Gilberto A. Saavedra
– Rio de Janeiro
TARAUACÁ – AC (Palco
da escrevedura)
Município
brasileiro do Acre com o nome de origem indígena, com o significado de “rio dos
paus e das tronqueiras”.
HISTÓRIA DE “CARRAPICHO”
E OS DESBRAVADORES HOMENS DO CAN NOS CÉUS DO ACRE E DA AMAZÔNIA, NAS ASAS DA
FORÇA AÉREA BRASILEIRA.
Esta é, apenas, um
pouco da história de José Galera dos Santos; homem do povo que, ficou
carinhosamente conhecido no município de Tarauacá – Acre, como “CARRAPICHO”,
personagem folclórico da cidade.
Um cidadão
brasileiro simples, que deu o seu nome ao aeroporto dessa hospitaleira cidade
acreana.
Há 40.139 habitantes
em Tarauacá (Ano – 2017 – estimativa IBGE).
A distância entre
Tarauacá e Rio Branco, capital do Acre é 409 Km (por estradas) e 384 Km em rota
aérea (linha reta).
Mas o que fez esse
brasileiro de tão relevante em Tarauacá e, em que época, para que merecesse ter
o seu nome (ele tinha o afeto do povo) no aeroporto da cidade?
Sabe-se que, ele
chegou ao município para uma apresentação circense, mas que, resolvera ficar
nesse novo lugar.
Para melhor
entender esta época, contarei essa história desde o seu início, com todos os
seus coadjuvantes importantes que, conviveram esse período.
Eu, tive o
aprazimento de participar desse memorável tempo, em meados dos anos de 1950,
durante os meus 6/7 até os 8 anos de idade em Tarauacá.
Por isso, eu me
considero, uma testemunha ocular que (depois de adulto), pesquisei para melhor
entender, o que eu na qualidade de uma criança, jamais poderia compreender uma
parte dessa bela história patrocinada pelo legendário “Carrapicho”.
Mas, para falar
desse famoso personagem de Tarauacá e de sua história, eu não poderia deixar de
fora a imprescindível atuação da aviação aérea (civil e militar) no Acre.
Em especial à FAB
(Força Aérea Brasileira) e suas tripulações do CAN (Correio Aéreo Nacional),
pois foi o desvelo de Carrapicho (durante anos e anos), a esses bravos
aviadores nos céus acreanos, em especial ao da FAB que, fez nascer essa
marcante história.
AMAZÔNIA E O
TRANSPORTE FLUVIAL
Todos nós sabemos
que, o Brasil é um país de dimensão continental; o espaço de norte a Sul é de
leste a oeste é imenso.
O isolamento de um
lugar distante, a um centro mais desenvolvido, sempre foi, e ainda é, um grande
problema, principalmente àquelas pessoas que vivem na Amazônia isoladamente em
povoações ribeirinhas.
Nessa região, por
exemplo, em uma grande parte dessa imensa extensão de terras, na data atual
(2017), ainda predomina essa exclusão social.
O transporte
fluvial, como o único meio de interligação, foi e é ainda essencial para essa
região, através de sua gigantesca bacia de hidrovias, porém, muito lento e sem
o amparo vital à navegação.
Em muitos casos, há
um transporte sem conforto (a maioria); sem privacidade; capacidade de
passageiros acima do permitido, ocasionando incontáveis vezes o naufrágio da
embarcação.
Devido o gigantesco
tamanho da Amazônia, chegar ao destino era e continua (não mudou nada) um
sacrifício para quem precisava viajar.
ISOLAMENTO DO
INTERIOR DO ACRE COM RIO BRANCO - CAPITAL
Antes da criação de
campos de aviação no Acre, todo o interior do estado era completamente isolado
da cidade de Rio Branco, capital acreana.
O único meio de
transporte daquela época era o que lhe fora dado pela mãe Natureza, o fluvial.
