Hélio Rodrigues da Rocha
Adjunto do Departamento de Língua Inglesa na
Universidade Federal de Rondônia (UNIR)
RESUMO
A existência de Lábrea,
cidade situada ao sul do Estado do Amazonas, à margem direita do rio Purus, é
resultado do trabalho incansável do explorador Antônio Rodrigues Pereira Labre.
Foi no ano de 1869 que esse maranhense subiu o rio Purus e, depois de se apropriar
das terras dos indígenas Paumary e Apurinã, fincou o marco do que viria a ser a
Vila de Lábrea. Assim, neste texto faz-se uma historicização de alguns tópicos
sociais, políticos, econômicos, etnográficos e identitários dessa comunidade
amazônica, em especial sobre a vida e o tempo de Antonio Rodrigues Pereira
Labre, um dos principais colonizadores do rio Purus, “onde, a 1º de fevereiro
de 1871 assentava os fundamentos da actual Villa da Labrea, a séde do município
e comarca do Purús creados pela lei provincial n. 523, de 14 de maio de 1881 a
que tenho consagrado todo esforço de minha actividade” (LABRE, 1887, p. i).
Pelo exposto, é apresentar tanto o explorador e político da era provincial,
Pereira Labre, quanto a cidade amazônica que ele sonhou, fundou, cortejou,
governou e amou.
Palavras-chave: Labre; Política;
Construção de cidade; Cidade de Lábrea.
Introdução
Uma cidade nasce,
cresce, ilumina, aquece, alegra o coração do viajante, acolhe, envaidece,
sofre, recebe aplausos, homenageia, frutifica e vive na memória de seus filhos;
ela é fruto de uma ideia, a de fundação de um centro político administrativo. É
às cidades, que os humanos, em busca de conhecimentos institucionalizados e
aplicados, vão e se fixam, nem que seja por alguns anos. Este texto procurará
demonstrar como se constrói, como foi fundada e edificada uma cidade amazônica.
A existência de Lábrea,
a princesinha do Purus, cidade situada ao sul do estado do Amazonas, à margem
direita do rio dos antigos Purupuru, é resultado do trabalho incansável do
advogado, político e explorador Antonio Rodrigues Pereira Labre. Foi no ano de
1869 que esse maranhense subiu o rio Purus e, depois de se apropriar das terras
dos indígenas Paumary e Apurinã, fincou o marco do que viria a ser a Vila de
Lábrea, a paixão de sua vida e o seu maior feito. Assim, neste texto faz-se uma
historicização de alguns tópicos sociais, políticos, econômicos, etnográficos e
identitários dessa comunidade amazônica, em especial sobre a vida e o tempo de
Antonio Rodrigues Pereira Labre, um dos principais colonizadores do rio Purus,
“onde, a 1º de fevereiro de 1871 assentava os fundamentos da actual Villa da
Labrea, a séde do município e comarca do Purús creados pela lei provincial n.
523, de 14 de maio de 1881 a que tenho consagrado todo esforço de minha
actividade” (LABRE, 1887, p. i). Como dito, o objetivo principal é apresentar
tanto o explorador e político da era provincial, Pereira Labre, como também a
cidade amazônica por ele enamorada, cortejada, edificada, governada e amada.
Antonio Rodrigues
Pereira Labre nasceu na fazenda “Suçuapara”, que ficava a cerca de 2
quilômetros do povoado de Passagem Franca, no Maranhão – no dia 01 janeiro de
1827 – o primogênito do casal Bento José Labre e Joana Batista de Freitas. É
esse filho varão do ex-seminarista Bento José Labre que, aos 54 anos de idade,
decidiu se instalar nas terras firmes de Amaciary, ou Maciary, à margem direita
do rio Purus, chamado assim por causa dos povos originários que navegavam em
suas águas, os Purupuru. Obviamente, outros grupos indígenas circulavam por
esses territórios, entre outros, os Paumary, Apurinã, Zuruahá, Catuquina, etc.
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Antonio Rodrigues Pereira Labre (Imagem: Revista Ilustrada, 1888) |
Todavia, para que
Antonio Rodrigues Pereira Labre ficasse sabendo das explorações que estavam
ocorrendo na Província do Amazonas e viajasse para o rio Purus, foi decisivo o
encontro, em Belém do Pará, com Braz, “filho de Manoel Urbano da Encarnação, na
casa comercial do Visconde de Santo Elias (Elias José Nunes da Silva &
Cia), nos primeiros meses de 1869” (CORNWALL, 2017, p. 49).
