muito se comenta sobre o contraste entre movimentos de afirmação, como a "Parada Gay", que levam multidões às ruas no Brasil, e os protestos contra a corrupção, que arregimentam pouca gente.
Há uma diferença conceitual entre os dois tipos de protesto, sobre a qual pouco ou nada se diz. No primeiro há diversão, alegria.
No segundo desilusão e tristeza.
Simpatizantes dos movimentos pelo direito de expor publicamente sua opção sexual saem em grande número também (não só pela diversão), pela liberação de algo que foi proibido e excluído. O efeito é semelhante ao do carnaval, liberar o que é censurado ou proibido.

Motivos para protestar contra a corrupção não faltam. Mas para mobilizar é preciso uma agenda mais afirmativa e premente. E as razões desse aparente imobilismo talvez não sejam a alienação política, o conformismo e nem o entorpecimento ético.

Passeatas contra a ditadura nas décadas de 60/70 eram duramente reprimidas, mas o forte motivo de combater a ditadura levava multidões às ruas ("Diretas Já").

Mal governos democráticos se instalaram, e cedo a esperança de que fossem honestos e representassem o interesse da nação foi solapada. E justamente pelo partido que se dizia ético, o PT...

Assim, há uma dose compreensível de ceticismo. Parlamentares, com as honrosas exceções de sempre, buscam favorecer interesses ilegítimos, o ex-presidente compactuou com a corrupção, até mesmo a tornou aceita, oficializada pela não punição. Lula não disfarça, considera que governar implica em usar de qualquer meio, mesmo os ilícitos, para atingir o fim: décadas no poder, usufruindo pessoalmente desse poder. Não entende que esse poder é público!

As pessoas se desanimam diante desse quadro político de desfaçatez escancarada! E pensam: adianta sair às ruas? Protestar contra a corrupção dá resultado ou você se sente um palhaço, que, além de tudo é obrigado a votar?

Dos ovos da serpente nascem o apego pelo poder que favorece benesses pessoais e alimenta os cofres partidários, o da vez, é o PCdoB.

Esses políticos pensam, refletem, estão conscientes minimamente de que foram eleitos para um cargo público?
 Claro que não!

Pessoas que pensam, refletem, enfim, filosofam, não cometem injustiça. A prática filosófica, expor razões no espaço público, ao público, isto é, aos eleitores, é incompatível com a injustiça.

Por isso se diz que é impossível filosofar sem ser justo.

Portanto, os políticos desonestos e corruptos são, além de tudo, estúpidos no pior sentido da palavra: sem educação, sem ética, sem postura pública, não merecem o cargo que ocupam!

Ora, justamente os mandatários deveriam ser os mais dignos, pessoas excelentes em caráter e em disposição para governar a todos, com justiça, como escreveu Platão:

Nossa política, a política verdadeiramente conforme à natureza, jamais consentiria em constituir uma cidade formada de bons e maus. Ao contrário, começaria por [...] confiá-los a educadores competentes e habilitados para esse serviço. [...] É somente entre caracteres em que a nobreza é inata e mantida pela educação que as leis poderão criar este laço.

Platão se referia ao político e ao sábio legislador, eles são capazes de criar a tessitura social, com sua alma penetrada de verdade, aberta às ideias de justiça.

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* INÊS LACERDA ARAÚJO - filósofa, escritora e doutora em Estudos Linguísticos. É professora aposentada da UFPR e PUCPR.

segunda-feira, 24 de outubro de 2011

POR FAVOR, NÃO MENOSPREZEM NOSSOS ARTISTAS!

Dym Gomes é um artista acreano, natural de Tarauacá, um apaixonado pela música. Foi um dos primeiros cantores de Tarauacá a gravar CD. Suas músicas estão mescladas num estilo de brega romântico com temáticas regionais. Chegou a gozar de um bom prestígio na região com seu primeiro trabalho, destaque para a música “Cabeça de abacaxi”. Gravou também “A dança do mariri”, seu último CD.

Fiquei profundamente triste ao saber a atual situação em que se encontra o cantor. Eis o que disse um leitor deste blog: "Um cantor muito bom, mais niguem da valor ao seu trabalho... Hoje Dym Gomes, e flanelinha e guardador de carros, na rua Rio Grande do Sul, onde ele tem que guardar e lavar carros para não morrer de fome."