Mas como os rios
acreanos (a maior parte), correm entre si paralelamente em seus leitos, em
direção ao rio Solimões, a longinquidade entre capital e interior, torna-se
difícil e longa.
Esse empecilho
fluvial, criado pela geografia da natureza do Acre, provoca um transtorno ao
estado.
Exceto aos
municípios de Brasileia, Xapuri, Epitaciolândia, Porto Acre e Assis Brasil,
todos banhados pelo rio Acre, o mesmo da capital.
Havia escassez de
gêneros de primeiras necessidades.
Alimentos
importados, remédios; além de não ter como deslocar rapidamente um paciente
enfermo para um centro mais desenvolvido.
O abastecimento
fluvial lento procedente de Belém (mas fundamental), era, e é ainda realizado
durante às cheias dos rios.
A implantação de um
transporte aéreo (tão sonhado pelos acreanos), era necessário para o escoamento
de produtos básicos ou à remoção rápida de pessoas doentes que careciam de um
tratamento de saúde mais prudente em Rio Branco ou no Sul do país.
TAQUARY – PRIMEIRO
AVIÃO EM RIO BRANCO
Só a partir de
1936, o primeiro avião chega ao Acre.
Era um hidroavião
(equipado com dois botes); ele realizou uma amerissagem (pouso de aeronave em
superfícies aquáticas) no rio Acre, na capital acreana.
Seu nome: TAQUARY
(batizado pelo povo), um avião monomotor modelo Junkers-W-34 de fabricação
alemã.
Na chegada da
aeronave, houve uma grande recepção por parte das autoridades locais e o povo,
em geral, já ansioso, por causa de frustrações anteriores, quando um avião
anfíbio da Panair, programado para amerissar no rio Acre, mas não o fez.
Passou duas vezes
voando bem baixinhos por cima das cabeças das pessoas que, estavam às margens
do rio à espera do avião.
A aeronave ganhou
altitude, seguiu um estirão no espaço e sumiu no horizonte, para decepção de
todos os presentes ao ato. (Fonte jornal “O Acre” da época - 1936.)
Embora o avião
Taquary da Condor tenha chegado primeiro ao Acre, mas quem inaugurou a primeira
linha aérea com roteiro fixado (de 15x15 dias) de Rio Branco ao sul do país foi
a Companhia da Panair.
A Condor depois da
Segunda Guerra Mundial passou a se chamar Serviços Aéreos Cruzeiro do Sul com
grandes serviços prestados ao nosso estado, Amazônia e ao país, juntamente com
a Panair e Vasp.
Um ano depois (em
1937) do avião Taquary chegar ao Acre pela primeira vez, é inaugurada a
primeira pista de pouso de Rio Branco pelo o novo interventor Manoel
Epaminondas Martins, sonho que Martiniano Prado não conseguiu concretizar (já
tinha ido embora do Acre) pois até então, só os aviões do tipo anfíbio chegavam
a Rio Branco, capital do Acre.
Os trabalhos iniciais
desse campo de aviação, foram executados por um mutirão de acreanos que,
atenderam de livre e espontânea vontade ao chamado, ainda (em 1935) no governo
do interventor federal Martiniano Prado.
Tempo depois, foram
implantadas várias pistas de pouso pelo o interior do estado do Acre.
Foi um grande
acontecimento naquela região do Acre, trazendo proveitosos benefícios para o
povo interiorano com tamanha rapidez, até então considerados impossíveis sem o
avião.
Mas o maior
benefício para o acreano, estava por vir.
CAN (CORREIO AÉREO
NACIONAL NO ACRE)
No ano de 1947, o
CAN inicia os seus voos para o então Território Federal do Acre.
O roteiro da linha
faz ligar as seguintes cidades: iniciando pelo Rio de Janeiro - São Paulo -
Três Lagoas - Campo Grande - Cuiabá - Cáceres - Vila Bela - Forte Príncipe -
Guajará Mirim - Porto Velho - Rio Branco - Sena Madureira - Feijó - Tarauacá -
Cruzeiro do Sul - Xapuri e Basileia.