Fazia certo tempo que
Manoel Urbano explorava o Purus e seus afluentes e já havia aberto um seringal
na margem esquerda daquele rio, onde residia com a esposa e alguns filhos. Tal
lugar era chamado Canutama. Dali Manoel Urbano partia tanto para a cidade de
Manaus, onde mantinha contato com muitos exploradores e alguns políticos,
quando navegava para o interior dos rios amazônicos em busca de produtos
extrativistas e arregimentando grupos indígenas para as aldeias localizadas às
margens dos rios maiores. É por meio desse desbravador amazonense que Labre se
fixa na região.
Ao contrário de seu
anfitrião, Labre era um homem das letras; conheceu o alfabeto provavelmente com
o seu pai ou um tutor, pois “reconhecendo os talentos de seu filho, os pais
procuraram dar a maior atenção possível a seu preparo intelectual desde a
infância” (CORNWALL, 2017, p. 17). Provavelmente, entre os anos 1843–1848,
Labre cursou Ciências Sociais e Jurídicas no Rio de Janeiro. De volta ao
Maranhão, se interessou pela política e “em 1859, com 32 anos de idade, assumiu
como presidente interino à Câmara Municipal de Passagem Franca. Em 1861-62 foi
indicado como Delegado da Instrução Pública nesse município de Passagem Franca”
(CORNWALL, 2017, p. 18).
Aos 40 anos de idade,
solteiro e sem filhos, Labre faz uma viagem que pode ser chamada de pedagógica,
considerando-se o que ele vai colocar em prática após o retorno ao Brasil de
volta da Europa e dos Estados Unidos. Foi nessas cidades estrangeiras que Labre
viu locomotivas, telégrafos e a imprensa operando com toda a ciência dos homens
das letras.
O telegrápho é o
mensageiro das communicações para todos os pontos do paíz, por mais
insignificante que elle seja, pondo-os em contacto immediato com os grandes
centros no curto espaço de alguns minutos; e todos commumente com toda Europa
pelo cabo telegraphico atlântico, publicando-se as notícias diárias, e negócios
importante de todas as praças, que interessam. Nas grandes cidades os
principais hoteis, repartições publicas, e os grandes estabelecimentos têm o
seu escriptorio telegraphico privado.
Em qualquer lugar que
se levante uma povoação vem a via férrea, o fio telegraphico e a imprensa, os
tres condutores da civilização e do progresso, e estabelecem residência fixa,
senão perpétua. (LABRE, 1867, p. 6).
Pode-se inferir do
trecho citado que a cidade, tanto no olhar de Labre, como no de outros
cronistas de meados do século XIX, é a célula da civilização por excelência. Ao
escrever sobre a representação da cidade, Ramos afirma que “a cidade era um
espaço utópico, lugar de uma sociedade idealmente moderna e de uma vida
racionalizada” (RAMOS, 2008, p. 137). O conceito cidade, enquanto “vida
racionalizada” pode ser lido etimologicamente, na concepção de Ramos (2008),
conjuntamente com o conceito de “civilização”. Em Labre a cidade está
estritamente ligada ao de progresso, de ordem, o espaço geográfico próprio para
a significação da vida em sociedade; é a manifestação da ação humana versus
natureza; é a dominação de espaços vistos como devolutos, porque Labre ignorou
os grupos nativos, seus territórios e suas territorialidades, ou as paisagens,
a vida e a memória, arquivo histórico de inúmeras culturas ameríndias, dentre
outras.
É ignorando essas
territorialidades que o “fundador de cidade”, Labre, se apossou das terras da
atual sede municipal de Lábrea e fundou a cidade de seus sonhos. Pessoa
nãograta na província do Maranhão, por ser um entusiasta das artes libertárias,
tendo em vista que as campanhas abolicionistas marchavam firmes nas províncias
do Ceará, Paraná, Amazonas e Maranhão – embora esta última tenha sido grande
centro importador de escravos – Labre aceitou advogar a causa de 480 escravos,
ganhando a questão (CORNWALL, 2017, p. 20).
