Homero de Oliveira
Costa
Introdução
Até o presente
momento não foi publicado qualquer estudo sistemático a respeito dos partidos
políticos no Acre. O objetivo maior deste trabalho é trazer uma pequena
contribuição nesse sentido, estudando os partidos políticos no Acre no período
compreendido entre 1945 e 1978. É resultado de uma pesquisa sistemática e tem
como hipótese central de trabalho tentar mostrar como as elites políticas
locais utilizam os partidos políticos excluindo sistematicamente as classes
trabalhadoras, não apenas em função de seu isolamento, “atraso” ou ausência de
qualquer tradição de organização, mas como parte de um sistema partidário que,
desde o seu surgimento, sempre excluiu os trabalhadores de participação, quer a
nível de direção desses partidos, quer de suas candidaturas em pleitos
eleitorais.
Ao
mesmo tempo, este trabalho tem a pretensão de romper com uma certa visão
estereotipada da historiografia institucionalizada do Estado, a exemplo de outros
trabalhos já feitos neste sentido.
I
– Delimitação do Tema e do Problema
Temos ciência de que se quisermos
compreender com maior profundidade a trajetória dos partidos políticos acreanos
no período compreendido entre 1945 a 1978, impõe-se como fundamental o estudo
do sistema partidário brasileiro (e do processo político como um todo) e
apreender as especificidades locais. Como diz Gramsci: “Para se fazer história
de um partido ou sistema partidário, deve-se conhecer a história do país em que
eles estão inseridos”, ou seja, é necessário uma visão mais globalizada que
ofereça elementos para que se possa montar um quadro histórico (e teórico) que
dê conta da problemática definida como objeto de investigação. Como se sabe, há
perspectivas muito distintas, não apenas no que diz respeito à sociedade
brasileira, como também em relação ao sistema partidário. Não nos propomos, nos
limites de um artigo acadêmico de modestas proporções, aprofundar esse debate.
Tomemos o período delimitado (1945-1978).
Ele pode ser
dividido em dois momentos: o primeiro, que vai de 1945 a 1965, quando havia um
multipartidarismo, e um segundo momento, que vai de 1965 a 1978, quando passou
a ter vigência o bipartidarismo. Sobre esses períodos já existe no Brasil uma
extensa bibliografia. Do primeiro período, destacamos a tese de Souza (1976)
que vai significar a recuperação da temática partidária como foco de análise
fundamental para a compreensão do regime que se inicia em 1946. É um trabalho
pioneiro na medida em que relativiza a perspectiva causal partidos/bases
sociais, apresentando o sistema partidário como um conjunto de organizações
constituintes de um espaço dentro do universo maior do sistema partidário. O
cerne de seu trabalho, nos parece, é a demonstração de que além da continuidade
de pessoas à frente do cenário político nacional, teria havido não apenas uma
continuidade mas uma ampliação dos mecanismos centralizadores criados no
período anterior (1930-1945).
Ainda sobre esse
período, cabe ressaltar os estudos que procura demonstrar o quanto os partidos
surgidos pós 1945 são artificiais, amorfos e indiferenciados em suas conexões
sociais e ideológicas. Embora passíveis de críticas são, a nosso juízo, os que
melhor permitem compreender os partidos políticos no Acre.
De 1965 – quando a
ditadura militar dissolve os partidos e impõe o bipartidarismo – até 1974, os
estudos sobre os partidos políticos (e o sistema eleitoral) foram escassos e é
só a partir de meados da década de 1970 que vão surgir estudos que tratam
especificamente da questão partidária. Neste trabalho nos fundamentos nos
estudos da perspectiva que procura demonstrar como a tradição do apartidarismo
associado ao autoritarismo, que tem permeado a política brasileira, compõe o
pano de fundo de uma problemática geral: a frágil e artificial origem dos
partidos políticos brasileiros, sempre a reboque de interesses que os superam,
sendo incapazes, em função de sua fragilidade, de se manterem no topo de uma
ingerência que é, em última análise, a razão histórica de sua origem como
instituições organizadas.
No caso do Acre,
faremos uma breve retrospectiva histórica dos partidos políticos atuantes no
período de 1945-1978. Uma descrição esquemática e quase meramente factual, na
qual serão colocadas algumas questões que servirão de referência à nossa
fundamentação.
II
– Os Partidos Políticos no Acre
A)
1945 a 1965
O Acre foi Território Nacional de
1903 a 1962, quando passou à condição de Estado. Uma de suas particularidades,
em relação aos demais territórios, foi a existência, durante esse período, de
diversas agremiações políticas – em locais e períodos distintos – e uma
efervescente vida política, até hoje pouco conhecida em função da precariedade
dos estudos a respeito da história política do Estado.
Antes de 1945 –
quando se formam os partidos políticos nacionais – havia no Acre diversos
partidos, circunscritos, no mais das vezes, a certas regiões: o Partido
Autonomista do Alto Acre e do Alto Juruá; o Partido Autonomista do Alto Purus
(que lutava pela autonomia do Alto Purus em relação ao Alto Juruá); o Partido
Progressista (de Cruzeiro do Sul); o Partido Republicano do Acre Federal no
Alto Purus (fundado em 1917) e no Alto Acre (fundado em 1918); Partido
Evolucionista em Rio Branco (fundado em 1921) e o Partido Construtor Acreano
(no Alto Juruá). Esses partidos, alguns dos quais com jornais próprios de
circulação periódica,
tinham uma característica comum: eram organizados pelas elites dos respectivos
locais (seringalistas, comerciantes, militares de alta patente, etc.) e também
por sua efemeridade. Quanto à primeira característica, pode ser exemplificada
com a formação do Partido Republicano do Acre Federal. No dia 6 de agosto
de1918 foi realizada a convenção de fundação do partido que teve lugar no
edifício “Eden Cinema”, situado na rua Abunã (hoje de 17 de novembro).