Com o surgimento do
CAN (Correio Aéreo Nacional) ao Acre, o interior ficou ligado quinzenalmente a
Rio Branco e ao Sul do país, graças ao então Major Eduardo Gomes, depois,
Marechal do Ar e, como Brigadeiro, um dos mentores dessa idealização (do CAN),
sendo proclamado pelo elogiável feito, como o “Patrono da FAB”.
Os aviões que
chegavam faziam uma escala de 15 em 15 dias, pelo o interior do Acre,
transportando cargas (de qualquer tipo); remédios; assistência médica e livros
para os municípios, além de passagens grátis para os mais desprovidos de
recursos.
Atualmente (2017),
a maioria dos municípios estão interligados entre si pelos tráfegos aéreo e
rodoviário.
Aproveito essa
narrativa, para chamar a atenção, de novos brasileiros (jovens), que
desconhecem os importantes serviços prestados à “Pátria”, por esses valorosos
homens do ar.
Imbuídos dos
melhores propósitos deram às suas vidas durante muito tempo, uma missão de
valor na sociedade (ajudando os mais necessitados), sem sombra de dúvidas, numa
causa nobre que merece o reconhecimento dos brasileiros.
Muitos foram
acometidos de patologias endêmicas da região (malária; infecções associadas à
água como hepatite ou febre tifoide; verminoses e a leptospirose); além das
mortes em acidentes aéreos, nas quedas dos aviões durante essa espinhosa missão
de desbravar o interior brasileiro.
Um lugar sempre
esquecido pelo poder público da União, voltado somente, sempre para a extensa
costa marítima (litoral), deixando a gigantesca Amazônia num abandono total.
Mesmo com poucos
recursos (instrumentos) técnicos de bordo, esses aviadores cumpriram essa
grande façanha de integração nacional nas asas da FAB, tendo como orgulho da
aviação, um brasileiro - Alberto Santos Dumont, “O pai da aviação”.
A Aeronáutica
através de suas aeronaves da Força Aérea Brasileira prestou um fundamental
serviço aos irmãos brasileiros do interior de nossa nação, com os voos dos seus
aviões anfíbios PBY Catalina – o ‘pata choca’ (desde 1958) e o Douglas C-3 e 47
do CAN (Correio Aéreo Nacional) num trabalho incessante e primordial, de
extrema essencialidade ao Brasil, principalmente à nossa gigantesca Amazônia.
O povo acreano no
gesto de agradecimento à FAB, pelos seus voos nos céus do Acre, homenageou os
homens do CAN com a seguinte frase.
“CORREIO AÉREO NACIONAL:
GLÓRIA PACÍFICA DA
FORÇA AÉREA BRASILEIRA.”
Também foi de suma
importância para o Acre e Amazônia os serviços aéreos das extintas companhias
da Cruzeiro do Sul, da Panair do Brasil e Vasp, as quais também operavam em
suas linhas os Catalina e os DC-3 e C47.
CARRAPICHO E OS
DESBRAVADORES AVIADORES DO CAN NOS CÉUS DO ACRE
Um homem
brasileiro, modesto, chamado de José Galera dos Santos que, com sabedoria,
reconheceu logo o grande e espinhoso trabalho dos bravos homens do CAN.
Um artista de cenas
circenses, desses muitos que vagueiam pelas plagas interioranas, mostrando o
seu trabalho para sobreviver e angariando plateias, principalmente dos mais
jovens ou crianças.
José Galera ao
chegar a Tarauacá, conseguira tudo isso: carinho; amizade e o respeito do
taraucaense, pela sua despretensiosa arte como artista de circo, mas de
profícua relevância cultural para o município.
José Galera,
apaixonou-se tanto pela cidade que, resolvera ficar.
Ficou e não foi
mais embora do novo lugar.
Rapidamente se
tornara uma pessoa querida em Tarauacá, pelo seu modo reverencioso com todos.