Não posso garantir a veracidade da informação, pois não cheguei a falar com nenhum familiar do cantor, mas creio ser verdadeira. Por mais digno que seja e sem menosprezar tantos brasileiros que vivem honestamente deste trabalho, este não é o lugar do Dym. Ele é um artista, e como tal precisa ser valorizado. Não tenho dúvida de que Dym Gomes é um artista de grande talento e que ainda tem muito a oferecer à música acreana. Do mesmo modo que é um cantor que ainda precisa ser valorizado no Acre, sobretudo pelas nossas rádios e eventos locais. Que contradição: enquanto paga-se fortunas por grandes atrações nacionais, nossos artistas regionais mendigam e padecem.

Deixo aqui meu apelo aos empresários, aos políticos ou quem tenha boa vontade a ajudar nosso artista regional Dym a se reeguer. Gestos simples como proporcionar uma nova tiragem de seu CD, ou mesmo prestar alguma assessoria, pois às vezes o artista tem o talento, mas falta alguém que articule, que o oriente, fará uma grande diferença.

Ansiamos, sim, que o Acre se torne o melhor lugar para se viver. Mas queremos também que seja o melhor lugar para o artista, o poeta, o músico viver... Do contrário fazemos demagogia e politicagem e não Política e Justiça.



Mais sobre Dym Gomes:

SELETA DYM GOMES

segunda-feira, 17 de outubro de 2011

MANDALA 'CREPÚSCULO'

CREPÚSCULO
Amanhece um sol divino.
Acorda um dia sem alvoroço.
Os pássaros cantam em suas revoadas.
E as estrelas ainda cansadas, retornam para casa embriagadas de noite.

No Céu se finda um ciclo.
Tão eterno quanto o mais longínquo tempo.
E no começo de mais um sereno arrebol
A delicadeza e bondade do Sol.

Nas úmidas matas
- as lagartas; as procissões de formigas, os esconderijos das raízes e as gaivotas a bailar
Sobre os píncaros das grandes árvores, que farfalham maestrosas - nas densas florestas de lá.
A selva em sua relva preparando o verde para o amarelo brilhar.

Na aurora não reluz só a esperança
Vem com ela o crepúsculo criança
Que simboliza vida latente – mente dormente e coração acordado.
O Ato. Além da união.

Crepúsculo prepara a manhã.
Com o mesmo amor que prepara a noite.
Açoite de nuvens do Deus, que proclama a Eternidade.
E com essa irmandade celestial, vem nos trazendo a fraternal temperança da Natureza.

Findando o hoje, renasce o amanhã.
Mais sutil e perfeito.

Crepúsculo, dança leve que provém das fagulhas encantadas dos deuses, onde os anjos com as suas harpas e as ninfas com as suas poesias, fazem descer à Terra a magia do recomeço.

E que o nosso peito possa ter a coragem e a firmeza de contemplar!


Mandala de Simone Bichara – Texto de Daniella Paula Oliveira

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Mais trabalhos da artista plástica acreana Simone Bichara em:

SÓ VOCÊ - Dym Gomes

Brega romântico do meu amigo Dym Gomes,
cantor acreano, natural de Tarauacá.

quinta-feira, 13 de outubro de 2011

BELO JARDIM - Acre


Esta Reportagem foi apresentada no dia 14 de Julho de 1991 na TV Gazeta Acre e posteriormente tema do programa Documento Especial (Rede Manchete). As cenas de desespero das famílias que tinham suas casas derrubadas pelo motosserra de um jagunço, chegou a comover na época o então Governador Edmundo Pinto e a Desembargadora Miracele de Souza Lopes Borges, que no dia seguinte estiveram no local e cessaram o despejo das famílias. O Repórter Cinematográfico JOSENIR MELO (autor das imagens) ganhou o prêmio Líbero Badaró de Jornalismo na categoria Destaque do Ano 1991.

segunda-feira, 10 de outubro de 2011

Série A POESIA ACREANA > FRANCIS MARY

“A poética que pratico é como beber um copo d’água quando estou sedenta, surgiu como instrumento delicado que utilizo para transmitir minhas percepções das pessoas, dos sentimentos, do universo.”
Francis Mary


A escrita de Francis Mary é uma peça indispensável e mesmo paradigmática para a compreensão do mosaico da presença feminina na história sócio-cultural do Acre recente. É uma voz que emerge com o próprio despertar de uma nova consciência advinda de uma reviravolta no campo cultural, sobretudo na literatura, na música e na arte, fomentada a partir da década de 60 e que experimentará fortes goles de seu apogeu nas décadas de 70 e 80. O mundo vivia uma mudança de época, em que as vozes historicamente silenciadas e inferiorizadas, como era o caso das mulheres, se erguiam num discurso de ruptura, insubordinação e auto-afirmação.