Compareceram 427 filiados, que aprovaram o Estatuto do partido e elegeram o seu
diretório, que era constituído por 27 pessoas (todos homens) e dos quais 19
eram militares (10 coronéis, 8 majores e 1 capitão), 4 4 eram doutores e dos
outros 4 membros não constavam especificações. Elegeu-se ainda uma Comissão
Executiva com 18 membros, seringalistas e comerciantes.
Loureiro
(1981) fez um interessante estudo baseado, em sua maior parte, nas informações
de um jornal chamado a Gazeta de Purus, um semanário com tiragens feitas no
Município de Sena Madureira entre os anos de 1918/1924. Segundo o autor, esse
periódico era “símbolo de um período em que havia uma vibrante imprensa”. O
livro destaca a vida social local, extraída da leitura das colunas sociais.
Embora não trate da vida política, faz algumas referências, que são importantes
para demonstrar o clima político da época: “... Em Sena Madureira, por exemplo,
existiam duas correntes políticas que se digladiavam violentamente. A oposição,
que tinha O Jornal seu órgão de apoio e contava com a simpatia da loja maçônica
“Fraternidade e Trabalho” e a situação, pertencente ao Partido Republicado do
Alto Purus, formado fundamentalmente pelos grandes seringalistas, com suas
ideias divulgadas pela Gazeta de Purus (...)a luta entre as duas facções, pelas
páginas dos jornais, eram sem tréguas, aproveitando-se os contendores para
combaterem, semanalmente, qualquer deslize do grupo oposto. Não se poupavam as
famílias, a honra pessoal, os erros gramaticais, a vida profissional, atingindo
o quadro a um nível tão violento que não sabemos a que atribuir o fato de não
terem degenerado em rixas sangrentas”.
Em
1933 ocorrem em todo o Brasil eleições para a escolha dos constituintes que iriam
promulgar a segunda Constituição Federal do Brasil (16 de julho de 1934) tendo
o Acre participado elegendo sua primeira representação à Câmara Federal. Teria
direito a um representante e surgiram dois candidatos, os Drs. Hugo Carneiro e
Manoel do Nascimento Fernandes Távora, este último médico que militara na
profissão, por muitos anos, no então Departamento de Tarauacá e Juruá. Ambos
concorriam pela “Legião Autonomista Acreana”. Ganhou o Dr. Hugo Carneiro (O Dr.
Manoel Fernandes, foi eleito constituinte pelo Estado do Ceará, sua terra
natal).
No
dia 14 de outubro de 1934, realiza-se no Território a eleição para uma segunda
representação acreana à Câmara Federal, sendo eleito, também pela Legião
Autonomista Acreana, o Dr. Mário de Oliveira, um acreano que era Procurador
Seccional da República no Território.
Apesar
de terem sido eleitos pela Legião Autonomista, esta não se constituía num
partido político. E só a partir de 1945, com a chamada redemocratização e a
formação dos partidos políticos nacionais, o Acre terá partidos organizados a
nível estadual.
A
formação dos partidos no Acre pós 1945 se dará numa nova conjuntura. Tanto a
nível nacional, com a deposição de Getúlio Vargas, como internacional, quando o
Acre, desde 1943, passou a ser o principal fornecedor de borracha para os
países aliados (com a ocupação japonesa na Malásia, a Amazônia e o Acre em
particular, passam a ser a principal alternativa de fornecimento de borracha,
principalmente para os Estados Unidos) e isso vai significar, entre outras
coisas, um incremento populacional substancial, com o deslocamento de
mão-de-obra do Nordeste.
E
se a “restauração democrática” de 1945 não produziu, a nível nacional, uma
substituição radical das classes no poder,
no Acre vão ocorrer mudanças importantes: além do aumento populacional e do
aumento da produção da borracha – produto básico da economia local que vinha em
crise desde a década de 1920 – haverá mudanças político-administrativas e, pela
primeira vez, é nomeado um Governador com um mandato de 4 anos.
Os
territórios eram, na época, o que se poderia qualificar de “espaço militar”, ou
seja, cada uma das Forças Armadas teria o “seu” território. O Acre, no caso,
era “espaço” do Exército e não por acaso é nomeado um Major para Governador:
José Guiomard dos Santos. Amigo pessoal de Eurico Dutra, então eleito
Presidente da República, Guiomard logo organiza o PSD (Partido Social
Democrático) em todo o Território, contando para isso com a ajuda dos grandes
seringalistas. Pouco depois surge a UDN (União Democrática Nacional), de
oposição ao PSD, organizada por alguns poucos profissionais liberais e pequenos
comerciantes, com bases fundamentalmente na capital.
No
dia 17 de novembro de 1945 é fundado o Partido Comunista do Brasil no Acre. até
então, o PC do B tinha bases em praticamente todo o Brasil, com diz Soares:
“...A situação político-partidária, depois de muitos anos de ditadura,
caracterizava-se pela existência de um só partido efetivamente nacional dotado
de uma ideologia consistente: o Partido Comunista Brasileiro (sic) fundado em
março de 1922, que soube manter, mesmo durante a ditadura, uma estrutura
organizacional ancorada nas capitais e nas principais cidades”.