Entre outros
acontecimentos em Passagem Franca, o que certamente influenciou na decisão de
Labre para deixar o Maranhão e viajar para o Pará e dali para o Amazonas, foi a
causa de libertação de escravos. Assim foi que, depois de haver defendido a
causa desse grupo de escravos, o presidente daquela província, grato pelo feito
de Labre, quis recompensá-lo pelo grande trabalho humanitário e, ao ficar
sabendo do sonho de Labre – que era fundar uma cidade e explorar as riquezas do
Amazonas – concedeu-lhe ajuda em homens, armas, munição, mantimentos e navio a
vapor para a grande empreitada (FERRARINI, 2009).
E assim, entusiasmado
com a empreitada e fascinado pelo mundo amazônico puruense, Labre fincou os
alicerces daquela que seria a sua maior conquista, o seu maior feito: a
fundação da cidade de Lábrea. De fato, Labre não somente fundou essa cidade,
mas explorou rios e terras da região do Purus, do Acre, do Beni, Orton e muitas
outras terras. Um ano após a posse da terra firme de Amaciary, Labre publicou
um opúsculo sob o título Rio Purús: notícia (1872), dedicado ao povo,
mas em especial aos que quisessem se estabelecer no rio Purus e explorar as
riquezas desse monstro caudaloso que deságua no rio Amazonas. De acordo com as
palavras de Labre,
Este escripto é
destinado ao povo, e especialmente, áquelles que quizerem se estabelecer no
Purús, já com o fim de explorar e colher partido das fontes de riqueza naturaes,
em que abunda este país, e já para auferir vantagens da industria agraria, onde
as terras são de uma fertilidade prodigiosa. Aos homens de sciencia, a quem
acato como divindades terrenas, peço desculpa dos defeitos e faltas d’este
acanhado e humilde fructo de meu trabalho (LABRE, 1872).
Em seu livro-convite, o
explorador maranhense apresenta um inventário das águas, dos peixes, das
frutas, dos nativos, das florestas e dos lagos, das praias e dos quelônios, das
terras, dos campos naturais, da probabilidade de prata e ouro, em suma, Labre
apresenta “um novo mundo, onde se acha a raça do pae Adão por aqui dispersa, e
ainda com os mesmos hábitos e costumes do velho papá, pois ainda não foram
expulsos de seu paraíso” (LABRE, 1872, p. 16).
Sobre esses povos
nativos, grupos nômades e semi-nômades que habitavam a região, Labre escreve
várias páginas em que faz uma breve etnografia dos Paumary e Apurinã do rio
Ituxy, mas também enumera as “tribos” do baixo, médio e alto Purus, a saber:
Mura, Curuhaty, Simaniry, Catuquina, Cipó, Pamanan, Simarunan, Caripuna,
Catauichy, Paumary, Jamamady, Pamanan, Caxarary, Uatanary, Jubery, Ipurinã,
Matenery e Canamary.
Na verdade, Labre
afirmou em seu opúsculo que todo o vale do Purus era habitado por grupos numerosos
e “de índole perversa e de maus instintos”, o que faz com que ele faça uma
viagem a Manaus para buscar armas e munições para proteger os exploradores e
conseguir se fixar no lugar em que fincou o seu barracão, uma capela e as casas
para os seus trabalhadores. Cornwall (2017) afirma que
O local que Labre
denominou ‘Lábrea’ chamava-se “Amaciari” e era habitado pelos Paumari. Estra
tribo indígena gostava de morar em cima de água. Caça na terra firme, mas não é
conhecida como boa na caça. Pesca nas águas. O grupo domina totalmente este
elemento... e Labre e seus homens recorreram ao “artigo 44 do código penal”. A
carabina Winchester era o 44. (CORNWALL, 2017, P. 53).
O controle absoluto da
região era o principal interesse de Labre. Todavia, para a formação da
sociedade labrense, contribuíram vários grupos humanos, os negros levados pelo
explorador maranhense, algumas famílias de Caxias, de Passagem Franca e região
– que foram aliciados por Labre – e os indígenas com os quais manteve contato e
negócios, principalmente os Paumary e Apurinã, que ainda hoje moram nas
periferias da cidade ou em suas aldeias no Ituxy, Passiá, Marí, Caititu, etc.
