quinta-feira, 29 de janeiro de 2015

OS POETAS DE SETE ANOS

Arthur Rimbaud (1854-1891)

Ao Sr. Paul Demeny


E então a Mãe, fechando o livro de dever,
Lá se ia satisfeita e orgulhosa, sem ver
Em seus olhos azuis, sob as protuberâncias
Da face, a alma do filho entregue a repugnâncias.

O dia inteiro ele suou de obediência; que
Inteligente! e entanto, uns tiques maus, um quê
Já demonstravam nele acres hipocrisias.
No escuro corredor, junto às tapeçarias
Mofadas, estirava a língua, os punhos fundos
Nos bolsos e, fechando os olhos, via mundos.
Sobre a noite uma porta abria-se: na rampa da
Escada, a resmungar, o viam, sob a lâmpada,
Como um golfo de luz a pender do teto. E no
Verão, abatido, ar estúpido, o menino
Teimava em se trancar no frescor das latrinas
Para pensar em paz, arejando as narinas.

Quando o jardim de trás da casa se lavava
Dos odores do dia e, no inverno, aluarava,
Jazendo ao pé do muro, enterrado na argila,
Para atrair visões esfregava a pupila
E ouvia o esturricar das plantas nas treliças.
Pobre! para brincar só crianças enfermiças
De fronte nua, olhar vazio que lhes erra
Pela face, escondendo as mãos sujas de terra
Nas roupas a cheirar a fezes, todas rotas,
Falando com essa voz melosa dos idiotas!
E quando o surpreendia em práticas imundas,
A mãe se horrorizava; o menino, profundas
Carícias lhe fazia, a apaziguar-lhe a mente.
Era bom. Ela tinha o olhar azul, — que mente!

Aos sete anos compunha histórias sobre a vida
No deserto, onde esplende a Liberdade haurida,
Florestas, rios, sóis, savanas! Recorria
A revistas nas quais, encabulado, via
Italianas a rir e espanholas bonitas.
Quando vinha, olhos maus, louca, em saias de chitas,
A filha — oito anos já! — do operário do lado,
A pirralha infernal, que após lhe haver pulado
Às costas, de algum canto, a sacudir as roupas,
Ele por baixo então lhe mordiscava as popas,
Porquanto ela jamais andava de calçinha.
— Cheio de pontapés e socos, ele vinha
Trazendo esse sabor de carne para o quarto.

Da viuvez invernal dos domingos já farto,
Junto à mesa de mogno, empomadado, a ter de
Recitar a Bíblia encadernada em verde
E a sofrer a opressão dos sonhos maus em que arde,
Já não amava Deus; mas os homens, que à tarde,
Via, sujos, chegando em suas casas baixas,
Quando vinha o pregoeiro, entre ruflar de caixas,
A ler seus editais entre risos e pragas.
— Sonhava as vastidões de prados onde as vagas
De luz, perfumes bons, douradas lactescências
Se movem calmamente e evolam como essências!

E como saboreava antes de tudo arcanas
Coisas, se punha, após baixar as persianas,
A ler no quarto azul, que cheirava a mofado,
Seu romance sem cessa em sonhos meditado,
Cheio de plúmbeos céus, florestas, pantanais,
Flores de carne viva em bosques siderais,
Vertigens, comoções, derrotas, falcatruas!
— Enquanto progredia a agitação das ruas
Embaixo, — só, deitado entre peças de tela
De lona, a pressentir intensamente a vela!

26 de maio de 1871


LES POÉTES DE SEPT ANS

À M. Paul Demeny

Et la Mère, fermant le livre du devoir,
S’en allait satisfaite et très fière, sans voir,
Dans les yeux bleus et sous le front plein d’éminences,
L’âme de son enfant livrée aux répugnances.

Tout le jour il suait d’obéissance; très
Intelligent; pourtant des tics noirs, quelques traits
Semblaient prouver en lui d’âcres hypocrisies.
Dans l’ombre des couloirs aux tentures moisies,
En passant il tirait la langue, les deux poings
À l’aine, et dans ses yeux fermés voyait des points.
Une porte s’ouvrait sur le soir: à la lampe
On le voyait, là-haut, qui râlait sur la rampe,
Sous un golfe de jour pendant du toit. L’été
Surtout, vaincu, stupide, il était entêté
À se renfermer dans la fraîcheur des latrines:
Il pensait là, tranquille et livrant ses narines.