Pouco depois de fundado em Rio Branco, os professores Lúcio Cavalcante e
Geraldo Mesquita foram expulsos da Congregação Mariana, por terem sido os
fundadores do partido no Território. Embora sem vida orgânica, com poucos
militantes e uma vida legal bastante curta, foi organizada em Rio Branco uma
campanha anticomunista, com realização de conferências, cultos de orações,
impressões de boletins que eram espalhados e pregados nas paredes.
Em
1949 surge no Território o PTB (Partido Trabalhista Brasileiro), criado por
outro militar, o ex-interventor no período do Estado Novo (1937-1945), o então
Major Oscar Passos. Este militar, juntamente com Guiomard dos Santos, exercerá
uma enorme influência na vida política do Território (e mesmo quando de sua
mudança à condição de Estado). Eles serão eleitos, sucessivamente, nos
respectivos partidos, Deputados Federais e Senadores da República, chegando
Oscar Passos, já na condição de General, a ser o Presidente Nacional do MDB
(Movimento Democrático Brasileiro).
No
dia 3 de outubro de 1950, realizam-se as eleições gerais para a renovação dos
cargos eletivos da República. O Acre teria direito a dois deputados na Câmara
Federal. Para a Presidência da República concorriam: Cristiano Machado e Altino
Arantes, pelo PSD; o Brigadeiro Eduardo Gomes e Odilon Braga, pela UDN (em
coligação com o Partido de Representação Popular, criado por Plínio Salgado) e
Getúlio Vargas e João Café Filho, pelo PTB (em coligação com o PSP). No Acre,
concorreram para deputados: Tem. Cel. José Guiomard dos Santos, Dr. Hugo
Carneiro e Lafayette Velozo Resende pelo PSD; Dr. José Tomaz Nabuco de Oliveira
pela UDN; Dr. Mário de Oliveira e Capitão Milton Braga Rôla pelo PRP e o Tem.
Cel. Oscar Passos e Dr. Adalberto Correia Sena pelo PTB.
O
resultado das eleições no Território foi o seguinte: Cristiano Machao, 4.174
votos; Getúlio Vargas, 4.133 e Eduardo Gomes 747 votos, para Presidente da
República. Para deputados federais: José Guiomard, 3.900 votos, Hugo Carneiro
603 e Lafayette Resende 491 votos, perfazendo, para a legenda do PSD um total
de 4.494 votos. Para o PTB: Oscar Passos teve 2.035 votos e Adalberto Sena
1.619 votos, perfazendo um total de 3.654 votos para a legenda. A UDN, com o
Dr. Nabuco de Oliveira teve 278 e o PRP do Dr. Mário de Oliveira teve 58 votos
(Milton Braga não teve nenhum voto). Foram eleitos, portando, José Guiomard dos
Santos pelo PSD e Oscar Passos pelo PTB. No entanto, curiosamente, em vez de
Oscar Passos, quem assume é Hugo Carneiro que tinha obtido apenas 603 votos.
Oscar Passos entra com um recurso na Justiça Eleitoral e depois de uma intensa
batalha judicial, teve seu lugar assegurado como Deputado.
Essas
eleições vão demonstrar duas coisas: primeiro, o controle absoluto que os dois
militares (Oscar Passos e José Guiomard) tinham nos seus respectivos partidos;
os demais candidatos, por ambos os partidos, integrantes das elites locais,
eram apenas “pró-forma”; em segundo lugar, começa a haver uma polarização entre
o PSD e o PTB, que se entenderá até meados da década de 1960.
Um
outro aspecto importante é que a disputa pelo poder local acirra-se cada vez
mais e a década de 1950 será considerada por alguns como “a fase mais
turbulenta da história política do Acre”.
Não entre os dois militares, mas entre seus partidários. Como diz Calixto
“...entre eles não havia inimizades, todavia, entre seus seguidores as turras
se sucediam, indo desde as perseguições pessoais a assassinatos”.
Nesse
período ressurge o movimento autonomista, principalmente em Rio Branco, com a
formação de alguns comitês. Embora pretensamente apartidários, tinham nítido
respaldo do PSD e a oposição ferrenha tanto da UDN como do PTB. Segundo Adonay
Santos, o PTB era contrário por considerar que o Território “não tinha
condições de se manter economicamente”. Era esse, aliás, o entendimento que
tinha também a Associação dos Seringalistas do Acre.
O
objetivo principal dos autonomistas era a transformação do Território em Estado
(o que diferencia em relação ao movimento autonomista anterior, que lutava pela
autonomia do Vale do Juruá em relação ao Vale do Acre e que tinha como base
desse movimento a cidade de Cruzeiro do Sul).
No
dia 29 de setembro de 1957 circula em Rio Branco o 1º. número do periódico O
Democrata, órgão do PSD que passa a divulgar as ideias autonomistas. Em 1959
surge outro jornal, O Estado, autodenominando-se “arauto das aspirações autonomistas
acreanas” que noticia a tramitação no Congresso Nacional de um Projeto que
propõe a elevação do Acre à condição de Estado, de autoria do Deputado José
Guiomard dos Santos. No dia 25 de outubro do mesmo ano volta a circular o
jornal O Autonomista, órgão do Comitê Pró-Autonomia do Acre.