Comumente, pode-se ver vários indígenas andando em grupo pelas ruas da cidade,
mas grande parte da população atual também é descendente, ou de ascendência de
cearense, principalmente retirantes da grande seca do Ceará de 1877 e 1878
(CORNWALL, 2017).
Para fundar essa cidade
movimentada, repleta de ruas, de gentes, animais domésticos, - grande parte
abandonados por seus donos - lojas, armazéns, bares, hotéis, escolas, quadras
esportivas, igrejas, feiras, agências bancárias, mercados e supermercados,
lanchonetes, padarias, o fundador se inspirou em cidades europeias e
estadunidenses. O deslocamento da viagem foi o que permitiu a Labre, esse
viajanteintelectual, visualizar um futuro que deveria chegar para o Purus.
Lábrea seria, portanto, uma célula de uma ‘civilização’ aos moldes europeus. O
mapa imaginário da cidade por ele sonhada assumia as feições de uma Urbi
com direito a teatro, escola, igreja, câmara municipal, cadeia, biblioteca e
imprensa. Todavia, tudo isso somente seria possível com o ingresso de Labre na
política provincial e mediante os seus escritos desenvolvimentistas como também
de suas posses financeiras.
Das andanças a pé, de
canoa e no lombo de burro nasceram os escritos de Labre. Como político da
província do Amazonas, pois foi deputado nos idos de 1880-1881, ele elaborou e
fez aprovar vários projetos voltados para o desenvolvimento da sua cidade. Entre
esses projetos podemos citar o de abertura de uma estrada de Lábrea para a foz
do rio Beni, tendo em vista que já havia fundado uma fazenda de criação de gado
nos campos naturais de Puciary, que deveria servir como ponto de apoio à
empreitada. É desse projeto que nasceu a estrada de Lábrea a Humaitá, no rio
Madeira. Há também o projeto de abertura de escolas na cidade no ano de 1880.
Nas palavras de Cornwall, “a lei nº 482 de 29 de maio de 1880 criou cinco
escolas, uma para atender crianças do sexo masculino e outra do sexo feminino
em Lábrea” (2017, p. 111).
Ainda de acordo com
Cornwall, quando o bispo do Pará, Dom Antônio de Macedo Costa, passou no Purus,
mostrou o seu apoio indicando Lábrea como freguesia. É a partir dessa indicação
que Francisco Leite Barbosa, natural de Aracati, Ceará, assumiu o posto de
primeiro pároco de Lábrea, tendo servido como missionário de Cristo ali durante
30 anos. Um de seus feitos foi a invenção do “casamento pelo rumo”, algo que
ainda continua vivo na memória coletiva do povo labrense. Esse “casamento pelo
rumo”, de acordo com Cornwall, ocorria “quando um seringueiro o procurava para
tratar de matrimônio e a noiva não vinha com o cidadão, o sacerdote
simplificava o sacramento: pedia o rumo certo da barraca da eleita e virando-se
para a direção da mesma, prenunciava o conjugo vobis...” (2017, p. 127).
Outro grande feito foi a arrecadação de dinheiro, durante anos, para a
construção da matriz da cidade, a catedral Nossa Senhora de Nazaré, padroeira
da cidade.
Retornando aos escritos
de Labre, podemos afirmar que ele escreveu, além de o opúsculo Rio Purús
(1872), o Itinerário de Exploração do Amazonas à Bolívia (1886) e também
A seringueira (1895), conforme registra Sebastião Ferrarini (1981). Duas
conferências feitas por Labre na Sociedade de Geografia do Rio de Janeiro
também estão anexadas ao livro Coronel Labre (ROCHA, 2016), como também
duas crônicas das viagens desse maranhense e um trecho de um estudo etnográfico
sobre os indígenas Catauchys, publicado no Jornal do Comércio de Manaus.
Os registros
discursivos de Labre, a meu ver, instituem o lugar, a paisagem, o espaço
puruense e, por mais que contenham representações, são resultados da realidade
‘concreta’ com a qual se deparou o viajante fundador de cidade, o homem que se
casou com a cidade cognominada “princesinha do Purus”, certamente, à Caxias,
que era chamada “a princesinha do sertão maranhense”.
