terça-feira, 26 de setembro de 2023

JOÃO VERAS: MINHA NOTA À NOTA DA FGB QUE NÃO NOTA QUE SE EQUIVOCOU

João Veras 26/09/23

 

Sei que tem muita gente que não tem saco para ler esse tipo de debate longo e cheio de juridiquês. Não tem como ser de outra maneira. Paciência. Coragem. É melhor assim!

Em resposta, mas sem fazer referência, ao que escrevi semana passada aqui sob o título “Como um restaurante de Sena Madureira será o gestor da Lei Paulo Gustavo no Município de Rio Branco. Como? Comes?”, a FGB emitiu a Nota de Esclarecimento publicada ontem na página da Prefeitura (leia aqui), pela qual deixa mais claro – esclarece sem deixar qualquer dúvida - o fato de ter dispensado licitação para contratar uma empresa que vai administrar tecnicamente a Lei Paulo Gustavo e cujas atividades principal e secundárias não são desse ramo técnico, mas de restaurante e similares.

A ideia aqui não é ficar batendo boca com a FGB, tampouco fazer às vezes de Ministério Público, Tribunal de Contas e Judiciário, seus naturais fiscais. Volto apenas para sustentar o que disse. Por uma questão moral também. O que faço desta feita me valendo da própria Nota de Esclarecimento que, de fato, esclarece não no sentido de desfazer, mas de, no fundo e expressamente, reafirmar o que eu disse.

E o que eu disse está em todo lugar. A Nota da FGB só sintetiza mais. Eu disse que um restaurante – o Spetur Bar - foi contratado por ela para ser o gestor da Lei Paulo Gustavo. Eu disse que tal decisão significa trocar o certo pelo não certo. É não garantir qualificação, eficiência, eficácia e efetividade na execução dos recursos da Lei Paulo Gustavo (conforme determina o art. 18 da Lei nº 11.525, de 08 de julho de 2023, que regulamenta a Lei Paulo Gustavo.).

Que tal prática como se apresenta significa colocar no lugar da gestão municipal – que há anos vem administrando as leis de cultura - uma empresa que tem um ano e seis meses de existência cujas atividades - principal e secundárias - para as quais foi criada nada tem a ver com o objeto do contrato.

Vou voltar a fazer chuva no mar. Paciência. Coragem! É melhor assim.

O Edital de Coleta de Preços nº 004/2023–FGB delimita o requisito essencial para a contratação, diz a FGB: “...Convidamos os fornecedores, Pessoas Jurídicas (PJ) de direito privado, em que abrangem o ramo do objeto especificado, para apresentarem COTAÇÕES DE PREÇOS, visando dar prosseguimento na instrução processual para futura contratação de empresa especializada para prestação de serviços de assessoria para elaboração de trabalhos técnicos e prestação de contas referente a implementação e execução da Lei Paulo Gustavo (Lei complementar nº 195 de 08 de julho de 2022), no âmbito do Município de Rio Branco”.

A Nota não foge – na verdade o reitera - desse conceito fechado de empresa especializada quando se dispõe por suas próprias palavras a “esclarecer como todo o processo de contratação de uma empresa especializada para executar a Operacionalização da Lei Paulo Gustavo transcorreu.”.  É uma linguagem condizente com o Edital de Coleta de Preços.

A Nota diz que a sua decisão estar fundamentada no artigo 17 do Decreto Regulamentador da Lei Paulo Gustavo, de nº 11.525, de 08 de julho de 2023.

E que “Esse dispositivo autoriza o uso de até 5% dos recursos para a contratação de uma empresa especializada na execução dos serviços...”.

Falou bem aqui. Os recursos da Lei Paulo Gustavo autorizam a contratação de empresa especializada para a execução dos serviços previstos na norma.

Por que sendo especializada, repito, busca-se a garantia a técnica da qualificação, eficiência, eficácia e efetividade dos serviços (art. 18, da Lei nº 11.525, de 08 de julho de 2023).

Já que a questão diz tanto da ideia de especialização e ramo, é imperioso trazer o § 1o do art. 25, da Lei  nº 8.666/93, que conceitua normativamente a ideia de empresa especializada: “Considera-se de notória especialização o profissional ou empresa cujo conceito no campo de sua especialidade, decorrente de desempenho anterior, estudos, experiências, publicações, organização, aparelhamento, equipe técnica, ou de outros requisitos relacionados com suas atividades, permita inferir que o seu trabalho é essencial e indiscutivelmente o mais adequado à plena satisfação do objeto do contrato.

