“Antônia Sampaio
Fontes nasceu em Baturité, aos 24 de fevereiro de 1884, filha de Antônio Jardim
e Maria Sampaio Jardim. Mudando-se para esta Capital [Fortaleza], casou-se com
Israel Pinheiro Fontes – figura ainda lembrada e venerada pelos familiares, que
cedo fechou os olhos ao mundo no recuado ano de 1934.
Cumprindo o destino
de todo nordestino e mais do cearense nômade, emigrou, na companhia do marido
para o alto Acre, onde seu tio Justino fizera alguma fortuna com a exploração
dos seringais, na época áurea da borracha. ainda a bordo do paquete “Pará”, que
os levou àquela longínqua região do país, compôs sonetos e poemas com temática
do mar e da floresta. Corria o ano de 1911. Regressando, aqui se fixou
definitivamente até sua morte, ocorrida aos 02 de março de 1963.” Eduardo Fontes
No meu livro
SAMAMBAIA
Eu canto Deus e o
amor,
Canto o mar
beijando a praia,
Canto a ave, canto
a flor!
SAMAMBAIA,
SAMAMBAIA,
No
Acre eu te conheci,
És
linda como a jandaia
E
o canto do bem-te-vi!
Com teu vestido de
festa,
Com o teu xale
rendilhado,
Tu enfeitas a
floresta
Deste Acre
abençoado!
Esperei
anos e anos
Por
esta oportunidade,
Sem
olhar o desenganos
Vence
o poder da vontade!
Não sei se venci ou
não,
Mas um livro aqui
está
Para o grande
coração
Dos filhos do
Ceará.
Do
Ceará brasileiro,
Do
meu Brasil cearense,
Do
povo forte e ordeiro,
Que
luta, trabalha e vence! p.17
Fortaleza, 11 de
fevereiro de 1963
Minha Infância
Paródia:
Meus Oito Anos
de
Casimiro de Abreu
Oh! Que saudade que
tenho
Do despontar da
existência,
Dos meus dias de inocência,
Do meu viver de
criança.
Daquelas
horas amenas,
Daquelas
tardes fagueiras,
Daquelas
noites ligeiras,
Saudades
da minha infância.
Naquele tempo
risonho
Não sabia o que era
amor,
Vivia alegre e
contente,
Brincava ao clarão
da lua,
Achava o céu tão
formoso,
Mas deste tempo
saudoso
Resta-me a vida
somente!
Fruía
ternos carinhos
Dos
meus pais, a quem amava,
Dentro
d’alma idolatrava,
Tempo
feliz que passou!
Levando
sem piedade,
Nas
suas asas austeras
Minhas
oito primaveras
Que
o vento as desfolhou!
De tudo tenho
saudade,
Dos meus mimos
infantis,
Do meu passado
feliz
Feito de amor e
esperança!
Quando pequena e
travessa,
Dizia: – Oh! Deus
que ventura,
Eu quero sempre a
doçura
Do meu viver de
criança!
Quero
viver sempre alegre,
Quero
brincar descuidada!
Minha
mãe, a boa fada,
Sorrindo
dizia, então:
–
Brinca filha estremecida,
Que
hoje terás carinhos,
Amanhã
talvez espinhos
Tendo
amor no coração!
Com a adolescência
Foi-se a inocência,
Foram-se os mimos e
as flores,
Chegaram cedo os
amores,
A bela quadra da
vida!...
Sou
feliz bem sei, não nego,
Tenho
um esposo adorado,
Porém
choro o meu passado,
A
minha infância querida!... p.21-22
Acre, 1908
Saudade
Saudade, triste
saudade,
Que me atormenta o
viver,
Deixa-me só com o
sofrer
Que me dói no
coração!
Não
vês que eu amo e padeço
Estas
saudades cruéis,
Embora
veja a meus pés
Alguém
de minha afeição!?
Por tanto deixa-me,
deixa-me
Já não quero mais a
vida,
Vivendo assim nesta
lida
Não é vida, é
vegetar.