Os
autonomistas conseguem realizar o seu objetivo: no dia 15 de junho de 1962 a
Lei Nº. 4070/62 é sancionada pelo Presidente da República, elevando o Acre à
condição de Estado.
Qual
o significado desse movimento? Contou com adesão popular, ou seja, expressava
os anseios da população acreana? Quem aderiu a esse movimento? Na realidade,
esse movimento não teve efetiva manifestação popular; os comitês formados
basicamente em Rio Branco não contavam com a adesão popular. Como diz Calixto,
“... na verdade tratou-se (...) de um empreendimento orientado por uma
oligarquia sempre pronta a limitar a participação popular, instigando e
manipulando essa participação em benefício dos ‘donos do poder’ local”.
Na
década de 1950 ainda vão surgir no Acre mais dois partidos, o PSP (Partido
Social Progressista) e o PDC (Partido Democrata Cristão), criados em 1953. No
entanto, esses partidos não têm nenhuma base popular nem qualquer peso
eleitoral, como demonstraram os resultados das eleições de 1954, que novamente
vão reconduzir à Câmara Federal Guiomard dos Santos e Oscar Passos.
O
único partido que teve uma pequena influência, afora o PSD/PTB, foi a UDN que
teve suas ideias divulgadas no periódico O Liberal cujo primeiro número
circulou no dia 15 de outubro de 1956, com a direção do jornalista acreano Foch
Jardim (como outros jornais surgidos na época, teve uma periodicidade irregular
e duração efêmera). Segundo Jardim, a UDN era, na época “uma espécie de fiel da
balança, pois apoiando um ou outro, poderia decidir as eleições”.
Na realidade, se se considerar a inexpressividade dos votos dos candidatos da
UDN nas eleições, “fiel da balança” inexistia, embora pudesse ser considerado
como o terceiro maior partido do Acre.
É
interessante observar que enquanto a população se dividia nas eleições, com a
polarização PTB/PSD, não raro ocorrendo brigas, desavenças etc., como noticiam
os jornais da época, o PSD e o PTB, através de José Guiomard e Oscar Passos,
antes mesmo da escolha do novo Governador, Dr. Abel Pinheiro (nomeado por
Decreto em 21/5/1958), assinaram um acordo com diversas cláusulas e uma delas
prevendo a participação de ambos no governo, mediante distribuição de cargos,
qualquer que fosse o resultado eleitoral, que mais uma vez os reconduziu à
Câmara Federal.
No
dia 19 de outubro de 1961 ocorre um fato importante que poderia mudar os rumos
da política local: em Brasília, perante o Ministro da Justiça, toma posse no
cargo de Governador do Território, José Ruy Lino (agrônomo e então chefe da
Inspetoria Agrícola de Rio Branco). Ruy Lino era o presidente regional do PTB e
esta será a primeira vez que um acreano é nomeado Governador do Território,
assim como alguém do PTB. Sua nomeação teve uma explicação simples: com a
renúncia de Jânio Quadros, em 25 de agosto de 1961, assume a Presidência da
República João Goulart, que era Presidente Nacional do PTB.
Mas
o que muda com Ruy Lino no poder? Na realidade, do ponto de vista da população
acreana, nada. Do ponto de vista do PTB, um avanço, com um dos seus “próceres”
à frente do governo estadual. E, para demonstrar que não mudou muita coisa,
transcrevemos um documento enviado à direção do PSD local pelo presidente em
exercício da comissão Executiva Territorial do PTB, Sr. Geraldo Freire Brasil, no
dia 15 de fevereiro de 1962, que dá continuidade aos acordos iniciados em 1953
entre as direções do PTB e PSD para troca de cargos na administração pública.
Vejamos:
“...
Agora por esforço pessoal do Governador Ruy Lino, recebeu o governo autorização
para preencher 207 claros (sic) existentes nos quadros do Território,
sentimo-nos com o direito de estabelecer (...) a seguinte fórmula, para o
preenchimento dos referidos cargos: 35% a critério do PSD, 35% a critério do
PTB e 30% a critério do Exmo. Sr. Governador”. (Arquivo José Guiomard dos
Santos, CDIH/UFAC).
Estes
acordos eram sempre assinados em vésperas de eleições e o objetivo era cada
partido assegurar cargos na administração pública. Os cargos pretendidos eram
listados, sujeitos à negociação. É o caso de um acordo feito pelo PTB/PSD em
1953. O PTB, através de Oscar Passos, envia a José Guiomard, Presidente do PSD,
uma carta na qual lista os cargos pretendidos. Guiomard não aceita todos os
pontos e recebe depois (24 de abril de 1953) uma carta de Oscar Passos em que
dizia: “... igualmente concordamos com a transferência da Prefeitura da grande
cidade de Cruzeiro do Sul para o PSD, em troca, porém, da de Tarauacá,
considerada média”. Esses acordos previam, como se percebe, até mesmo as
Prefeituras.
Quanto
ao governo Ruy Lino, pouco depois de indicado para o cargo, quando da
transformação do Acre em Estado, ele exonera-se para concorrer às eleições e
indica Aníbal Miranda da Silva, que fica no cargo até a posse do primeiro
governador eleito por via direta no Acre.
No
dia 15 de junho de 1962 é sancionada a Lei 4070/62 que torna o Acre Estado da
Federação. E nesta nova condição, serão marcadas para o dia 7 de outubro de
1962 as eleições para a escolha, por via direta, dos cargos de Governador, 3
senadores, 7 deputados Federais e a constituição de uma bancada estadual,
composta por 15 deputados.