A mesma Lei no seu artigo 13, vai elencar o que considera serviços técnicos profissionais especializados quais sejam, entre outros, os trabalhos relativos a estudos técnicos, planejamentos e projetos básicos ou executivos; assessorias ou consultorias técnicas, gerenciamento de obras ou serviços; treinamento e aperfeiçoamento de pessoal.

E que serviços técnicos são esses previstos no Decreto que regulamenta a Lei Paulo Gustavo (art. 18)?

São aqueles voltados especificamente para a realização de: “I - ferramentas digitais de mapeamento, monitoramento, cadastro e inscrição de propostas; II - oficinas, minicursos, atividades para sensibilização de novos públicos e realização de busca ativa para inscrição de propostas; III - análise de propostas, incluída a remuneração de pareceristas e os custos relativos ao processo seletivo realizado por comissões de seleção, inclusive bancas de heteroidentificação; IV - suporte ao acompanhamento e ao monitoramento dos processos e das propostas apoiadas; e V - consultorias, auditorias externas e estudos técnicos, incluídas as avaliações de impacto e de resultados”.

Diante disso tudo, não tem como não voltar ao Edital de Coleta de preços, pelo qual a FGB convida “ os fornecedores, Pessoas Jurídicas (PJ) de direito privado, em que abrangem o ramo do objeto especificado, para apresentarem COTAÇÕES DE PREÇOS, visando dar prosseguimento na instrução processual para futura contratação de empresa especializada para prestação de serviços de assessoria para elaboração de trabalhos técnicos e prestação de contas referente a implementação e execução da Lei Paulo Gustavo (Lei complementar nº 195 de 08 de julho de 2022), no âmbito do Município de Rio Branco.

Tenho certeza da desnecessidade de acrescentar desenhos.

A questão fundamental que não bate é como um restaurante consegue, em um ano e seis meses de funcionamento, ser especialista na gestão técnica da complexidade que é a gestão do edital de uma lei de cultura.

Que conhecimento e experiência foram os que o Spetus Bar acumulou na gestão técnica de uma lei de cultura? Qual edital, de que estado, de que município, de que ano?

Voltemos ao art. 18 da lei que regulamenta a Paulo Gustavo. Ela dispõe que esse percentual de 5% “... será utilizado exclusivamente com o objetivo de garantir mais qualificação, eficiência, eficácia e efetividade na execução dos recursos recebidos pelos entes federativos, por meio da celebração de parcerias com universidades e entidades sem fins lucrativos ou da contratação de serviços, como:...”

É de se perguntar: O Spetus Bar, pela sua finalidade empresarial e pela sua experiência de um ano e meio de existência, conseguirá garantir “mais qualificação, eficiência, eficácia e efetividade na execução dos recursos” da Lei? Terá ele mais qualificação, eficiência, eficácia e efetividade do que a própria FGB que vem se especializando a anos nessa atividade pela qual cuja experiência é indiscutível?

Uma novidade, todavia, se apresenta na Nota. A informação de que existe um “atestado de capacidade técnica”, o que comprovaria “a sua capacidade de prestar o referido serviço”. Precisamos saber quem atesta tal capacidade e quais as razões fáticas e técnicas que a sustentam do tipo: que experiência e conhecimento demonstram ter, que serviços no ramo prestou e para quem.

Nesse exato sentido, a nova lei de Licitação, no inciso II, do art. 67, estabelece que a “ documentação relativa à qualificação técnico-profissional e técnico-operacional será restrita a: II - certidões ou atestados, regularmente emitidos pelo conselho profissional competente, quando for o caso, que demonstrem capacidade operacional na execução de serviços similares de complexidade tecnológica e operacional equivalente ou superior, bem como documentos comprobatórios emitidos na forma do § 3º do art. 88 desta Lei;

Nesse passo, a fim de fundamentar tal escolha, a Nota noticia uma decisão do TCU que tem, em um caso concreto, como pressuposto – sua razão de decidir – o fato da ‘... empresa apresentar experiência adequada e suficiente para o desempenho de certa atividade...”.