Quand, lavé des odeurs du jour, le jardinet
Derrière la maison, en hiver, s’illunait,
Gisant au pied d’un mur, enterré dans la marne
Et pour des visions écrasant son oeil darne,
Il écoutait grouiller les galeux espaliers.
Pitié! Ces enfants seuls étaient ses familiers
Qui, chétifs, fronts nus, oeil déteignant sur la joue,
Cachant de maigres doigts jaunes et noirs de boue
Sous des habits puant la foire et tout vieillots,
Conversaient avec la douceur des idiots!
Et si, l’ayant surpris à des pitiés immondes,
Sa mère s’effrayait; les tendresses, profondes,
De l’enfant se jetaient sur cet étonnement.
C’etait bon. Elle avait le bleu regard, — qui ment!

À sept ans, il faisait des romans, sur la vie
Du grand désert, où luit la Liberté ravie,
Forêts, soleils, rives, savanes! – Il s’aidait
De journaux illustrés où, rouge, il regardait
Des Espagnoles rire et des Italiennes.
Quand venait, l’oeil brun, folle, en robes d’indiennes,
-Huit ans, – la fille des ouvriers d’à côté,
La petite brutale, et qu’elle avait sauté,
Dans un coin, sur son dos, en secouant ses tresses,
Et qu’il était sous elle, il lui mordait les fesses,
Car elle ne portait jamais de pantalons;
-Et, par elle meurtri des poings et des talons,
Remportait les saveurs de sa peau dans sa chambre.

Il craignait les blafards dimanches de décembre,
Où, pommadé, sur un guéridon d’acajou,
Il lisait une Bible à la tranche vert-chou;
Des rêves l’oppressaient chaque nuit dans l’alcôve.
Il n’aimait pas Dieu; mais les hommes, qu’au soir fauve,
Noirs, en blouse, il voyait rentrer dans le faubourg
Où les crieurs, en trois roulements de tambour,
Font autour des édits rire et gronder les foules.
-Il rêvait la prairie amoureuse, où des houles
Lumineuses, parfums sains, pubescences d’or,
Font leur remuement calme et prennent leur essor!

Et comme il savourait surtout les sombres choses
Quand, dans la chambre nue aux persiennes closes,
Haute et bleue, âcrement prise d’humidité,
Il lisait son roman sans cesse médité,
Plein de lourds ciels ocreux et de forêts noyées,
De fleurs de chair aux bois sidérais déployées,
Vertige, écroulements, déroutes et pitié!
Tandis que se faisait la rumeur du quartier,
En bas, – seul, et couché sur des pièces de toile
Écrue, et pressentant violemment la voile!

26 mai 1871

RIMBAUD, Arthur. Poesia completa. Tradução, prefácio e notas de Ivo Barroso. Rio de Janeiro: Topbooks, 1994. p.144-147

quarta-feira, 28 de janeiro de 2015

GOVERNADOR ANÍBAL MIRANDA

José Augusto de Castro e Costa


Aníbal Miranda
Com o fim de habilitar-se a lançar sua candidatura para Deputado Federal pelo recém criado Estado, o Dr. José Ruy da Silveira Lino pediu exoneração do cargo de chefe do executivo acreano. Para substituí-lo e ao Secretário Geral, Prof. Geraldo Gurgel de Mesquita, foram indicados, respectivamente, os senhores Aníbal Miranda Ferreira da Silva e Milton Matos Rocha, cuja solenidade de transmissão de encargos realizara-se a 6 de julho de 1962, ao apagar das luzes, data máxima para a desincompatibilização necessária à candidatura de quem exercia cargos públicos. Tal estratégia fora utilizada pelo governador Ruy Lino, para que o novel estado permanecesse nas mãos do PTB, pois, se se exonerasse antes, o governo ficaria com o PSD, como objetivava o então Secretário Geral, Geraldo Mesquita, também aspirante a cargo eletivo.