O
PTB, tido como o “Partido dos pobres”, tem no Acre uma trajetória que terá
correspondência com o que vai ocorrer a nível nacional: o crescimento a cada
eleição. Com João Goulart na Presidência, mesmo que com poderes limitados, e
Ruy Lino como Governador do Estado, o PTB se prepara para as eleições, desta
vez com a máquina administrativa nas mãos. Para Governador, depois de uma
intensa disputa interna, o partido da coligação com a UDN e o PSP, vai lançar
José Augusto de Araújo, um jovem professor de filosofia e acreano de Cruzeiro
do Sul que era suplente de Deputado Federal (nas eleições de 1958 ficou na
suplência de Oscar Passos, tendo assumido a cadeira uma vez quando Oscar Passos
se licenciou da Câmara para viajar à Europa). Para o Senado o partido irá
lançar Oscar Passos (já então general), Hugo Carneiro e Adalberto Sena e mais
de 20 candidatos a deputados federais e estaduais.
O
PSD, agora sem o controle da máquina administrativa, irá lançar José Guiomard
dos Santos para Governador e Senador (o que poderia ocorrer segundo a
legislação vigente), o Cel. Manoel Fontenele de Castro para Senador (ele havia
sido o último interventor do PSD no Acre) e o Dr. Mário de Oliveira, além de
inúmeros candidatos a deputados federais e estaduais.
Afora
esses dois partidos, vão concorrer às eleições o PST, indicando Raimundo
Figueira (Presidente do Banco da Amazônia) e o PSB com o Padre Arquimedes
Bruno, ambos candidatos a Governador.
O
resultado das eleições dá uma ampla vitória ao PTB. Elege o Governador – que
também se elege Deputado Federal, cedendo lugar ao suplente, Dr. Mário Maia – 2
dos 3 senadores (Oscar Passos e Adalberto Sena), 3 dos 7 deputados Federais
(Mário Maia, Ruy Lino e Altino Machado) e 7 dos 15 Deputados Estaduais, sendo
que pouco depois um dos Deputados do PSD passa para o PTB, perfazendo assim um
total de 8 Deputados na Assembleia Legislativa. O PSD fará um Senador (Guiomard
dos Santos) que também havia se candidatado a Governador, 8 Deputados Estaduais
e 4 Deputados Federais (Geraldo Mesquita, Armando Leite, Jorge Kalume e Valério
Magalhães).
No
dia 1º. De setembro de 1963 realizam-se, em todo o Estado, as primeiras
eleições para Prefeitos. Sendo o PTB governo, vai usar toda a máquina do Estado
para eleger os seus candidatos e o resultado não foi surpreendente: O PTB elege
os Prefeitos em todos os 7 Municípios (Rio Branco, Xapuri, Brasileia, Feijó,
Tarauacá, Cruzeiro do Sul e Sena Madureira).
Essas
eleições ocorreram em clima bastante agitado. No dia 22 de agosto, pouco antes
das eleições, ocorre uma briga na cidade de Brasileia envolvendo os partidários
do PSD e PTB que resultou na morte do então prefeito do Município e de um
pastor protestante, ficando ainda feridas diversas pessoas.
O
período que vai de 1962 – quando o PTB assume o Governo e, pouco depois, todas
as prefeituras – até 1964, quando José Augusto é deposto, é um período muito
conturbado na política local e que precisa ser melhor analisado.
Nos limites deste artigo, destaquemos apenas alguns pontos: o fato do PTB estar
finalmente no poder pode ser interpretado como a ampliação da participação
popular nas decisões políticas. No entanto isto não ocorreu. Em primeiro lugar,
considera-se que apenas 12% da população acreana era eleitora. A maioria da
população era analfabeta (além de miserável) e fica completamente excluída da
participação. Os candidatos do PTB, partido de maior pelo popular, que se
arvora como “defensor dos pobres”, era controlado por um General e não terá
entre os seus candidatos, especialmente os que foram eleitos, representantes
dos trabalhadores e das camadas mais sofridas da população. Seus candidatos
nada mais são do que integrantes das elites políticas locais. No entanto, no
poder, terá um pouco mais de sensibilidade social, em especial nas áreas de
educação e saúde. faltavam quadros
qualificados no partido (expressão disso foi o fato de o Governador trazer do
Rio de Janeiro alguns auxiliares) e além disso o Governo irá enfrentar uma ferrenha
oposição do PSD, que será responsável pela instalação de uma CPI (Comissão
Parlamentar de Inquérito) sob a alegação de irregularidades administrativas.
Diz Oliveira, ao analisar esse período: “... denúncias de corrupção no governo,
o alto custo de vida e a insuficiência de gêneros alimentícios, intrigas e
calúnias de caráter pessoal (...) assim como a solicitação de intervenção
federal no Acre, conturbam o Estado”.
A
própria bancada do PTB não tinha coesão interna, como demonstra o acordo feito
por alguns deputados com a bancada do PSD para a presidência da Assembleia
Legislativa, a despeito das considerações em contrário do Governador.
No
dia 31 de março de 1964, um ano após a posse do primeiro Governador
Constitucional do Acre (1º. de março de 1963), os militares dão um golpe e
instauram no país uma ditadura.