O que nos leva a procurar saber de uma vez por todas se o tal Atestado de capacidade Técnica consegue demonstrar que o restaurante criado há um ano e meio tenha conhecimento e experiência adequadas e suficientes para o desempenho das atividades de assessoria técnica na Lei Paulo Gustavo.

Como o Spetus Bar não foi criado para a prática de serviços técnicos de que trata o Edital de Coleta de Preços, como não é possível se obter uma experiência razoável pelo tempo de sua criação, imagine especialização, expertise, enfim, como ele não é do ramo, não é uma empresa especializada em serviços técnicos etc, toda a expectativa se volta para o único documento que se apresenta, segundo a Nota, como a prova determinante do contrário à toda facticidade até então formada.

Muito embora saibamos que nesse campo das formalidades jurídicas não existe magia, milagre, será preciso mesmo assim ver com os próprios olhos o teor desse documento que a FGB tem como milagroso. Aguardemos a sua disponibilização pública, o que até o momento ela não o fez, embora se diga ser tão transparente. Paciência. Coragem. É melhor assim!

AZUL GERAL: poemas de Ernesto Penafort



SONETO

 

enquanto a lua for calada e branca

eu serei sempre o mesmo, este esquisito,

este invisível vulto, apenas visto

quando o vento, de leve açoita as folhas.

enquanto a lua for calada e branca

eu serei sempre o mesmo, apenas visto

quando um raio de sol morre na lágrima

que se despede de uma folha verde.

eu serei sempre assim, apenas sombra,

apenas visto quando a voz de um gesto

colher no bosque alguma flor azul.

apenas visto quando em fundo azul

voar a garça (o meu adeus ao mundo?),

enquanto a lua for calada e branca. p. 33

 

 

DO POETA E SEUS ELEMENTOS

 

O poeta é um território

em permanente degredo.

o poeta, por incrível,

sente frio e sente medo.

o poeta é um promontório,

além da mão como um dedo.

(sendo a mão somente a palma

o dedo é um prolongamento

como é do corpo sua alma.)

o poeta é um território

limitado por si mesmo.

se às vezes, por ilusório,

parece que anda a esmo,

é exatamente o inverso:

o poeta é um promontório

procurando mais um verso

para urdir o seu poema,

(que absurda tessitura!)

instaurando no universo

a nação que anda a procura. p. 42

 

 

SONETO DO RELÓGIO DE PULSO

 

no pulso o relógio pousa

como ave descansando.

por sutil ele não ousa

dizer que está trabalhando.

se nos ares voejasse,

como a imagem presumida,

quem sabe não atrasasse

tanta coisa nesta vida?

o importante é muito pouco,

pelo menos para ele,

este meu violão rouco,

que de cordas não canoras,

faz-se meu e eu ser dele

pelo infinito das horas. p. 48

 

 

SONETO DO OBJETIVO MAIOR

 

tudo está por fazer e já cansada

te encontras neste início de aventura.

tudo está por ser feito e sossegada

te fincas sobre gestos de impostura.

tudo está por cumprir nesta jornada

que agora nos propomos, e amargura

tu mostras antes mesmo a caminhada

que nos há de levar a essa futura

vida que nos aguarda em seus segredos.

por que deténs-me então por entre os dedos

que, antes, teceram tudo o que hoje somos?

não podemos ficar. partir é tudo.

e o que temos de bom sobre o chão nudo.

vamos, seremos mais do que já fomos. p. 50

 

 

SONETO DO AZUL IRREAL

 

o irreal azul engole o mundo, enquanto

da árvore magra polipartem galhos

e o vento os faz dançar. a leve dança

confunde-se à das aves, negras aves

que além das folhas verdes se entreveem

em voos circunféricos (ao bote

a postos?). Já um canto ocupa o quadro

e o vento, esse abstrato, como à chuva,

borrifa as notas pelo incerto azul.

e permanece o azul, incerto e calmo.

sob sua pele semelhante a um lago,

em cujo fundo um mundo se agitasse,

existe o nosso (o que foi e é, será?)

agora, vê-se o azul sangrando nuvens. p. 54

 

 

SONETO DO MURO AZUL

 

na tarde já passada ainda presente

está o vulto do amor inacabado.

uma lembrança de asa que pressente

um voo de garça atravessar, molhando,

o olhar horizontal do poeta ausente

ao momento em que estava ali fincado.

era de fato amor. irreverente,

foi o seu gesto triste e tão lembrado.

ambos se olharam. desse olhar cruzado,

ergueu-se o muro azul e transparente

que pelos dois jamais fora pensado.

a música é a culpada? e o olhar turvado?

na tarde já passada ainda presente

está o vulto do amor inacabado. p. 56

 

 

PENAFORT, Ernesto. Azul geral. 2ª edição. Manaus: Editora Valer / Governo do Estado do Amazonas / Edua / UniNorte, 2005.