Do
que me serve a saudade
Se
vivo sempre sofrendo,
Quer
ausente, quer o vendo
Tudo
é sofrer e penar!?
Eu amo a toda
saudade,
Quer rosa, branca,
amarela,
Porém amo mais
aquela
Que não lhe conheço
a cor!
Parece
ser mais ardente,
Mais
forte, mais tormentosa,
Esta
saudade ditosa
Da
ausência do nosso amor! p.23
Acre, 1903
Desengano
Amar e ser amado é
belo! É tudo, eu sei!
Amar sem ser amado
é triste e é o que receio,
Embora eu fale
assim, sem conhecer o amor...
Porém suponho e
penso que assim seja, e digo:
–
Não deve amar-se alguém sem ser correspondido,
Mas
não amar sozinho, assim, é grande horror!
Amor!
que me serve dizer, e a vós mentir que o tenho
Sem
conhecer sequer um só traço, um só desenho...
Sem conhecer sequer
o que significa Amor?
Não digo. É crime,
sim, mentira, é feio.
Sou franca e pura a
confessar não creio
Que venha amar-vos
nunca, ó não senhor!
Criança
sou, estou na flor da idade,
De
vós aceito apenas a amizade
Simples,
leal, qual seja a de um irmão!
Mas vosso amor, ó
nunca e peço francamente,
Perdão se ofendo,
esqueça-me da mente,
Que a vós não dou
jamais meu coração! p.24
Acre, 1900
Obs.: Escrito
quando a autora contava 16 anos e 10 meses de idade.
Amor
Amor tem mistérios,
mistérios profundos,
Mistérios tão
fundos que a vida contém,
Do amor para a
posse se sofre, é verdade,
Amarga saudade,
saudade de alguém!
Minha
alma tristonha medita ansiosa
Sozinha,
saudosa pergunta-me assim:
–
Que força tamanha, que imã tão forte
É
este que a morte, somente dá fim?
Eu amo e padeço,
inda mesmo que ao lado
De mim bem sentado
te veja. É forçoso!
Eu amo este amor e
a teus pés deposito
Nas asas de um
sonho meu ser, meu esposo! p.25
Ao Meu Adorado
Noivo Israel
Quando eu te vejo a
vir, dentre os caminhos,
Com passo lento em
busca ao nosso lar,
Julgo avistar a
flor entre os espinhos,
E em ti, meu anjo,
a flor se transformar!
Quando
eu te vejo a sós assim pensando,
A
mão do homem à face reclinada,
Julgo
talvez me estejas repassando
A
mente louca só de amor formada!
Quando te vejo,
solitário e triste,
Quieto, mudo, sem
falar, sem nada,
Julgo afinal que
nosso amor traíste,
Já não me amas, já
não sou lembrada...
Perdão!
Não julgues que ofender-te quero
Falando
assim do nosso amor, ó não!
Perdão!
Bem sei que serás sincero
Bem
como a ti darei meu coração! p.26
Acre
Solidão do Acre
Ao meu esposo Israel Pinheiro Fontes
Na solidão das
florestas,
Existe o prazer
também,
Que pouco gosta de
festas
Vivendo ali, vive
bem!
Quem
me dera voltar àquelas
Florestas
cheias de vida,
A
ver as alvas estrelas
Por
entre as ramas floridas!
Mas penso que nunca
mais
A elas hei de
voltar,
Por isto mando meus
ais
Nas brumas do meu
luar!
E
digo adeus a estas matas
Prazer,
dos tristes dali!
Adeus!
Caboclos, mulatos,
Trinados
de bem-te-vi!
Adeus, passeios nas
águas
Do rio Acre
adorado,
Onde sem dores, sem
mágoas,
Passei muito a teu
lado.
Igarapés,
seringueiras,
Tucanos,
antas, cutias,
Adeus,
barracas ordeiras,
Onde
gozei muitos dias! p.27
Fortaleza/CE, 1912