O PTB, na época, era um tronco confluente de duas correntes, navegava em duas vertentes: Oscar Passos e Adalberto Sena. Para que a chapa para governador, com o nome de José Augusto tivesse a aceitação majoritária do partido, Adalberto Sena teve muito trabalho para exercitar seu poder de persuasão junto aos petebistas descontentes, entre os quais sobressaia-se justamente Aníbal Miranda.

Logo de início o governador Aníbal Miranda procurou não descuidar-se de dar solução aos problemas da administração, quer na capital, quer no interior, fazendo com que o plano iniciado pelo seu antecessor, Ruy Lino, não viesse a sofrer solução de continuidade.

Uma das primeiras preocupações do governador Aníbal Miranda fora referente à verba destinada ao pagamento do funcionalismo, objeto da lei que concedera novo aumento.

A propósito, o mandatário acreano mantinha, diuturnamente, contato com a Representação do Acre, na então capital da Guanabara, enquanto, em Rio Branco, a Seção do Pessoal do Departamento de Administração, providenciava a confecção das respectivas folhas de pagamento.

Mais adiante, o governador Aníbal recebera mensagem telegráfica do Dr. Parkinson, Diretor de Obras da Cia. Siderúrgica Nacional, dando conta da elaboração do Contrato com a firma MARTINS FERREIRA S.A., com vistas à construção da ponte “Juscelino Kubitschek”.

De salientar, uma marcante conquista – o Enquadramento do Funcionalismo do Acre. Quando no exercício do governo acreano, Ruy Lino entendeu precípuo o dever de lutar por tão necessária causa. Armou-se da coragem resoluta que sempre o caracterizou, e enfrentou a batalha, já muitas vezes deixada em meio. Conseguiu uma comissão do Departamento de Administração do Serviço Público (DASP) para a colheita de dados imprescindíveis. Persuadiu o deputado Oscar Passos a emprestar sua inestimável colaboração à causa e, brevemente, o Decreto chegara às mãos do presidente João Goulart para a devida sanção. Já encaminhava-se para o “referendum” do Primeiro Ministro quando deu-se a transformação do sistema de Território a Estado autônomo e Ruy Lino cedera  lugar à Aníbal Miranda, que conseguiu que o trabalho chegasse a seu termo.

No governo Aníbal Miranda, o tocante a assistência social, filantropia e demais atividades sociais, estivera a cargo da Primeira Dama, Dalva Vasconcelos Silva, que não poupara esforços para levá-las a efeito, produzindo visitas aos abrigos e educandários, reuniões sociais, pequenos festivais alusivos a data e a cultura dos povos e desfiles de modas e costumes.
Desfile de costumes das nações, realizado na esplanada do Palácio do Governo

Entre as principais realizações do governo Aníbal Miranda pode-se enumerar a Construção de barragens para a reserva de água para as Colônias Plácido de Castro e Bela Vista, o Aparelhamento do Frigorífico do Estado, a Instalação da Telefônica do Acre (TASA), a cargo da Ericson do Brasil S.A., e Convênios com a SPVEA para a instalação da usina e distribuição de energia de Cruzeiro do Sul e instalação de geradores em Sena Madureira.

Ressalte-se que o governador Aníbal Miranda, ao assumir em período eleitoral, conduziu o Acre num clima pacífico e de segurança, garantindo, ao eleitor, decisão livre do seu voto.

Ninguém pode esquecer a grandeza humana e a significação que teve o trabalho iniciado por Ruy Lino, impulsionado pelo deputado Oscar Passos e concluído por Aníbal Miranda Ferreira da Silva.

Entre suas grandes atuações destaca-se, sem dúvida, a obra que no reconhecimento do funcionalismo e do operariado do Acre ficará perpetuada, com gratidão e respeito, marcando sua passagem pelo governo acreano.

O dr. Aníbal Miranda, na verdade, soube honrar e dignificar quantas funções foram-lhe atribuídas no Território do Acre, tendo inclusive chefiado o antigo Departamento de Produção e representado o Acre junto à Superintendência da Produção e Valorização Econômica da Amazônia, alcançando os mais benéficos resultados. Sua capacidade administrativa aliava-se à sua integridade moral.