_____________

Ernesto Penafort, poeta e contista, nasceu em Manaus-AM, no dia 27 de março de 1936. Morreu na mesma cidade em 3 de junho de 1992. Publicou: Azul geral (1973), A medida do azul (1982), Os limites do azul (1985) e Do verbo azul (1988).

sábado, 23 de setembro de 2023

COMO UM RESTAURANTE DE SENA MADUREIRA SERÁ O GESTOR DA LEI PAULO GUSTAVO NO MUNICÍPIO DE RIO BRANCO. COMO? COMES?

 João Veras 23/09/23

 

Que a cultura sempre foi tratada, pelas gestões públicas, de forma, para dizer o mínimo, negligente, isso não é novidade alguma. Houve um tempo em que os gestores principais eram nomeados seguindo, pelo menos, uma norma básica que é seu envolvimento biográfico e profissional com a área. Eram pessoas, como costumamos dizer, da cultura. Não podemos esquecer-nos de ter tido um Francisco Gregório Filho como um exemplo mais que perfeito, um cânone, por esse critério.

Não que isso – por si – tenha resolvido alguma coisa estruturalmente. Mas é bem diferente quando um estranho empossado se apossa de uma causa que não é sua.

Ultimamente, basta ser presidente de partido político, assessor de político, cabo eleitoral, candidato derrotado de eleições, mas candidato para as próximas... e pronto: vira autoridade máxima na área da gestão pública de cultura.

O movimento cultural – grupos, entidades e instituições da sociedade civil - tem de alguma forma participado disso quando fica calado diante dessas nomeações inconvenientes que se acumulam. Já se sabe no que vai dar em prejuízo para a gestão de política de cultura. Os exemplos estão na história e à nossa frente martelando na nossa cabeça todo dia. 

Vamos ao último deles que acaba de sair do forno do inferno pelo qual temos passado – nós da cultura - especialmente nestes últimos anos.

Todos sabem que os editais das leis de cultura sempre foram – pouco bem e muito mal – administrados diretamente pelas próprias gestões públicas. Isso em todos os níveis federal, estaduais e municipais.

Tais gestões sempre ofereceram mais problemas que soluções por várias razões. A descontinuidade dos serviços; seja pela alternação sistemática de gestores e daí as formas diversas de governar; seja pela ausência de política de formação de pessoal especializado na área cultural, nesse sentido a falta de concursos públicos para área e a manutenção de um exército de cargos de confiança mais confiados – coniventes - que competentes etc.

De qualquer modo, com todos os problemas, não podemos negar a constituição no corpo da gestão pública de uma especialidade nessa área. Por tantos anos fazendo, não se pode descrer na competência, relativa pelos problemas que se repetem, da gestão pública para administrar os editais.  Era para fazer bem feito. Não fazem porque não querem. E se não sabem fazer estão em lugar errado. São pagos. Simples. Por que temos que pagar pelo mal feito?

Mas eis que a Fundação de Cultura do Município de Rio Branco Garibaldi Brasil resolveu inovar para a gestão da Lei Paulo Gustavo.

Seria para melhorar? É da sua obrigação. É o que se espera. É o que todos merecemos.

Acaba de contratar, por dispensa de licitação, um restaurante da cidade de Sena Madureira, o Spetus Bar, que prestará “serviços de assessoria para elaboração de trabalhos técnicos e prestação de contas referente à operacionalização (implementação e execução) da Lei Paulo Gustavo (Lei Complementar nº 195 de 8 de julho de 2022) no âmbito do Município de Rio Branco.”

É assim mesmo que está formalmente firmado pelo Contrato nº 370/2023 (Proc. Administrativo nº 300/2023-FGB), já regularmente celebrado e assinado no dia 15 do corrente mês, cujo estrato foi publicado no Diário Oficial do Acre, de nº 13.619, no último dia 20 agora. É tudo bem rapidinho...