No entanto, se a visão
precede o conhecimento e o conhecimento a escolha, Labre não escolheu como ver
a região. Ele a intuiu a partir das culturas locais e manteve uma postura ética
e até mesmo estética da passagem e seus atributos naturais em suas crônicas.
Ele não tomou para si a decisão de como ver o mundo puruense. Nesse sentido,
Labre não inventou, nem inaugurou o Purus. Ele inventou Lábrea, um centro
político, uma cidade alcunhada – como dito – de “princesinha do Purus”.
É relevante destacar
que, em Itinerário de Exploração do Amazonas à Bolívia, Labre afirma
que,
achando-me então na
assembléia provincial apresentei um projeto, pedindo auxílio de 25:000&000
réis para realisar os trabalhos, e não foi sem grandes desgostos para mim a
opposição que encontrei inesperadamente de amigos, para levar a efeito a
approvação do projecto de exploração da estrada da Labrea ao Beni (LABRE, 1887,
p. 32).
Além do citado projeto
apresentado à Assembleia Legislativa Provincial, Ferrarini (1981) se refere a
outros projetos e discursos de autoria do coronel Labre, tais como: projeto de
criação e instalação da vila de Lábrea; projeto de criação do município
de Labrea, projetos de estradas de rodagem etc. E ainda, descobertas as
potencialidades dos campos naturais nas imediações da Vila de Lábrea –
localizados a 60 km de distância dali – Labre solicitou ao governo provincial
um empréstimo para abrir fazendas de gado nos campos dos rios Passiá e
Pussiari. Eis o termo de autorização:
LEI Nº
334 de 25 de maio de 1875.
Autoriza o presidente
da Província a mandar dar por empréstimo ao Coronel Antônio Rodrigues Pereira Labre
a quantia de nove contos de réis, para montar uma fazenda de gado vacum e
cavalar nos campos entre os rios Pussiari e Paschiam; (...)
Nuno Alves Pereira de
Mello Cardoso, Capitão de Mar e Guerra reformado da Armada Nacional, Oficial da
Imperial Ordem da Rosa, Cavaleiro das de S. Bento de Aviz e Christo e Vice-Presidente
da Província.
Faço saber a todos os
habitantes que a Assembléia Legislativa Provincial decretou e eu sancionei a
Lei seguinte:
Art. 1º O Presidente da
Província fica autorizado a mandar dar pelos cofres provinciais por empréstimo,
ao coronel Antônio Rodrigues Pereira Labre, como auxílio, para montar uma
fazenda de gado vacum e cavalar nos campos que demoram entre os rios Pussiari e
Paschiam, a quantia de nove contos de réis logo que as finanças da província
comportarem tal despesa; (FERRARINI, 1981, p. 112).
Em à conclusão de Itinerário
de Exploração do Amazonas à Bolívia, o autor esclarece que
Os meus primeiros
trabalhos de exploração tiveram começo em 1872, por um reconhecimento, que fiz,
verificando a existência dos campos da Labrea ás margens do Pucyary, afluente
do Ituxy, subindo elle embarcado, cuja exploração noticiei pela imprensa. Prossegui
n’estes trabalhos, ora por água e ora por terra, até o anno de 1881, em que
estendi os meus estudos práticos em serviço de picada a uma extensão de 200
kilometros pelo planalto, que demora entre o Purús, Madeira e Ituxy. (...).
Para melhor auxiliar nesta empreza, com muita difficuldade e despeza, havia
fundado em 1876 uma pequena criação de gado vacuum e cavallar nos primeiros
campos, á qual dei o nome de - Fazenda dos Campos – que conservei até o anno
citado de 1881, da ultima exploração; e, na verdade, era um ponto de apoio e
serviu até então de grande auxiliar, provando praticamente a boa qualidade das
pastagens para criação e engorda do gado (LABRE, 1887, p. 31).
A historiografia
brasileira mostra que, em os últimos anos do Segundo Império (1841–1889), o
pensamento social brasileiro era marcado por problemas advindos da necessidade
de delimitação do território nacional e pela formação de um país político e
economicamente independente da metrópole portuguesa. Assim, principalmente
devido às extensões territoriais brasileiras, iniciou-se um discurso, entre os
homens de comércio, política e ciência, sobre a questão de desenvolvimento,
ordem e progresso marcado pelo pensamento Positivista. Esse discurso
nacional partia, muitas vezes, de quereres e vontades de grupos provinciais,
como se pode perceber em alguns dos trechos citados neste texto, de autoria
dessa figura histórica.