Quando, por força constitucional, Rio Branco tivera que eleger seu prefeito, fora o nome do Dr. Aníbal lançado, e então o governador José Augusto de Araújo vira chegar sua vez de manifestar-se, veementemente, contrário à indicação. Resistira, energicamente para, enfim, aceitar contra sua vontade, a candidatura e consequente eleição do primeiro prefeito eleito de Rio Branco, Aníbal Miranda Ferreira da Silva.

Foi o Dr. Aníbal Miranda um amazonense que se distinguira fora do seu estado natal, emprestando o valor de sua moral e de sua intelectualidade ao progresso de outra terra e de outras gentes, irmãos de lutas e de ideais.

Isento de paixões, colocando acima de tudo a livre opinião dos seus jurisdicionados, o governador Aníbal Miranda deu sábio exemplo da posição de um homem do Governo, cônscio das mesmas responsabilidades que lhe foram dadas. Em meio ao entrevero das competições políticas que agitavam os estados brasileiros, o governador Aníbal Miranda permanecera surdo ao cântico das sereias que tentavam afastá-lo da rota que traçou, para levar a porto seguro a nau governamental do Acre, através dos temporais das pugnas eleitorais.

Não há como deixar de admirar-se o alto descortino político do governador Aníbal Miranda e reconhecer-se, especialmente, a sua sólida formação democrática. Dotes até então desconhecidos do povo acreano e que vieram à tona pela perspicácia do governador José Ruy da Silveira Lino.


*José Augusto de Castro e Costa nasceu em Rio Branco, tendo vivido parte de sua infância em Porto Acre e Manaus. É formado em Administração, pela universidade do Amazonas, e Filosofia, com pós-graduação em Metodologia do Ensino Superior. Reside em Brasília, onde desempenha a atividade de Assessor Comissionado do Senado Federal, lotado no Instituto Legislativo Brasileiro. É autor do livro “Brasileiro por opção” (2013), lançado pela editora do Centro Universitário do Maranhão.

terça-feira, 27 de janeiro de 2015

28 ANOS DE FALECIMENTO DE J. G. DE ARAÚJO JORGE

Dia 27 de janeiro de 1987 falecia no Rio de Janeiro o poeta José Guilherme de Araújo Jorge, o “poeta de massas de maior projeção no Brasil”. Ano passado a Academia Acreana de Letras celebrou o centenário de nascimento do poeta, nascido a 16 de maio de 1914, na então Vila Seabra, hoje Tarauacá (AC).

Leia, nos links abaixo, sobre J. G. de Araújo Jorge:


          Isaac Melo

          Rogel Samuel

·         Site oficial J. G. de Araújo Jorge


segunda-feira, 26 de janeiro de 2015

POESIAS DE AUREO MELLO

Aureo Macedo Bringel Viveiros de Mello (1924-2015) nasceu em Santo Antônio do Madeira, MT, em 1924, mas viveu boa parte de sua vida no Amazonas. Poeta, advogado, jornalista, pintor e político (ex-deputado e ex-senador). Publicou, entre outros, os livros: Luzes tristes (1945), Claro-escuro (1948), Presença do estudante Inhuc Cambaxirra, As aureonaves (1985), Inspiração (1989), O muito bom sozinho (2000), Como se eu fosse um cantador (1999), Onde está Gepeto?(1999), Heliotrópios adamantinos lácteos: suco de estrelas (2004). (in página de Rogel Samuel)


AMAZÔNICA
Aureo Mello

Nesta laguna azul, que a floresta rodeia,
As garças e os guarás bailam valsas de pluma.
E as ondas matinais vêm-nos ver, uma a uma
E a água Lúcida e suave em tremores se alteia.

Foi na manhã de maio, em claridades cheia.
Que a virgem de nácar – róseo floco de escuma –
Nua como uma flor, entre a inconsútil bruma,
Das ondas de ametista envolvia-se à teia...

Perpassavam no ar mil carícias amenas
Como um brando orquestrar de trêmulas avenas...
...e eis mergulha no azul um mancebo selvagem!