Fato: Conforme Comprovante de Inscrição e Situação Cadastral da Receita Federal do Brasil, a atividade principal da empresa contratada é de restaurantes e similares; e no rol das atividades secundárias (um milhão de atividades) não consta a de “serviços de assessoria para elaboração de trabalhos técnicos...” ou alguma atividade de serviço que seja equivalente, tanto quanto de assessoria, tanto quanto de elaboração de trabalhos técnicos, intelectuais.

A empresa em questão, pelo fato de existir a um pouco mais de um ano e meio (foi criada em fevereiro do ano passado), não teria como ter experiência na área.  Não teria como estar consolidada no mercado, ter expertise na área dos serviços contratados. Não é a sua especialidade, nem secundária! É de se perguntar: como os fará bem feito? E o fato em si já responde: não tem como!

Acho legítimo o gestor público buscar formas alternativas e legais para oferecer um serviço público eficiente etc. Todavia, não pode, em nome disso, buscar legitimar uma tragédia anunciada, isto é, o contrário do que deveria já sabendo que não deve.

Uma tragédia administrativa anunciada e paga com dinheiro público. A conta começa com a bagatela de R$205.000,00 (duzentos e cinco mil reais), por um serviço de um pouco mais de três meses. Não ficando certamente nisso, nem no prazo nem no valor, face às suas prorrogações e aditivos financeiros de costume etc. e tal.

É de se perguntar: pelo lastro de experiência que tem, é justificável a administração pública pagar um terceiro que não tem nenhuma experiência no ramo, tampouco exerce e foi criada para prestar tais atividades?

No que se justifica tal decisão que parece só servir ao fato de “tirar da boca” do produtor cultural um valor tão necessário à sua sobrevivência? Qual é mesmo a finalidade da lei?

Gostaria de saber a motivação de tal decisão. Seria baseada numa autodeclaração de incompetência para fazer o que toda a vida fez?

Essa prática de terceirização tem virado moda há muito tempo. É a gestão pública direta se esvaziando e se eximindo da sua obrigação de prestar um serviço público de qualidade. No caso em questão, parece se apresentar um exemplo padrão.

A regularidade jurídica da decisão de dispensa de licitação, da necessidade dos serviços e também da aprovação da empresa Spetus Bar realizar os serviços contratados ficam para a análise jurídica dos órgãos externos de fiscalização da administração pública como Ministérios públicos e Tribunais de contas. É o que se espera. São de suas obrigações, que ainda não foram terceiradas!

Se estiver tudo legalmente justificado, então precisamos saber o que é o legal nessa história, sem deixar de considerar que a moralidade é um dos princípios constitucionais basilares da gestão pública. 

O fato é que, sob o ponto de vista da moral e opinião públicas, o quadro nos impõe pensar haver no caso algo no mínimo bizarro nessa história. Depois de tudo que aconteceu nesse sentido em volta justamente da Lei Paulo Gustavo, nós da cultura não merecemos mais viver cenas de horrores!! Não mesmo!!!

quinta-feira, 21 de setembro de 2023

POEMAS DE DALCÍDIO JURANDIR

NOTURNO

 

Eu e o silêncio

da sala,

leio e penso.

Ninguém me fala

do luar que há lá fora.

 

Hora a hora

a vida passa, como uma carícia...

 

E eu, no silêncio,

da sala...

Silêncio. p. 79

 

 

OS JAMBEIROS

 

No silêncio do arrebalde

A manhã amadurece os jambos

E anima a festa dos pássaros.

E os jambos são tão gostosos

De um gosto ingênuo de ternura

Macio e selvagem,

Gosto de boa terra orvalhado e cheirosa

De água travessa a cantarolar no fundo das espessuras,

De alegrias anônimas,

De sossegos vegetais pelo mundo,

De infâncias perdidas que ficaram,

Como raízes humanas nas fruteiras.

 

Quando vais entre os jambeiros

Colher os jambos maduros,

As árvores te cobrem de orvalho

E o céu se veste de sol,

E vens coroada de orvalho como toda

Enfeitada de pérolas

E envolta de luz como se fosse toda

A manhã de verão

Com as mãos cheias de jambos... p. 21

 

 

TEMPO DE MENINO

 

Asa de garça

passou por cima da minha cabeça ao entardecer...

Chuva encheu a lagoa.

 

Me lembro de Cachoeira

ao entardecer, no tempo do inverno.

O quintal da casa

cheio d'água,

para minha alegria de menino levado,

doidinho pela água como filhote de pato brabo.