Apesar da intensa repressão que se desencadeou no país com as prisões,
cassações, intervenções em sindicatos dos trabalhadores (ou extinção dos
mesmos) que se estende por todo o território nacional, no Acre o Governo ainda
se mantém e só será forçado a renunciar no dia 9 de maio de 1964.
Com sua renúncia, na verdade uma deposição, assume o governo do Estado um
Capitão do Exército, Edgard Pereira de Cerqueira Filho, que havia sido
recém-nomeado para substituir o Comandante da 4ª. Companhia de Fronteiras. Sua
votação foi “sui generis”: deposto o Governador, a Assembleia Legislativa se
reúne para votar o nome substituto. O Capitão, articulado com alguns deputados,
cerca a Assembleia com tropas militares e com 14 deputados presentes, obteve a
unanimidade dos votos...
Um
aspecto a ser destacado é que o PTB, que tem a nível nacional sua base
organizacional na estrutura sindical e previdenciária (controlada pelo
Ministério do Trabalho) sendo um partido com um certo apelo popular, não
consegue articular sua presença junto à classe trabalhadora acreana, a não ser
em períodos eleitorais e, portanto, em nada se diferenciando do PSD que o havia
antecedido no governo.
B)
– A Vigência do Bipartidarismo: 1965-1978
No
dia 27/10/1965 o AI-2 extingue os partidos políticos (eram 13) e cria 2 novos
partidos: a ARENA (Aliança Renovadora Nacional) e o MDB (Movimento Democrático
Brasileiro). No Acre, toda a bancada do PSD e parte do PTB vai para a Arena.
Quanto ao MDB, criou-se de imediato um problema: faltava um Senador para
completar o número mínimo exigido em lei. Sem ele, o partido não podia existir
legalmente. Os Senadores acreanos eram Oscar Passos e Adalberto Sena (PTB) e
José Guiomard dos Santos (PSD). Sena, um udenista que havia sido eleito pelo
PTB, temendo ser cassado, a exemplo de alguns de seus companheiros de partido,
preferia entrar na Arena e coube ao Senador Daniel Krieger, líder do Senado,
convencê-lo a entrar no MDB... Com esse aval, ele entrou no MDB.
Para
o dia 3 de setembro de 1966 estava marcada a eleição para Governador do Estado,
por via indireta (Assembleia Legislativa). A Arena apresentou o então Deputado
Jorge Kalume, enquanto o MDB havia indicado o Dr. Fernando de Oliveira Conde.
No dia 12 de agosto de 1966 o candidato do MDB renuncia a sua candidatura,
expedindo um manifesto em que afirma: “... informo, outrossim, que esta minha
atitude resultante não somente da recomendação contida no Manifesto do seis
corrente (...) como também resultante é, das cassações de mandatos eletivos,
que se operam em nossa Representação Parlamentar Estadual transformando em
minoria a maioria que mantínhamos naquela Casa, o que veio tirar do MDB
qualquer possibilidade de ter o seu candidato vitorioso no referido pleito”.
Era,
na realidade, um jogo de “cartas marcadas” e “venceu” o Sr. Jorge Kalume, que
substitui ao Capitão Edgard Cerqueira.
Em
novembro de 1966 são realizadas eleições que dão vitória a Arena: 6 Prefeituras
(das 7) e 6 Câmaras Municipais (exceção de Sena Madureira), 5 dos 9 Deputados à
Assembleia Legislativa e 2 dos 3 Deputados à Câmara Federal.
São
realizadas também eleições para renovação de 1/3 do Senado, tendo sido eleito
Jorge Kalume pela Arena (renuncia para assumir o governo) e Adalberto Sena pelo
MDB.
Com
maioria na Assembleia Legislativa e uma oposição quase que meramente de
“fachada” e contando com o apoio da Ditadura, Kalume vai governar o Estado até
1971. Em 1969, com o AI-5 (13/12/69), são cassados alguns parlamentares do Acre
(e dois são da Arena...). em 1970 Wanderley Dantas, ex-Deputado do PSD, é
indicado, por via indireta, como sucessor de Jorge Kalume. Como diz Oliveira:
“No campo político, o tráfico de influência passa a ser o negociador da feitura
dos governantes, garantida por leis casuísticas que têm por fim manter, de
qualquer maneira, a continuidade do governo militar, de interesse da classe
dominante”.
Em
1970 são também realizadas eleições para o Senado, tendo a Arena uma ampla
maioria a nível nacional. O que era esperado. O MDB, como oposição moderada,
tinha suas ações no sistema político dependentes dos limites estabelecidos pelo
regime militar; e como afirma Kinzo, “Uma das causas da derrota fragorosa do
MDB nas eleições legislativas de 1970 foi sua incapacidade de expressar os
sentimentos oposicionistas daqueles que não apoiavam a Arena”.
No
Acre são eleitos 2 Senadores pela ARENA: Geraldo Mesquita (que derrota o então
Presidente Nacional do MDB, General Oscar Passos) e Guiomard dos Santos. A
ARENA elege ainda 2 dos 3 Deputados Federais (convém lembrar que a
representação do Acre, que em 1962 era de 7 Deputados Federais e 15 Deputados
Estaduais, em 1966 foi reduzida para 3 e 6, respectivamente).
A
partir de 1970, com o Governo Wanderley Dantas, há mudanças fundamentais no
Acre. Se, por um lado, não pode ser devidamente compreendido se não se têm em
conta as novas políticas adotadas pelo regime militar para a Amazônia.