Uma luta... um abraço... os jovens corpos nus
E u’a mancha vermelha, entre as ondas azuis,
Sobe, como um guará morto numa voragem...


CONFIDÊNCIAS
Aureo Mello


Gumes frios do vento ensanguentando a lua
E espectros vegetais na vastidão sombria.
Tu pensando em minhalma, eu pensando na tua
Enquanto recrudesce o trom da ventania.

Há, nesse ruído igual, certa monotonia
Que aplaina a comoção que no teu peito estua.
E a vigília se alonga e se alongando cria
Sonhos em profusão na minha fronte nua...

Depois, na estranha noite, os corações vibrando
Nós dois, pensando em nós, confidências em bando
Saltamos, ao sabor do vento, que as conduz...

E unido à mesma prece o nosso amor descansa
Pedindo a aparição das cores da bonança
Para poder sonhar pelas manhãs de luz...


A TUA AUSÊNCIA
Aureo Mello

Quando tu estás, a manhã se levanta
E o claro sol, o alegre sol, fulgura.
E na tua ausência a vida para. E quanta
Memória vem das horas de ventura!

Se estamos juntos, na tua fronte pura
Pousa o meu beijo e o coração me canta.
Quando te vais, no meu pensar perdura
Dessas horas de amor saudade tanta!

Na tua ausência a luz está parada
O céu perece, e eu vou contando cada
Lembrança linda que o minuto encerra...

Acho que vivo sobre ti suspenso
Como uma nuvem lá no espaço imenso
Pronta a cair em chuvas sobre a terra...


TROVAS
Aureo Mello


1

Eu gosto de estar contigo
De ter-te sempre ao meu lado:
Gosto tanto que, digo,
Ando até desconfiado.

2

Tu sabes o que eu queria
Com todo o meu coração?
Era te ver todo dia
Chovesse ou chovesse não...

3

Tu és tão alta e bonita
Tens um jeito tão faceiro
Que eu digo mesmo, acredita:
Tu és melhor que dinheiro...

4

Se eu fosse escravo, quem sabe?
E contigo acorrentado
Eu jogava fora a chave
Não abria o cadeado.

5

Se um dia eu fosse mendigo
Ou crioulinho pidão
Eu ia logo contigo
Pedir o teu coração...

6

Gosto muito de ter ver
Contente de estar contigo
E se temes me perder
Escuta: Não há perigo.

7

Gosto também de te ouvir
Dizer que me queres bem:
É sempre bom repetir
Manjar que nos sabe bem...

8

Minha doce mineirinha
Flor dos campos de Mutum
A nossa vida inteirinha
Faz de dois corações, um...

9

Moça fina, moça bela
Eu te digo longe ou perto:
A tua vida é singela
Tudo o que fizeres, certo.



AUTOBIOGRÁFICO
Aureo Mello

Eu sou baixinho, mas socado, forte.
Sobre minha cabeça havia carvão
Talvez por isso, como é moda ao Norte
Eu me esquentava por qualquer razão.

E se meus olhos dardejavam morte
Minha boca ejetava o palavrão
E o ofensor era de muita sorte
Se o não pegava um punho de pistão.

Mas de repente o gelo no meu crânio
Cresceu prateado e um fato um tanto estranho
Achou de acontecer então comigo.

As ideias ficaram menos quentes
E eu dei para ter pena dessas gentes
Que me provocam sem ver o perigo... 


MELLO, Aureo. Inspiração: poesias. Brasília: Senado Federal, 1989. p.19, 31, 44. 108-109, 192

CÉUS DE RONDÔNIA: documentário musical

Música, literatura e belezas regionais de Rondônia, mais especificamente, Porto Velho, em um filme de Fernando Silva e Humberto Amorim. Destaque para as músicas “Canção do Nortista”, cantada por Humberto Amorim, e “Adeus, Porto Velho querida”, interpretação de maestro Antonino Alves. Apesar de incluir no repertório “Romaria”, de Renato Teixeira, e “Ave Maria”, de Gounod/Bach, que se afasta da temática amazônica, o filme se revela um belo documento na tentativa de expressão e apreensão musical de uma parte da Amazônia, tão rica em ritmos, expressões, povos e cores. Vale a pena conferir.

sábado, 24 de janeiro de 2015

AMAR

Florbela espanca (1894-1930)


Eu quero amar, amar perdidamente!
Amar só por amar: Aqui... além...
Mais Este e Aquele, o Outro e toda a gente...
Amar! Amar! E não amar ninguém!