Alegria de brincar com meus navios de miriti

E de espantar as sardinhas.

Me lembro das piaçocas,

Das marrecas,

Dos tuiuiús passando muito alto

indo embora pros lagos desconhecidos.

Me lembro daquele moinho de vento

Parado no meio das águas.

Montarias levando meninos para as escolas.

O Velho Mané Leão, surdo e trôpego,

Subia a torre da igreja para bater a ave-maria.

 

Gaviões,

Colhereiras,

marrecas, piaçocas,

tuiuiús

passavam por cima da igreja...

 

Eu não pensava nos reinos encantados

que há nos livros caros dos meninos ricos

(quando eu conhecia os contos de Perrault)

Sabia histórias que a Sabina, cria de casa, me contava,

Pensava nas canoinhas de miriti bubuiando nas águas,

nos matupiris que comiam os miolos do meu pão,

nos cabelos verdes da mãe d'água,

no choque dos puraqués,

no ronco dos jacarés,

nos sucurijus que podiam vir

buscar a gente

quando estivesse descuidada

tomando banho no quintal de casa...

(quando eu pensava nas fábulas de La Fontaine).

Eu tinha a Sabina, cria da casa,

Para me ensinar a linguagem dos bichos marajoaras.

Eu me mirava, horas e horas, no espelho das águas,

E quando o vento vinha arrepiando as águas,

O meu retrato se arrepiava também, se desmontava,

[perdia,

o sério de um retrato bem tirado

para ser uma criatura que o vento bolia

no espelho das águas...

 

Não vejo mais nenhuma asa de garça...

Não vejo mais nenhuma paisagem de água e mururé

[em volta de mim

 

Infância, tempo de menino,

Sucuriju te levou p'ro fundo das águas

Com todas as histórias de Sabina

As canoinhas de miriti

Os cabelos da mãe dágua

O acalanto da rede no balanço bom demais que

[mamãe me fazia...

É por isso que com meu velho dicionário

Leio os contos de Perrault

E Compreendo a fala dos bichos de La Fontaine. p. 39-41

 

 

Velho Mané Grigório

 

A febre do Arari matou meu amigo Mané Grigório...

Mané Grigório me contava histórias

De fazendeiros ricos e honrados

Que iam, de noite, marcar o gado

Das “fazendas nacionais”...

 

Aquela sua mão dura como o couro

Quebrou muito boieco nos dias de ferra!

Peiou garrotes que faziam medo pro “seu” Guimar!

Curou bicheira dos bezerros

E puxou peito de vaca braba como onça,

Que enchia as cuias de leite espumoso,

Gostoso como luar na noite quieta

da gente, trepada nos paus da porteira,

comer carne com pirão de leite

E ouvir histórias da Mãe de Fogo...

 

Mestre das malhadas,

Chefes dos embarques,

Chefão na condução,

Sarado na castração!

Novilho ergueu a cabeça na ponta do gado

Vera, diabo, vera!

Que nada, é teimoso!

Trepida o alazão nas terroadais

Atrás do novilho!

Velho Mané Grigório finca o pé no vazio do seu cavalo

e laça o bruto só na mão virada!

Vaqueiro de brio, feitor como poucos

Lhe dessem a fazenda pra tomar conta

O gado aumentava que nem um milagre!

 

Cansado, já velho, fez um chalé em Cachoeira...

Era longa a sua carreira!

Fazia, devagar, no remanso das tardes,

os relhos e esticando as cordas com seus netos

Contava pra gente histórias:

Ferras!

Embarques!

Malhadas!

Patrões unhas de fome

Brancas de estimar...

 

Velho Mané Grigório:

Você foi um santo de tanto vaqueirar!

S. Sebastião lhe deu o lugar que merece,

Muito bezerro chorão pedia por você quando ficava bom das

bicheiras...

Você que rezava pro santo na tiração das esmolas.

Beijava, benzendo-se, as fitas azuis, verdes, cor de rosa do santo...

S. Sebastião, S. Sebastião, santo dos vaqueiros!

O senhor bem sabe a fama do velho Mané Grigório

por estes campos, S. Sebastião! p. 25-26

 

JURANDIR, Dalcídio. Poemas impetuosos ou o tempo é o do sempre escoa. Organização Paulo Nunes. Belém: Paka-Tatu, 2011.