Já como funcionário
do aeroporto de Tarauacá na função de guarda campo da pista de pouso,
carinhosamente chamado de ‘Carrapicho’.
Com o seu jeito
alegre, brincalhão e inteligente, não perdeu o ensejo de homenagear os
aviadores do CAN quando de suas chegadas em Tarauacá de quinze em quinze dias.
Com o mínimo de
tempo de estadia da tripulação no aeroporto, Carrapicho, sagazmente, fazia a
festa no próprio ambiente, durante o tempo necessário do desembarque e embarque
das cargas da aeronave.
Eu como testemunha
ocular, de uma parte dessa bela história em meados dos anos de 1950/2/3, ainda
criança, tive o prazer de conviver com uma parte desse magnífico tempo
patrocinado pelo carismático ‘Carrapicho’.
Na data da chegada
do avião, lá estava eu (ainda garoto), mas me recordo como se fosse hoje, das
brincadeiras do Carrapicho com suas pernas de pau, o megafone ou sua corneta,
cantando e brincando com o público; às vezes com o seu tradicional uniforme da
Aeronáutica, com suas medalhas no peito.
O aeroporto, também
ficava repleto de pessoas para saber quem chegava e quem partia; a recepção aos
aviadores era calorosa.
Tarauacá era
governada pelo o então Prefeito Municipal Arnaldo de Farias; esposo da professora
Creusa.
Ainda me lembro dos
nomes de algumas famílias tradicionais: muitos árabes (turcos, sírios,
libaneses), etc. Nagip, Said Bachir da Casa Samaritana; F Baima; Muni Bissot;
Raimundo e Humberto turco; Jose Higino; Jofre Catão e sua farmácia; Leal; Pedro
Correia; família do Jonas Lopes (da padaria) B. Roque; Baima, etc.
José Galera
preparava um grande banquete à tripulação da FAB.
Uma farta mesa de
refeição com doces e o cardápio da cidade, além das mais variadas frutas da
região, incluindo o gigante e gostoso abacaxi de Tarauacá; uma grande bancada
cheia de iguaria apetitosa que, dava água na boca de qualquer um dos visitantes
ao evento.
Com o calor dos
participantes ao ato de boas-vindas, todos se envolviam nessa festa quinzenal.
Carrapicho sendo um
atendente solícito, logo ganhou uma grande admiração das tripulações da FAB
que, dirigiam o CAN no Acre.
E assim, durante
anos e anos, ele foi estimado por todos do CAN na passagem por Tarauacá.
Carrapicho, no
decorrer de sua vida, foi condecorado várias vezes pela tripulação da FAB.
Foi homenageado com
a Comenda (medalha) Brigadeiro Eduardo Gomes, pelo seu tratamento cordial com
os homens do CAN no município de Tarauacá.
Tempo depois, a Força
Aérea Brasileira prestou uma homenagem ao Carrapicho, pelo seu elogiável
trabalho e o carinho aos integrantes do Correio Aéreo Nacional, o que lhe
rendeu uma medalha de “Amigo da FAB”.
Numa demonstração
de mesura ao Carrapicho, a FAB resolvera trazer ao Acre os aviões da
Esquadrilha da Fumaça.
As aeronaves
fizeram emocionantes acrobacias nos céus de Rio Branco e em Tarauacá.
O espetáculo aéreo
contou com a participação de Carrapicho de dentro de uma das aeronaves da FAB.
Nessa época da Esquadrilha
da Fumaça, a minha família já estava em Rio Branco, mas do chão, eu presenciei
as piruetas aéreas da FAB.
Jose Galera dos
Santos o Carrapicho, é considerado, como o maior incentivador cultural de
Tarauacá. Nunca deixou de anunciar os espetáculos (arte e cultura) com o seu
megafone.
Em 2009, a rádio
Nova Era – FM, de Tarauacá, instituiu em sua homenagem o prêmio Carrapicho de
cultura, agraciado aos que mais se destacam nas artes no município.