Com
o golpe de 1964, o governo passa a adotar várias medidas no sentido de promover
ou orientar o desenvolvimento do capitalismo na Amazônia. Com uma política de
proteção ao grande capital, estimula-se, com mecanismos adequados (incentivos
fiscais) a instalação de grandes projetos agropecuários e facilidades de
expansão do grande capital na área de mineração. Os grandes grupos econômicos
passam a ocupar as áreas estratégicas em termos da riqueza mineral da Amazônia,
o mesmo ocorrendo na chamada “indústria madeireira”. O Acre, como última
fronteira de expansão agrícola, passa a se integrar nesse processo, mais especificamente
com a expansão pecuária. Com uma economia que sempre teve no extrativismo da
borracha sua base de sustentação, os efeitos são visíveis, ampliando a crise do
extrativismo: com os seringais à beira da falência e os seringalistas ampliando
suas dívidas junto ao BASA (Banco da Amazônia) – criado em 1964 e que passa a
financiar fundamentalmente grandes projetos agropecuários – o governo estadual
“abre as portas” para os investidores do centro-sul, desfechando uma ampla
campanha publicitária, oferecendo facilidades e incentivos para a compra de
terras a preços baixíssimos. Com terras abundantes e baratas, a corrida para o
Acre, como era de se esperar, foi grande, começando uma nova fase na história
do Estado: de 1970 a 1974, os “paulistas” (denominação local aos compradores de
terras do centro-sul) compraram cerca de 1/3 das terras do Acre (cerca de cinco
milhões hectares) para implantar fazendas de gado ou simplesmente para
especular com a terra. Os seringueiros, expulsos de suas colocações (muitas vezes
com a ajuda da polícia) não tiveram outra alternativa senão emigrar, indo em
sua grande maioria para Rio Branco que, sem a mínima infraestrutura, passa a
ter um crescimento urbano completamente desordenado, surgindo em torno da
cidade inúmeras favelas que crescem a cada dia.
A
política do governo local cria, portanto, facilidades e estimula a penetração
do grande, médio e até mesmo do pequeno capital. E o BASA será um órgão
importante no processo de transformação de antigos seringais em terras de pastagens.
Isso trouxe sérias consequências a nível de economia de subsistência. Cardoso e
Müller, num excelente estudo sobre a Amazônia, mostram como o avanço do capital
no campo e os incentivos fiscais, embora tenham como objetivo principal a
generalização da economia de mercado leva, nas áreas pioneiras, ao completo
rompimento das formas anteriores da economia de subsistência.
Ao que nos parecem é o vai ocorrer o Acre.
O
fundamental é que o Acre, com as medidas tomadas pelo Governo, sai de uma
estrutura de latifúndio utilizado para a extração da borracha (onde a terra e o
trabalho do seringueiro não tinham valor) para cair numa nova estrutura de
concentração de terras, retiradas agora por pessoas e/ou grupos do Centro-Sul,
que estão obviamente interessados em reproduzir seus capitais. Saliente-se que
a concentração de terras já existia antes e apenas se amplia com a chegada de
grandes grupos econômicos. Em 1970, por exemplo, nada menos do que 98,4% das
propriedades existentes tinham áreas acima de 1000 hectares, colocando o Estado
nos primeiros lugares a nível nacional, em termos de concentração de terras. A
partir de 1970, com a venda – e muitas vezes grilagem – dos seringais, a
situação de concentração de terras se amplia: dos 4.280 mil hectares vendidos a
proprietários de fora, no período de 1970/74, mais de 30% pertenciam a apenas 4
proprietários.
Esse
período no Acre, coincidia com o chamado “milagre econômico” do Governo Médici,
quando o país alcança altas taxas de crescimento econômico (expressas no aumento
do PIB). O Governo Federal elabora um “Plano de Integração Nacional” que tinha
por objetivo estimular a ocupação da Amazônia, com o slogan “Terra sem homens
para homens sem terra” e a tentativa de incorporá-la ao conjunto da economia
nacional. O Acre vai se incorporar nesse processo de “modernização” estimulando
a expansão da pecuária, criando todas as facilidades para a vinda dos chamados
“paulistas” (através de campanhas publicitárias no sul do país). No entanto,
Wanderley Dantas encontrará enormes resistências internas, inclusive dentro de
seu próprio partido, que segundo Khouy “será muito maior do que a oposição do
MDB”
Por que isso? Em primeiro lugar, Dantas foi indicado Governador não pelas
elites locais, como havia ocorrido com Jorge Kalume em 1966, mas, ao que tudo
indica, por suas relações de amizade com o Senador da Arena/MG Rondon Pacheco,
que tinha grande influência junto à Presidência da República. Isso, de certa
forma, o tornava mais independente em relação à Arena local. Não eram raras as
críticas que os Deputados Estaduais da Arena faziam ao Governo, tanto na
Assembleia Legislativa, quanto nos jornais locais.
Em
1975 assume o Governo Estadual, o então Senador Geraldo Mesquita. Com sua
nomeação, há uma mudança significativa em relação ao governo anterior.
Mesquita, ciente das consequências que a política de Dantas havia trazido
(conflitos de terra, expulsão dos seringueiros que passam a ocupar
desordenadamente a periferia de Rio Branco, etc.) adora uma série de medidas
que dificultam a compra de terra no Estado, cria o INCRA local e em especial
passa a contar com o apoio de seu partido e das elites locais.