Em terras acreanas, como aponta a pesquisadora Margarete Edul Prado de Souza Lopes, se sobressaíram as vozes de Fátima Almeida e Francis Mary, que “começaram a escrever na década de 70, em jornais ou participando de grupos de poesia marginal, produzida em mimeógrafo”, sendo elas as primeiras a publicar ficção e poesia, em formato de livro, no Acre. É interessante perceber o que Francis Mary faz da figura feminina, incitando na mulher a busca pela atuação no espaço público, sempre vetado às mulheres e à luta por seu lugar de sujeito na sociedade ao lado dos homens. Numa época em que a figura da mulher estava suprimida pelos dogmas clericais, a autora se volta justamente para a delicada questão da libertação feminina dos laços da submissão patriarcal [1].

O primeiro livro de Francis Mary foi “Aquiri”, publicado em 1982, única literatura do Acre que registrou os conflitos entre seringueiros e fazendeiros na década de 70. O então líder sindical Chico Mendes foi o primeiro a adquirir alguns exemplares. Mas, na imprensa já atuava desde 1976, quando publicou seu primeiro poema no jornal Rio Branco, na coluna Folha Literária, que integrava o caderno Contexto Cultural. Sua atividade se intensificou na década de 1980 onde participou das antologias: Coletâneas de Poesia Acreana (1981), Algumas poesias acreanas (1982) e Antologia dos poetas acreanos (1986). Seus outros livros são: Gota a Gota (1983), O dia em que a lua caiu no açude (1996) e Pré-históricas e outros livros (2004). Além disso, participou de várias outras antologias poéticas. Ainda se registra dela participação no teatro e atuação no Movimento de Mulheres do Acre [2].

A poesia de Francis Mary, como analisada pela professora Prado de Souza Lopes, opera um discurso de ruptura com os padrões correntes e de denúncia social, sobretudo em relação à situação da mulher e da ecologia. A pesquisadora ressalta que a mulher nos poemas de Francis Mary tem imagem variada, seja a migrante nordestina, as filhas de nordestinos ou filhas da terra. A mulher é, acima de tudo, uma mulher integrada com as forças da natureza, parte da floresta e da vida ao ar livre, que sabe desfrutar da liberdade que somente a selva pode proporcionar. Não é a mulher cristã, seguidora do catolicismo, mas sim a filha de Tupã. Ainda conforme a análise de Prado de Souza Lopes, de um modo geral, a poesia de Francis Mary se articula em torno da vida na floresta e das tradições indígenas, que se traduz em um discurso com alto teor de afetividade, de indiscutíveis vínculos com os rios, seres lendários, e todos os elementos que façam parte do mundo amazônico.

Tudo isso faz de Francis Mary uma presença marcante nas letras acreanas mais recentes. Seu fazer poético encanta não só pela beleza literária, mas, sobretudo pelo clamor humano que ecoa de sua obra. Sua voz de mulher irrompe no deserto verde para fazer parir no horizonte a aurora da liberdade.


Nota: Para um estudo mais detalhado acerca da poesia de Francis Mary, recomendo o precioso trabalho da professora Margarete Edul Prado de Souza LOPES, o livro: “Motivos de mulher na Amazônia: produção de escritoras acreanas no século XX”. Rio Branco: Fundação Elias Mansour/ EDUFAC, 2006. Às páginas 173-193, em que aborda especificamente a obra da poetisa, que serviu como base para a elaboração deste comentário.

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MARIRI
Francis Mary

Canta
embalada
no mariri

Uma velha índia
mastiga desertos
e vomita florestas.

O pajé foi ao centro
do homem
e um pássaro
virou mulher.

A mulher se fez lava
parindo igarapés,
onde botos revelados
são novamente encantados
por história de mulheres.

Dança a tribo
inteira no ritmo
do mariri.


SEMENTE CORAÇÃO
Francis Mary

                                      A Wilson Pinheiro

Na minha terra
planta-se corações
e nascem lutas
dessa plantação.
O chão é regado
com sangue
e as balas são sementes
que fazem calos
nas mãos...


O PARTO
Francis Mary

A noite sofrida
pariu uma estrela
sozinha.


HOMEM DA MATA
Francis Mary

Nascido do ventre da mata
foi jogado como alimento
nas entranhas do dragão mundial.
Agora sente na pele a reação
acariciando o rosto magro
da sobrevivência.