Como advogado, Labre
atuou como um defensor do pensamento republicano, e até mesmo defendeu,
judicialmente, um grupo de escravos em São Luís (MA), como afirmado
anteriormente. Consequentemente, seguindo as ideias da época do nascente
Partido Republicano no Brasil (1870), Labre viveu em um período em que se
anunciavam projetos de exploração da Amazônia e de modernização para o Brasil
como um todo, entre esses projetos, as Estradas de Ferro, como exemplo, e as
tentativas malogradas de construção da Estrada de Ferro Madeira-Mamoré, (em
1872 e em 1878), “ao mesmo tempo em que”, de acordo com Assis (2010),
se anuncia a Lei do
Ventre Livre (1871) e a Lei Áurea (1888), ambas estabelecendo o discurso e as
metamorfoses do trabalho escravo para o trabalho assalariado enquanto um bem
constitucional e de liberdade liberal. Esse contexto é marcado ainda pela
transformação do comércio brasileiro, criando rotas de vapores que passam a
atingir tanto a Europa, bem como, os Estados Unidos na América do Norte (ASSIS,
2010, p. 02).
Rota de vapores
regulares para o rio Purus também fora estabelecida, no ano de 1869, pela
Companhia Fluvial do Alto-Amazonas, posto que Labre registrou que embarcou na
viagem inaugural dessa Companhia. Assim,
o desejo de conhecer a
região amazônica (...) levou-me, em dezembro de 1869, a ser passageiro do vapor
Purús, na viagem com que a Companhia Fluvial do Alto-Amazonas inaugurava a
navegação d’daquelle importante tributário do Amazonas, que deu nome ao
primeiro vapor da linha regular, que n’essa época estabelecia-se (LABRE, 1887,
p. i).
De sua viagem para esse
“novo mundo”, Labre – já conhecedor dos trabalhos de exploração do rio Purus
executada por William Chandles, nos idos de 1861-1863 – fez registros das
diversas comunidades indígenas que ali residiam, como registrado anteriormente.
Labre afirmou que
Este paíz é sem dúvida
um novo mundo, onde se acha a raça do pae Adão por aqui dispersa, e ainda com
os mesmos hábitos e costumes do velho papá, pois ainda não foram expulsos do
seu paraíso; não conhecerão ainda a nudez, em que vivem; o seu éden é bem fornecido
de fructos e animaes, por isso não têm necessidade do trabalho e do invento
(LABRE, 1872, pp. 14-15).
A visão idílica de
Labre em relação aos indígenas é marcada por um desejo de tirar essa raça do
pai Adão do estado natural em que ainda se encontravam, os arregimentando para
um núcleo urbano, ou seja, para a Vila de Lábrea, e ensiná-los o caminho da
civilização e cristandade. Para ele,
Inapropriamente esta
gente tem a denominação de - Indios -. São elles os aborígenes, ou habitadores
naturaes d’este paíz, vivendo em tribus, ainda no estado selvagem, o que é para
admirar no século 19, chamado o seculo das luzes! Passados são 1871 annos da
era christã, e mais de três seculos e meio da descoberta d’America; e o Brazil
onde fallo, sendo todo christão, e fazendo do christianismo religião d’estado,
dorme, dorme a bom dormir com os seus discípulos. Onde está o poder da igreja
christã? Infelizmente para a humanidade, o christianismo desviou-se de seu
caminho, esquecendo-se do apostolado, sua única e exacta missão na terra,
desvirtuando-se com a política profana do governo temporal. O paíz regado pelo
Purús pertence parte ao Brazil, e á Bolívia no mais alto Purús; é povoado por
mais de trinta nações selvagens, que levam a vida nômade, falando cada povo o seu
dialecto differente, tendo costumes pecualiares (LABRE, p. 15).
Com o pensamento
colonialista, como era de se esperar, Labre afirmou que convinha ao governo
imperial envidar todos os esforços para arrancar os selvagens dessa degradação,
colonizando-os, pois “poderiam prestar valiosos serviços á lavoura, e serem
cedidos a particulares, que os quizessem por contractos, mediante algumas
vantagens” (1872, p. 25).