Recordar? Esquecer? Indiferente!...
Prender ou desprender? É mal? É bem?
Quem disser que se pode amar alguém
Durante a vida inteira é porque mente!

Há uma primavera em cada vida:
É preciso cantá-la assim florida,
Pois se Deus nos deu voz foi pra cantar!

E se um dia hei de ser pó, cinza e nada
Que seja a minha noite uma alvorada,
Que me saiba perder... pra me encontrar...


ESPANCA, Florbela. Poemas de Florbela Espanca. Estudo introdutório, organização e notas de Maria Lúcia Dal Farra. São Paulo: Martins Fontes, 1996. p.232

sexta-feira, 23 de janeiro de 2015

A VERDADE SOBRE A POLÍTICA EDUCACIONAL NO BRASIL

Luísa Galvão Lessa Karlberg


Falam especialistas que o Brasil avançou nos últimos 20 anos, mas a educação freou o desenvolvimento desse período, segundo o IDHM 2013 (Índice de Desenvolvimento Humano Municipal), divulgado na segunda-feira, 29/07/2014.

No Brasil, entra Governo e sai Governo e a conversa é sempre a mesma: “vamos investir em educação”. Em ano eleitoral, dizem os políticos: “o país avançou muito”. Talvez tenha avançado para o abismo, pois segundo índice divulgado pela Pearson Internacional, que faz parte do The Learning Curve (Curva do Aprendizado, em inglês) e mede os resultados de três testes internacionais aplicados em alunos do 5º e do 9º ano do ensino fundamental, o Brasil ficou em penúltimo lugar.  Dão lições ao mundo a Finlândia e a Coreia do Sul, os dois primeiros lugares. O Brasil só ganhou da Indonésia. É um resultado vergonhoso.

Os dados não são invenção e não possuem coloração partidária. É a constatação de uma educadora que muito trabalha em prol de mudanças positivas. Uma professora que contribuiu para composição dos livros didáticos do Estado de São Paulo. O Acre não quer ajuda nessa área, há, aqui, “medalhões nos salários”, mas que nada escrevem, falam bajulações. Isso não ajuda, prejudica o Estado, o sistema educacional como um todo. Há valores desperdiçados, sábios ignorados. Sabedoria é muito diferente de conhecimento, contudo são a ferramenta necessária para transformar a vida.

Então, votando aos dados, eles saíram do Programa Internacional de Avaliação de Estudantes (Pisa, na sigla em inglês), do documento Tendências em Estudo Internacional de Matemática e Ciência (TIMSS) e do Progresso no Estudo Internacional de Alfabetização (PIRLS) que compreendem o aprendizado de matemática, leitura e ciência dos alunos.
O desempenho de cada país mostra se ele está acima ou abaixo da média calculada a partir dos dados de todos os participantes. Segundo esses dados divulgados no último dia 27 de julho de 2014, 27 dos 40 países ficaram acima da média, enquanto 13 estão abaixo do valor mediano. O Brasil, que teve pontuação de -1.65, foi incluído no grupo 5, onde estão as sete nações com a maior variação negativa em relação à média global. É um dado assustador, fruto do descaso e do pouco compromisso com a educação brasileira.

A ONU, em 14/07/2014, por meio do Pnud (Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento), diz que o Brasil deve investir em “políticas educacionais ambiciosas”, para mudar a sua demografia.Todos os dados apontam que o Brasil vai mal, muito mal nas políticas educacionais. É um país que não respeita os professores.