MAGIA
Francis Mary

É magia
de noite
de dia.

No seio da floresta
cobiçada,
enraizada nos nossos
corações.
No verde da canção
da jaçanã,
na beira do açude
bebendo manhã.

De noite
de dia
essa vibração.

Noite estrelada
pirilampos tomando auasca
e mirando o som.

Duendes dançado nos varadouros
e na voz da mata cantam
mil canções.


NOTURNO
Francis Mary

No bordado
As mãos velhas
Aprisionam
Estrelas e luas.
No quintal,
Bruxos e fadas
Inventam histórias
De bem e de mal
E tudo isso
Enquanto a noite espreita
O momento exato
De resgatar os astros
Deixando desertos os lençóis
Onde crianças safadas
Dormem abraçadas
A seus anjos da guarda.


APOCALIPSE
Francis Mary

Anjos ou demônios
abriram a porta da manhã
e o sol se escondeu com medo
os carapanãs cobriram o céu
destruindo tudo que era vivo
as ruas se fecharam
e a cada passo as pessoas
caíram num buraco
tão fundo, fundo, fundo
que de lá nunca mais saíram
os dentes da boca da noite trincaram
de ódio e de dor
que o céu chorou chuva
e o mundo apodreceu
e chegou uma noite sem fim.


LAVADEIRA
Francis Mary

Descer e subir barrancos,
Lata d’água na cabeça,
Roupas para quarar,
Marido bêbado na cama,
Filhos na escola da rua
E a vida deixada
Na beira do rio.


EU, NORTISTA
Francis Mary

Com essa sede
Do nordestino
Eu subi o rio
E vim parar aqui,
Trazida nos sonhos
Dos meus ancestrais,
Brotada na terra verde
No seio da Amazônia.


FILHA DA TERRA
Francis Mary

Eu nasci aqui,
No meio desse mato
Me criei.
Nadei no rio,
Bebi água dos igarapés...
Conheço todas as doenças
Dessa terra.
Conheço todos os ladrões,
Todos os exploradores
Conheço todos nós:
Filhos da miséria,
Irmãos da fome
E da esperança!


ANJO DA FARDA
Francis Mary

Xô, xô,
Anjo da guarda!
Guarda me lembra a farda
Do soldado
Cassetete na mão,
Reprimindo passeata.


ACREPECUÁRIA
Francis Mary

Em terra de bobo
Quem tem um boi
É rei.


NÃO SOU JOSÉ
Francis Mary

Céleres, enxeridas angústias
Assaltam os restos de mim!
Ergo, cansada, a bandeira da paz.
Paz, não há mais. E agora?
Quem sabe eu gritasse,
Quem sabe eu gemesse?
Para Minas não ia:
Não me chamo José!
Ia pra floresta – Alto Juruá,
Dançar com Ashaninkas,
Beber caiçuma
Comer o luar.


ACREANO
Francis Mary

Abriu o peito prás balas
cantou mais uma canção
sem medo
sem ódio na alma
partiu e sumiu no rio
a bordo de um barco pesqueiro
no fundo era um seringueiro
que ia para o rio, pescar
chegou com a roupa molhada
chegou com os olhos brilhantes
e disse que no horizonte
alguém ia lhe esperar
correu descalço na praia
jogou sua vida na água
deixou o rio levar.

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MARY, Francis. In: Cantos e encantos da floresta I. (org. e apresentação Laélia Maria Rodrigues da Silva). Rio Branco: EDUFAC, 2004.
Antologia dos Poetas Acreanos 1986. Rio Branco: Fundação Cultural/Casa do Poeta Acreano, 1986.
Algumas Poesias Acreanas. Rio Branco: SESC; Recife: FUNDAJ/Editora Massangana, 1982.
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[1] cf. Denízia Cunha do NASCIMENTO e Margarete Edul Prado de Souza LOPES. A Poesia de Francis Mary nos Jornais “O Rio Branco” e “Folha do Acre” (1970- 1980): Literatura e Questões de gênero. Anais do XV Seminário de Iniciação Científica PIBIq-CNPq, Universidade Federal do Acre, Rio Branco-Acre, 2006.
[1] cf. LOPES, Margarete Edul Prado de Souza. Motivos de mulher na Amazônia: produção de escritoras acreanas no século XX. Rio Branco: Fundação Elias Mansour/ EDUFAC, 2006. p. 173-193.