Em seus escritos, Labre
expõe suas ideias acerca do processo de colonização dos povos nômades do Purus,
como também registra todos os esforços que ele próprio fizera para a fundação
de sua fazenda e de sua vila numa das curvas do Purus. De acordo com Carlos
Rocque, em sua Grande Enciclopédia da Amazônia,
Labre tem discursos que
ornam a Assembléia Provincial do Amazonas. Fundou a colônia que é hoje a cidade
de Lábrea. Passou trinta anos no Purus, sendo o primeiro explorador dessa
região. Em 1888, proferiu conferência na Sociedade de Geografia do Rio de
Janeiro, ressaltando que os campos existentes na região prestavam-se para a
pecuária. Na vida política agiu sempre com honestidade e desinteresse.
Celibatário, morreu paupérrimo, e em sua terra natal (ROCQUE, 1968, p. 980).
Apesar da assertiva de
Rocque acerca de ser Labre o primeiro explorador do rio Purus, a historiografia
nos mostra que a primeira expedição organizada para penetração naquele rio
deve-se a Tenreiro Aranha, presidente da Província do Amazonas, criada em 1850.
Há também notícias sobre penetração na região anterior por João Cametá, Pedro
Coriana e Manuel Urbano da Encarnação e seus filhos, todos em datas diversas
(ROCHA, 2016).
A cidade de Lábrea é
fruto da penetração de Antonio Rodrigues Pereira Labre na terra firme de
Amaciary, aquela terra virgem que, aos olhos de seu maior dominador,
tornar-se-ia o grande projeto de sua vida, a maior conquista de um homem – a
fundação de uma cidade, às margens de um rio “muito mais navegável que o
Madeira, o Purús, seu paralelo, que é um dos mais admiráveis rios do mundo. Não
tem cachoeiras. Presta-se à navegação” ... (BASTOS cf ROCHA, 2016). Foi ali que
“Ele” [Antonio Rodrigues Pereira Labre] “fundou uma cidade. “É possível
conjugar semelhante verbo. Pode-se ser fundador de uma Cidade. Criar e governar
uma cidade, que nasce assim, da vontade de um homem, neste mundo do Gênese. A
primeira cidade” do Purus. (CARPENTIER, 2009).
Seis anos após o
falecimento de Labre, em Caxias, Maranhão, fato ocorrido no dia 22 de fevereiro
de 1899, o engenheiro, geógrafo e ensaísta Euclides da Cunha, em sua viagem de
demarcação de fronteiras no alto Purus, cheio de ímpeto e louvor, exclamou:
E por fim uma cidade,
uma verdadeira cidade, Lábrea, repontou daquela forte convergência de energias
trazendo desde o nascer um caráter destoante de nossos povoados sertanejos –
com o requinte progressista de uma imprensa de dois jornais, O Purus e O
Labrense, e o luxo suntuário de um teatro concorrido, e colégios, e as ruas
calçadas e alinhadas: a molécula integrante da civilização aparecendo,
repentinamente, nas vastas solidões selvagens... (CUNHA, 2000, p. 218).
A descrição euclidiana
sobre a cidade de Labre aponta para uma urbi em estado de efervescência
progressista, característica que destoava dos povoados sertanejados que
pululavam na mente do viajante fluminense. A cidade visualizada por Euclides
era molécula das grandes metrópoles do mundo, apesar de encrustada na vasta
solidão selvagem da Amazônia puruense. A afirmação de que havia ruas alinhadas,
teatros, colégios e a imprensa naquela comunidade amazonense confirmava o
epíteto de “a princesinha do Purus”. Demonstra ser uma cidade que oferecia aos
seus habitantes condições básicas para o exercício da cidadania, da cultura e
do intelectualismo típico das capitais de outros lugares do Brasil à época.
Essa “verdadeira
cidade” dos trópicos puruenses, apesar de todas as dificuldades que enfrentam
seus filhos em diversas áreas administrativas, continua em sua luta pela
continuidade da existência de seus filhos, os labrenses. De fato, ao se afirmar
que os filhos naturais de Lábrea assim são denominados, não se deve esquecer
que o pai de Labre – um ex-seminarista que fora batizado pelos pais com o nome
de Bento José Labre, em homenagem ao santo francês – é o genitor de todos os
descentes dessa família no Brasil. Isso porque o pai do fundador de Lábrea teve
outros filhos depois do primogênito, que é Antonio Rodrigues Pereira Labre.