Mesquita,
que também foi indicado por suas relações de amizade com políticos influentes
em Brasília, vai redirecionar esse “processo de modernização” do Acre.
É
importante situar que é nesse período e em consequência desse processo, que vão
surgir, à margem dos partidos, inúmeros sindicatos, rurais e urbanos, que vão
exercer um papel muito importante de resistência a essas novas condições.
E
como se comportam os partidos políticos? A Arena, como o partido do poder, se
comportou como era de se esperar: deu apoio ao regime militar no plano nacional
e a nível interno, apoiou os governos locais, desde que não ferissem seus
interesses, como foi o caso do Governo Dantas, que, pelas razões já alegadas,
não vai contar com o apoio integral da Arena. Quanto ao MDB, a partir de 1974,
quando tem uma esmagadora vitória a nível nacional, até 1978, terá maioria
tanto da Assembleia Legislativa quanto na Câmara Federal, sabendo capitalizar
as insatisfações populares. Na realidade não era uma oposição autêntica, que se
colocava frontalmente contra a ditadura militar, mas meramente circunstancial. O
voto dado ao MDB não era, em nosso entender, um voto “partidário” mas um voto
que simbolizava um protesto, face ao caráter plebiscitário das eleições. Por
que não era uma oposição autêntica?
Remetamo-nos
à trajetória dos partidos no Acre: desde sua formação os partidos – aí incluído
o MDB como oposição consentida durante a ditadura militar – são caracterizados
pela inautenticidade e inconsistência ideológica, com um funcionamento
meramente eleitoreiro que se consubstancia, basicamente, em práticas
clientelísticas. Ou seja, os partidos no Acre não têm enraizamento enquanto
veículo de participação política dos cidadãos, ficando circunscritos a uma
pequena elite que se digladia em torno do poder local. Sem bases sociais e
ideológicas diferenciadas, têm no clientelismo um de seus mecanismos principais
de legitimação. É importante ressaltar que o clientelismo é uma prática
generalizada, não se restringindo ao Acre ou aos Estados de regiões mais
atrasadas. Como diz Souza, “o clientelismo surge como característica do sistema
partidário, onde é o único modo de geração de um poder para os partidos porque
é através deles que se torna possível o controle dos raros recursos do poder à
disposição dos partidos devido à concentração do executivo”.
O
Acre, ressalte-se, é um Estado com característica muito diversas das do resto
do país, pois se apresenta como um Estado extremamente dependente do Governo
Federal que participa com seus repasses, com cerca de 80% do orçamento do
Estado. No entanto, mesmo considerando sua inexpressividade na configuração do
poder nacional – ou por isso mesmo – sendo um Estado pobre, isolada e
“atrasado” e com o Governo como o grande empregador, vai ter no clientelismo um
elemento fundamental na configuração do poder local.
Tomados
sob estes aspectos, MDB e ARENA pouco se diferenciam. Como diz o jornal O Varadouro:
“... oposição no Acre tem sido mais de mentirinha, de encenação e faz-de-conta.
O que acontece é que seus representantes colhem na bandeja os votos de uma
população cada vez mais insatisfeita com o sistema dominante e que comparece às
urnas considerando as eleições um ‘plebiscito’ muitas vezes debaixo de um fogo
cerrado da máquina governamental, eleitoralmente corrupta, aliciadora e
opressora. Para colher esses votos abundantes, os oposicionistas não têm
precisado inteirar-se dos problemas mais graves do Estado (de um modo geral,
não têm cultura para isso), fazer reivindicações corajosas (não têm peito) ou
acompanhar os debates políticos a nível nacional (preferem descartar com um
‘não me comprometa’). Enquanto o povo acreano permanece pobre, pouco instruído
e doente, dependente de uma assistência que o governo não consegue assegurar, o
MDB vai faturando...”
Assim
sendo, considerando o período do bipartidarismo e o papel do MDB, diríamos que
o voto oposicionista no Acre teve muito mais o papel de simbolizar um protesto
do que “representar” os interesses de classes ou de grupos sociais.
Para
finalizar, diríamos que os partidos políticos no Acre, no período compreendido
entre 1945 e 1978, nada mais expressavam do que os interesses das elites
políticas locais. A oposição era meramente circunstanciada, como expressa a
troca de documentos entre Oscar Passos e Guiomard Santos na década de 1950 e o
comportamento do MDB durante a ditadura militar. Nunca foi uma oposição
autêntica, servindo-se apenas das instituições populares para eleger seus
representantes.
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HOMERO
DE OLIVEIRA COSTA, à época da publicação do artigo, era professor da
Universidade Federal do Acre. Atualmente é professor de Ciência Política da
Universidade Federal do Rio Grande do Norte. É lotado no Departamento de
Ciências Sociais e também é professor do Programa de Pós-Graduação em Ciências
Sociais (mestrado e Doutorado) da UFRN. É formado em Ciências Sociais
(habilitação em política), e fez mestrado na Unicamp (ciência política) e
doutorado em Ciências Sociais (Área de Política) na PUC-SP. É autor dos livros:
A insurreição comunista de l935: Natal, o primeiro ato da tragédia. Editado
pela Ensaio (SP) e contou com apoio da Cooperativa Cultural do RN; Reforma
Política e outros ensaios (Sebo Vermelho), Democracia e Representação política
no Brasil (Sulina/RS) e Dilemas da representação política no Brasil (Editora da
UFPB), além de artigos em revistas acadêmicas.