E como é um sistema educacional eficaz? É aquele em que os alunos aprendem, passam de ano e concluem a educação básica. Esta é uma afirmação de que poucos vão discordar. Entretanto, a maioria dos sistemas educacionais no Brasil não cumpre essa missão. Há descaso, desvio de recursos, investimentos pífios, salários aviltantes pagos aos professores, escolas sem segurança, mal aparelhadas, sem infraestrutura, que pouco ou nada atraem os jovens, que preferem as ruas, as drogas, a violência, os furtos. Quando não, ficam em casa e quando saem para a escola procuram ir para lugares mais agradáveis.

O governo brasileiro, por meio do Inep, definiu metas para os sistemas educacionais e as escolas aperfeiçoarem a qualidade da educação oferecida, criando um índice de qualidade, chamado Ideb, para cada um dos três segmentos da educação básica. Mas de tudo que se diz, fica a pergunta: essas metas no Inep são suficientes para o país sair do atraso educacional?

Há medidas urgentes: escolas em tempo integral; professores motivados; escolas aparelhadas para que as pessoas nelas desejem permanecer com alegria, satisfação. Então, qualquer política de melhoria da qualidade dos sistemas escolares devem contemplar os três aspectos simultaneamente: o professor deve ensinar; o aluno deve aprender e passar de ano.

Finaliza-se com a frase memorável de Eduardo Campos: “O Brasil tem jeito”. Devemos exigir prioridade à Educação, sem ela Nunca avançamos, exceto para cair no abismo onde o país está mergulhado. Necessitamos de ações, promessas nem os santos aceitam mais.


* Luísa Galvão Lessa Karlberg IWA – É Pós-Doutora em Lexicologia e Lexicografia pela Université de Montréal, Canadá; Doutora em Língua Portuguesa pela Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ; Mestra em Língua Portuguesa pela Universidade Federal Fluminense – UFF; Membro da Academia Brasileira de Filologia; Membro da Academia Acreana de Letras; Membro perene da International Writers end Artists Association – IWA; Coordenadora da Pós-Graduação em Língua Portuguesa – Campus Floresta; Pesquisadora DCR do CNPq.

quarta-feira, 21 de janeiro de 2015

LIRA AMAZÔNICA

JURUÁ
Anísio Mello


Estrada de cristal num engaste de esperança
Aos olhos de um artista, és mar, és paraíso!
Teu leito colossal misterioso avança
E rasga a natureza em forma de sorriso!

Teus lábios virginais contrito na aliança
Do vinho natural que ao mundo é tão preciso
Vão beijando a natura entre a espuma e entre a frança,
Na comunhão mais santa – aroma de narciso.

E o rio qual serpente a se enroscar nervosa
Vai procurando o mar, fazendo sinuosa
E encontra o Solimões, depois o Amazonas!

Logo defronte o mar – Atlântico bravio
Que qual fera voraz devora sem cicio
O esbelto Juruá das auriverdes zonas.


O APUÍ
Antônio Beltrão


Era pequeno, lembras-te? Passamos
Uma vez por aqui. Buscando o espaço
Da sumaumeira esplêndida de ramos
Surgia ele tímido ao regaço.

Era o idílio da morte. Os dois deixamos
Empolgados de amor naquele abraço.
Volvemos hoje, vê: desfez-se o laço
E só o arbusto árvore encontramos.

Que é da outra pujante e hospitaleira
Que a ele tão solícita abrigou?
– Morreu exausta consumida inteira!

– Também eu cego ao teu amor cedi
E essa paixão fatal me dominou
Qual à madeira o pérfido APUÍ...


LUAR AMAZÔNICO
Mavignier de Castro


Verão, Rio em eflúvio. A lua cheia
alonga a perspectiva pela mata,
só a fauna da noite ali vagueia
a sombra errante que o luar dilata...

Álgido, estreito igarapé serpeia
qual sinuosa lâmina de prata...
Que melopeia o urutau-í flauteia
na solidão lunar da terra grata!

Amanhece; mas imitando um rito
sobre a mata flutua um véu de neve...
E o Sol – patena de ouro do Infinito,

espera que no altar da selva nua
o Sacerdote imaterial eleve
a imagem eucarística da lua!


MELLO, Anísio. Lira amazônica: antologia. São Paulo: Correio do Norte, 1965. p.38, 44-45, 46-47