A essa cidade
amazonense, como uma fonte geradora de filhos, e o seu fundador, como o mentor,
o idealizador, o fundador de suas bases existenciais e de vida, que a batizou
com o nome de Lábrea, feminino do seu último sobrenome, devem os labrenses
prestar as suas honras e nunca deixar morrer a memória daquele que,
apaixonadamente, dedicou mais da metade de sua vida proativa.
Às margens plácidas do
Purus, resplandece a cidade de Lábrea, cercada pela maior floresta do mundo,
banhada por todos os lados com as águas de cores variadas e com um céu luzidio,
com rostos de diversos tipos fisionômicos e potencialmente produtora de
produtos animais e vegetais, mas ainda necessitada, como os demais municípios
do Amazonas, de serviços básicos de saúde e principalmente de segurança
pública, apesar da existência de um hospital regional e de uma delegacia e um
juizado com ‘vara única’ na cidade.
Todavia, mesmo com
todas as adversidades possíveis, que pesam sobre os ombros dos labrenses, a
cidade viva que é Lábrea, confirma que ali foi sendo erguida, nas últimas três
décadas do século XIX, a paixão de uma vida que carrega o nome de seu fundador.
É a cidade mais antiga do Purus e a beleza de seu centro histórico está
relacionada ao boom da borracha e a outros produtos vegetais, bem como
ao homem sonhador que foi o maranhense Antonio Rodrigues Pereira Labre.
REFERÊNCIAS
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passos perdidos. Trad. Marcelo Tápia. 2ª Ed. São Paulo: Martins Fontes,
2009.
CUNHA, Euclides. Um
paraíso perdido: reunião de ensaio amazônicos. Selecção e coordenação de
Hildon Rocha. Brasília, Senado Federal, 2000.
FERRARINI, S. A. Rio
Purus: história, cultura, ecologia. São Paulo, 2009.
_________ Lábrea:
1881 ontem – hoje 1981. Imprensa Oficial, Manaus, 1981.
LABRE, Antonio R. P. Itinerário
de exploração do Amazonas a Bolívia. Belém,1887.
_________Rio Purús. Diário do Amazonas,
Manaus, 1872.
RAMOS, Julio. Desencontros
da Modernidade na América Latina: literatura e política no século XIX.
Trad. Rômulo Monte Alto. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2008.
ROCHA, Hélio. Coronel
Labre. São Carlos: Scienza, 2016.
ROCQUE, Carlos. Grande
Enciclopédia da Amazônia. Belém: AMEL, Amazônia Editora Ltda,1968.
SAID, Edward. Orientalismo:
o oriente como invenção do ocidente. São Paulo: Companhia das Letras, 1991.
____________ Cultura
e Imperialismo. São Paulo: Companhia das Letras, 1995.
CORNWALL, Ricardo. Antônio
Rodrigues Pereira Labre, homem do império, político, pioneiro do progresso.
Fortaleza: Premius, 2017.
SOBRE O AUTOR
Hélio Rodrigues da Rocha possui graduação em
Letras-Inglês pela Universidade Federal de Rondônia (1998), graduação em Letras-português
pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (1989), mestrado em
Letras-Linguagem e Identidade pela Universidade Federal do Acre (2008) e
doutorado em Teoria e História Literária pela Universidade Estadual de Campinas
(2011). Pós-doutorado em História Social pela Universidade Federal do Rio
(2016). Atualmente, é professor Adjunto II do Departamento de Língua Inglesa na
Universidade Federal de Rondônia - UNIR. Autor de “Coronel Labre” (Editora Scienza, 2018, 2ª edição) e tradutor
da obra “Viagens pelos rios Amazonas e Madeira: Brasil, Bolívia e Peru – 1872-1874”,
do engenheiro inglês Edward Davis Mathews, publicada pela Editora Valer, de
Manaus, em 2020. Disponível para compra aqui.
Nota: artigo publicado originalmente in Revista
Labirinto, Porto Relho (RO), ano XVIII, vol. 29 (jul-dez), n.1, 2018, p.113-124